São controversos os números que envolvem os principais artilheiros do futebol. No entanto, muitas fontes consideram Arthur Friedenreich, jogador das décadas de 1920 e 1930, como o líder do ranking, com 1.329 gols. Pelé teria marcado 1.281 vezes. Em Santa Maria, na Região Central, Victor Hugo da Cas, 60 anos, o Pelego, afirma ter 1.592 gols, todos registrados em súmulas.

 

– Claro que não se compara, mas tenho orgulho de ter mais gols do que o Pelé – sorri o camisa 9 do Dores, time tradicional da cidade.

 

E Pelego alerta. Só começou a contar seus gols em 1988, quando passou a disputar as competições de veteranos. Os torneios de "atletas experientes" são um capítulo à parte no futebol de Santa Maria. O calendário prevê duas competições anuais, a Copa Afufesma (antiga Copa Prefeito) e a Copa Amizade, uma em cada semestre. Os torneios, com jogos sempre aos sábados, têm a participação de 72 equipes, divididas em sete categorias – 35 anos, 40 anos, 45, 50, 55, 60 e 65 anos. A média do camisa 9 é superior a dois gols por jogo. Em duas oportunidades, chegou a balançar a rede 10 vezes na mesma partida. Por 47 vezes, acabou artilheiro de uma das Copas em sua categoria. Os prêmios individuais ocupam boa parte da garagem de sua espaçosa casa, situada em um sofisticado condomínio da cidade.

 

Natural de Santa Maria, com seis anos, o menino que mais tarde viria a se tornar artilheiro já jogava em um time formado por primos e colegas no bairro Dores. O apelido vem dessa época. Foi dado por um amigo, o Pinóquio.

 

– Ele falou: "Esse cabelo parece lã de ovelha, um pelego". A partir daí, pegou – recorda.

Por 10 anos, morou com a família em Porto Alegre e treinou durante alguns meses no infantojuvenil do Grêmio. Devido à velocidade, atuava como ponteiro-direito. Também defendeu outras equipes amadoras da Capital, como Pombal e Wallig. De volta à cidade natal, começou a treinar no Inter-SM. Porém, o pai, fanático pelo Riograndense (rival do Inter-SM) e pelo Grêmio, impediu que o filho seguisse vestindo vermelho.

 

– Ele disse: "Se tu quer continuar no Inter, pega tuas coisas e sai de casa" – conta o artilheiro.

 

Em 1977, quando tinha 20 anos, passou no vestibular para Engenharia Civil, e o plano de se tornar jogador de futebol foi, definitivamente, arquivado.

 

– Craque, eu não seria, mas seria um bom jogador. Tinha muita velocidade, um arranque forte e batia com os dois pés. Porém, não me arrependo. A Engenharia me deu tudo o que tenho – destaca.

 

Mesmo sem ser profissional, Pelego não abandonou as quadras e os gramados. Pelo contrário, jogou futsal, futebol sete e futebol de campo. Defendeu várias equipes, sempre como centroavante. Mas foi quando entrou para a categoria veteranos que passou a ganhar notoriedade na região.

 

O sucesso nos gramados coincide com a criação da equipe que defende até hoje, o Dores. Desde 2011, o time ganhou todos os campeonatos da categoria – 13 seguidos – e chegou a ficar mais de cem jogos invicto. As partidas ocorrem sempre aos sábados à tarde, um dia considerado sagrado pelo goleador.

 

– Quando querem marcar algum compromisso de trabalho no sábado à tarde, digo que minha religião não permite. Perguntam qual minha religião e digo: o futebol. Esse dia não abro mão. Sinceramente, fico esperando toda a semana pelo sábado à tarde. Além do jogo, é um momento de estar com os amigos, fazer um churrasco...

Pelego é um artilheiro das antigas, sem frescuras. No equipamento de jogo, nada requintado. A chuteira, normalmente, é das mais baratas. Ela só precisa ser macia, que dobre ao meio quando for testada, e preta. Mesmo acostumado a balançar as redes, um gol em especial emociona o engenheiro que ficou famoso como centroavante: o milésimo, marcado em 2008.

 

A cobertura de imprensa foi digna de jogo profissional. Teve acompanhamento de rádios e emissoras de TV da cidade. Quando dominou a bola no peito e mandou para o gol, correu para comemorar e tirou a camiseta. Abaixo, tinha outra com o número 1.000. Nesse momento, a filha mais nova, Victória, na época com 12 anos, invadiu o campo e abraçou o pai. A lembrança daquele dia ainda leva o goleador às lágrimas.

 

– Foi uma semana especial e nervosa. Mandei fazer as camisas. Coloquei uma por baixo e as outras ficaram com minha esposa (Piti) e meus filhos (Victória e Henrique). É uma emoção que guardo até hoje.

 

As marcas conquistadas nos gramados e o envolvimento com o futebol veterano fazem o artilheiro ser reconhecido. Recentemente, recebeu, na Câmara de Vereadores de Santa Maria, a Medalha Mérito Esportivo Valdemar Rodrigues Martins (Oreco). Também já havia sido agraciado com distinção semelhante da prefeitura, em 2008. Mesmo assim, não se considera uma lenda do futebol local.

 

– Mas sou muito conhecido. Às vezes, vou num lugar e falam: esse é o Pelego, o goleador – comenta.

 

Com 60 anos, o artilheiro pretende jogar mais sete ou oito temporadas. E gol 2 mil, é possível?

 

– Não vai dar tempo – sorri o camisa 9, uma máquina de fazer gols na várzea santa-mariense.

"Pelego é um grande goleador, um dos melhores centroavantes que vi jogar. Uma lenda."

Jorge Faísca,

jornalista que acompanha há 42 anos o futebol amador da região

PELEGO

FEZ MAIS GOLS QUE PELÉ