No dia 25 de fevereiro deste ano, em uma tarde quente na pequena Crissiumal, noroeste do Estado, as atenções estavam voltadas para a estreia de Adriano Gabiru pelo Tupi. O autor do gol mais importante da história do Inter faria seu primeiro jogo com a camisa da equipe diante de um selecionado de atletas amadores. Mas quem foi ao Estádio Rubro-Negro viu brilhar um centroavante bem conhecido na região, Cláudio Fernando Wille, 29 anos, o Nando.

 

No empate por 3 a 3, Gabiru teve uma atuação discreta, assim como foi sua trajetória no clube da cidade. Já o atacante Nando marcou os três gols do combinado local, despertando mais uma vez o desejo do Tupi em contratá-lo. Desde que o time de Crissiumal voltou ao profissionalismo, em 2012, o centroavante nascido na vizinha Nova Candelária é cobiçado. Porém, como é assistente de negócios do Sicredi, não há como conciliar o trabalho com a rotina de treinamentos.

 

Em uma oportunidade, o presidente do Tupi chegou a procurar o presidente regional do Sicredi tentando a liberação do bancário/goleador, mas não obteve êxito. Em 2015, centroavante e clube voltaram a conversar. A combinação era de que não precisaria treinar durante a semana, mas, por fim, outra vez não ocorreu o acerto.

 

– Não tem como trocar três a quatro meses por ano como jogador por uma situação financeira estabelecida – explica.

O futebol entrou cedo na vida de Nando. Em Nova Candelária, município de 2,8 mil habitantes próximo de Santa Rosa, não havia muitas opções esportivas na década de 1990. Sem natação, tênis ou basquete, o jeito era jogar bola. E o que começou como brincadeira virou paixão. No time da cidade, iniciou como lateral-direito, aos 15 anos. Logo, percebeu que tinha qualidade e poder de finalização para atuar mais à frente. No primeiro jogo pela categoria aspirante (espécie de time B), foi testado como centroavante. Fez quatro gols e nunca mais voltou para a defesa. Depois dessa partida, acabou promovido para a categoria principal e se firmou como um típico centroavante, o 9 de ofício, que joga centralizado entre os defensores.

 

– É goleador, matador – resume o pai, Enio Wille, orgulhoso.

 

O faro de gol é uma espécie de dom, já que nunca treinou ou frequentou categorias de base. Teve uma oportunidade lá pelos 16 anos. Foi convidado para jogar em um clube de Santa Rosa, mas teria de se mudar. Como trabalhava desde os nove anos, primeiro entregando jornal e depois como marceneiro, não teria como deixar de ajudar no orçamento da família. E pior, aumentaria a despesa, pois precisaria arcar com os seus custos em outra cidade. Além disso, não contava com o apoio da mãe, Lili Wille, que temia pelo filho longe de casa. Acredita, contudo, que poderia ser atleta profissional.

 

– A gente vê cada jogador que dá dó – sorri o colorado Nando, que quando menino chegou a sonhar em vestir o vermelho do Inter.

 

O talento para finalizar foi se lapidando com o tempo. Aprimorou a conclusão de cabeça e de perna esquerda, já que o arremate de direita sempre foi seu forte. Com o passar dos anos, balançar as redes adversárias virou rotina. Foi artilheiro várias vezes e conquistou títulos em Crissiumal, Três Passos, Humaitá, Boa Vista do Buricá, Doutor Maurício Cardoso e Tiradentes do Sul. Ganha de R$ 150 a R$ 200 por jogo.

 

– Às vezes, dava R$ 1 mil por mês, mas nunca fui pelo dinheiro, e sim pelas amizades que conquistei.

Neste ano, resolveu diminuir um pouco o ritmo, ficar mais em casa nos finais de semana. Recusou seis convites apenas de clubes de Crissiumal. Jogará só o Gauchão de Várzea e a Liga dos Campeões, em Ijuí.

 

– Me procuram bastante, talvez pela questão do compromisso. Se está marcado, vou estar lá sem preocupação. Se assinei com o clube, com chuva ou sol, vou estar lá.

 

Porém, o principal cartão de visitas são os gols. Marcar três a quatro vezes por partida não é um fato incomum. E se desperdiça uma chance, fica aborrecido.

 

– Me cobro muito. Posso ter feito um ou dois gols, mas se perdi um, fico com aquilo na cabeça: "como perdi? Tu quer me ver chateado, é quando perco um gol.

 

A agenda futebolística prevê três a quatro partidas por semana. Nando joga duas vezes à noite e também nos sábados e domingos. Por ano, calcula ganhar mais de 10 medalhas, que costuma doar para torcedores das equipes que defende. Na residência onde mora com os pais, guarda apenas as taças de artilheiro.

 

– Os troféus, coleciono, até como um presente para o meu pai, que gosta de futebol, e para minha mãe, que me apoia. E para, no futuro, servir de inspiração para um filho ou uma filha.

 

Para fazer as imagens desta reportagem, Nando escolheu o campo da Associação Nova Candelária, "sua casa", local onde marcou muitos de seus gols: de perna direita, esquerda, e até de bicicleta. O centroavante acredita que a facilidade para colocar a bola na rede se deve ao fato de ser fominha e de ter tranquilidade para concluir

 

– Quando chego na frente do arco, só penso em como tirar do goleiro. O gol é um momento especial. Para mim, abraçar os amigos em campo e ver a alegria dos torcedores de uma comunidade é uma coisa que não tem preço – salienta.

 

Segundo o artilheiro, o esporte o acompanhará até a velhice, até quando quando as pernas aguentarem.

 

– O futebol é um prazer, uma forma de se expressar, de conquistar amizades. Prezo isso. O futebol faz parte de mim, vou levá-lo para sempre.

Clecio Ruver,

editor do site Guia Crissiumal

"Nando foi o maior atacante que vi jogar em nossa região. É um goleador nato e, fora de campo, um cara super-humilde."

NANDO,

O BANCÁRIO QUE OFUSCOU GABIRU