Pepe se ajeita na cadeira da ampla cozinha da casa de dois andares no bairro Pinto Bandeira, em Bento Gonçalves, para falar sobre os altos e baixos da carreira de um artilheiro que escolheu a várzea para concretizar o sonho de jogar o futebol. Discretamente, sua mãe, Clodorice, 60 anos, pega um banquinho e apinha-se ao lado do filho. Ato contínuo, Duque, o cachorro da família, começa a latir e pula no colo do atacante.

 

– Ela sabe mais da minha carreira do que eu, supercoruja, acompanha os jogos, se emociona, dá palpite. Ela é assim – comenta Leandro Mauri, o Pepe, goleador de 29 anos e 1m84cm.

 

– Tudo não, quase tudo. Sou torcedora número 1, sei o que ele trilhou neste caminho espinhoso até chegar até aqui. Quando ele sofre, eu sofro. Quando ele comemora, eu comemoro – emenda dona Clo, como prefere ser chamada.

 

Pepe não se incomoda com a marcação cerrada de dona Clo. Ela deu asas ao guri que queria ser jogador. O pai, Nelson, 65 anos, também, mas não com a mesma empolgação da professora de Ensino Fundamental aposentada de Bento.

 

O menino que voava no futsal alçou voos mais altos quando começou a jogar a valer no futebol amador da região serrana, aos 16 anos. Em 2009, o Esportivo fincou o olho no guri rápido, forte e fazedor de gols. Atuou no clube de Bento nos até 2012. Depois foi contratado pelo Tupi de Crissiumal para disputar a Série B do Gauchão. No ano seguinte, acabou no Canoas. Uma ótima partida contra o Juventude despertou o interesse de um empresário português que o levou para o Olhanense, de Portugal, a fim de garantir o time na primeira divisão.

 

Dona Clo quase morreu do coração.

Pepe viveu dias difíceis na Europa. Grana boa, mas demorou a se adaptar. Fez poucos jogos como titular, mas comemorou com o grupo a façanha de deixar o clube de Algarve na Primeira Divisão.

 

– Foi uma festança. Voltei para o Brasil de férias com a passagem de retorno comprada, mas daí o clube passou por uma grande crise financeira, foi vendido e o empresário que comprou o clube dispensou todo o grupo de jogadores. Foi frustrante – afirma Pepe, que ganhou o apelido de um primo ainda quando criança e pegou fácil.

 

Dona Clo estava aliviada com o retorno do filho. Mas Pepe estava meio perdido. Não sabia o que faria no futuro. Recebeu algumas propostas de clubes da segunda e terceira divisões do futebol gaúcho. Dinheiro curto e incerto. Não balançou por nenhuma. Viu no futebol amador uma chance de ganhar mais. Ia ter de se empenhar muito. Precisaria se desdobrar para jogar campo, futebol sete e futsal. Sem problemas:

 

– Comecei a receber um convite atrás do outro. Jogava praticamente todos os dias. No sábado chegava atuar no campo e depois em um torneio de futsal. Uma loucura. A grana era boa, não dava para recusar – lembra Pepe.

 

O atacante calcula, por baixo, ganhar mais de R$ 4 mil mensais com os jogos de torneios municipais amadores em Bento Gonçalves, Feliz, Farroupilha, Garibaldi e Bom Princípio o futebol amador. Às vezes, fatura R$ 500 em um fim de semana.

 

– Não dá para reclamar. Estes torneios pagam bem melhor do que os campeonatos da segunda e terceira divisões do Gauchão – destaca o artilheiro da Copa Libertadores do Nordeste do Estado, com 11 gols em oito partidas.

 

Pepe é um goleador de carteirinha. Questionado sobre quantos gols soma na carreira, passa A mão na cabeça, olha em direção ao teto na casa.

 

Depois de pensar por um tempo diz:

 

– Seu eu somar os marcados no futsal, mas de mil, com certeza.

 

– Mil? Pergunto novamente.

 

– Sim, sempre fiz muitos gols. Hoje um pouco menos, mudei um pouco meu estilo, jogo mais aberto. Gosto de fazer assistências também – garante.

 

Sorriso de canto de boca, dona Clo está atenta a cada palavra do filho. E completa:

 

– O Pepe é ídolo em Bento e em todas as cidades da região. É só perguntar por aí – orgulha-se a mãe, que premia Pepe com um caprichado arroz de forno a cada nova conquista do atacante.

Mas o goleador é discreto. Fora das quadras, prefere o sossego, a companhia dos pais e dos amigos.

 

Além de ser um especialista na pequena área, ele também trabalha como representante comercial em Bento Gonçalves. Vida corrida, mas que o goleador tira de letra:

 

– Me divirto jogando futebol. Mas é preciso pensar no futuro, né. A carreira de jogador, mesmo no futebol amador, é curta – ressalta o artilheiro, que tem como marca o chute forte de pé esquerdo.

 

Pepe ainda está longe da aposentadoria. Já marcou mil gols quer aumentar a coleção de 60 medalhas e 25 troféus que emolduram a cozinha da dona Clo.

 

– Todos têm uma história. E sei detalhes de cada uma delas – assegura a mãe.

 

Pepe diverte-se. Continuará em ação na várzea e nas quadras pelo RS. Dona Clo e os torcedores agradecem.

"O potencial do Pepe sempre foi muito grande. Tanto que ele foi jogar na Europa."

Diego Salini,

colega do Esportivo

PEPE,

GOLEADOR DA "LIBERTADORES"