Começa cedo, muito cedo, a labuta diária de Valdir Sheibler, 48 anos. Na madrugada, por volta das 3h30min, ele sai da cidade de Venâncio Aires com destino a Porto Alegre e ao Vale do Sinos. Há quatro anos, ele trabalha como entregador de carnes. Descarrega cerca de quatro toneladas por dia, sempre subindo e descendo as escadas do caminhão. Só retorna para a casa, no bairro Bela Vista, no início da tarde.

 

A rotina pesada não impede que Valdir brilhe nas quadras e gramados. O entregador de carnes, que já foi montador de móveis e sempre cultivou fumo na pequena propriedade da família, joga futebol quase todos os dias, seja campo, futsal, society ou sete. Já disputou as mais variadas competições nos Vales do Rio Pardo e Taquari. No verão, também joga o Bolamar, no litoral, e ainda defende a equipe da AABB em torneios estaduais e nacionais. Em todos os campeonatos, um hábito se repete, o de balançar as redes adversárias. Em Santa Cruz do Sul, de oito anos campeonatos municipais foi artilheiro em quatro. Em Venâncio, acabou goleador 10 vezes. Pelos gols, pela velocidade e por atormentar os marcadores, recebeu das rádios locais o apelido de Furacão das Colônias.

 

Aos 48 anos, Valdir tem fôlego de dar inveja. Nos domingos pela manhã, joga os 90 minutos entre os veteranos. E à tarde, vira arma para o segundo tempo da categoria livre, a principal do amador.

 

– Eu não canso, o preparo é a diferença – enfatiza.

O segredo para tanta vontade pode ser explicado pela paixão pelo futebol. Os Scheibler, com raízes na comunidade de Santa Emília, respiram futebol. O pai, os irmãos e até as irmãs sempre correram atrás de uma bola. Valdir começou a jogar na infância. Com 15 anos, disputou o primeiro campeonato. Defendeu as cores do São Luiz de Santa Emília, time que mantém ligação até hoje. Dali em diante, não parou mais. Invariavelmente, como o legítimo camisa 9. Mesmo baixo para os padrões de um centroavante (1,72cm), um dos pontos fortes do Furacão é o cabeceio. Cerca de 80% dos gols marcados por ele surgem de jogadas pelo alto. Impulsão e boa colocação na área são as receitas. Para exercitar a subida, treinava em casa. Pendurava a bola em uma árvore e saltava diversas vezes.

 

– Na região, sou conhecido por não ter um cabeceador igual a mim. Subia muito alto. Falavam que eu tinha mola nos pés – brinca Valdir, que acrescenta, sem muita modéstia:

 

– Nunca me preocupei com zagueiros. Sabia que, se a bola fosse para a área, seria gol.

 

Ainda jovem, treinou por alguns meses no Santa Cruz e no profissional do Guarani-VA, mas como pagavam pouco e precisava ir de bicicleta para os treinos, optou por jogar em clubes do futebol amador. Em algumas oportunidades, afirma, chegou a receber R$ 400 por partida. Atualmente, o cachê por jogo é menor, de R$ 80 a R$ 100, mas ainda ajuda no orçamento da família – arrecada cerca de R$ 200 por semana.

 

– Até tentei ser profissional, mas optei por ser amador, e não me arrependo. A gente nunca sabe como vai ser o futuro. Ganhei muito dinheiro jogando bola. Consegui várias coisas, como carro e moto, por causa do futebol – salienta.

A paixão dos Sheibler pelo futebol atravessou gerações. Os dois filhos do Furacão, Vinícius, oito anos, e Vicente, quatro, são fominhas por bola.

 

– Eles chegam do colégio e vão jogar. O mais velho já disputa a Copa Piá, em Lajeado. Eles falam: "Pai, quero ser como tu" – conta Valdir, orgulhoso.

 

Os pequenos e a esposa, Márcia, são companhias frequentes nos jogos, que viraram programa obrigatório da família.

 

Um momento que emociona o Furacão é o título do Municipal de Venâncio conquistado em 2009. Após o triunfo fora de casa, ele percorreu a pé oito quilômetros para deixar a medalha no túmulo da mãe, Lorena, que morreu semanas antes e era fanática por futebol.

 

– Era uma promessa. Disse para mim mesmo que o título seria para ela – relembra Valdir, tentando segurar as lágrimas.

 

Outra lembrança emblemática remete à final da Copa Serrana de 2013, quando marcou o gol que deu a taça para o Grêmio Esportivo Cecília. Na comemoração, colocou a bola sobre a camisa para homenagear a mulher, que esperava o segundo filho do casal. Também há exemplos de superação. Certa vez, havia fraturado três dedos do pé, mas foi convocado pelo presidente do time que atuava.

 

– Ele falou que precisava de mim. Tomei uma injeção em Venâncio e joguei. Fomos campeões. O pessoal fala que deveriam me levar para a universidade fazer estudos comigo – sorri.

 

Nas andanças pelos gramados, orgulha-se de ter feito amigos e por ser reconhecido. Lembra de ter jogado com o então zagueiro Mano Menezes, hoje técnico do Cruzeiro, no Fluminense de Mato Leitão. Agradece por ter sido companheiro de Mano, já, que nas palavras de Furacão, o treinador era um defensor "mau, que dava pau (risos)". Com o time da AABB, ainda teve a oportunidade de fazer viagens e visitar várias cidades do país.

 

– Sou conhecido pelo futebol. Onde eu vou, o pessoal fala: "Olha, o Furacão está por aí." Apesar de que agora, pela idade, o Furacão está virando ventania –brinca Valdir.

 

Com fôlego em dia e ainda desequilibrando, o artilheiro não pensa em pendurar as chuteiras tão cedo. Afinal, futebol, para os Scheibler, é mais do que apenas um esporte:

 

– Para mim, é uma paixão. Preciso do futebol para viver –conclui o Furacão das Colônias.

Moacir Alberto Eisermann,

plantão esportivo da Rádio Venâncio, de Venâncio Aires

"Valdir é uma referência. Tinha todas as condições de ser um jogador profissional. Quando entra em campo, faz a diferença."

VALDIR,

O FURACÃO DAS COLÔNIAS