sonhamos com carros voadores e acordamos presos em engarrafamentos quilométricos. fizemos nosso mundo rápido, conectado, portátil. nosso mundo nos fez imóveis.

Imagine a tranqueira: até 2050, 70% da humanidade viverá
em cidades – previsão da Organização das Nações Unidas (ONU). Garantir que tanta gente consiga se locomover é um desafio e tanto. Para superá-lo de forma satisfatória, devemos proteger recursos como os combustíveis fósseis, o ar
que respiramos e, é claro, o tempo de que dispomos para desfrutar a cidade e ser felizes.

 

Um relatório desenvolvido pelas ONGs Forum for The Future e Embarq, em parceria com a fundação FIA e a Vodafone, enfatiza: o futuro da mobilidade depende de opções de transporte integradas. Quando se deslocam, as pessoas devem ter facilidade e agilidade na conexão entre um modal e outro – por exemplo, o metrô que a trouxe da periferia para a região central e a bicicleta na qual percorrerá a parte final do trajeto até o trabalho. Por fim, ainda precisam de boas calçadas, pois, como veremos a seguir, o amanhã, com sorte, será dos caminhantes.

 

A integração a ser buscada não se limita à conectividade entre os modais de transporte, mas ao planejamento urbano como um todo. O planejamento bem feito de hoje é a mobilidade e a qualidade de vida de três décadas à frente. Para a diretora de Desenvolvimento Urbano da Embarq (ONG dedicada a estudos sobre mobilidade e desenvolvimento urbano sustentável), Nívea Opperman, melhorar a mobilidade passa por reduzir a necessidade de locomoção – e conter a expansão que cria bairros unicamente residenciais na periferia.

 

– O problema das cidades muito dispersas é crítico: as cidades precisarão ser mais densas, priorizar transporte coletivo, incentivar transporte não motorizado, ter centros de bairro, com uso misto – afirma Nívea. – Essas mudanças todas ocorrem a médio e longo prazo. A Terceira Perimetral está prevista no plano diretor de Porto Alegre há décadas. O plano diretor de Barcelona foi feito em 1865 – destaca.

 

Professora de Arquitetura e Urbanismo na Unisinos, Nívea costuma mostrar aos alunos gráficos que comparam Barcelona e Atlanta, nos EUA. Com população significativamente maior, a cidade espanhola emite 10 vezes menos carbono por habitante do que a americana. O planejamento fez Barcelona 20 vezes mais compacta do que Atlanta e viabilizou transporte público eficiente.

 

Como muitas das grandes cidades já se espalharam, a construção de centros de bairro é uma das formas de oferecer o que especialistas chamam de “acesso”: as necessidades cotidianas disponíveis a curtas distâncias, percorríveis a pé ou de bike. Cidade que precisa ser atravessada diariamente não é cidade: é problema.

 

– E cidade não pode ser problema, cidade tem de ser solução – sintetiza o físico Luiz Alberto Oliveira, curador do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro.

 

À medida que os estoques planetários de combustíveis fósseis virarem fumaça e as consequências deletérias da mudança climática se agravarem, teremos de torcer para que veículos elétricos, alimentados por fontes limpas, tornem-se o padrão da indústria. Mas tranqueira de carro elétrico também prejudica a economia e a saúde. O tempo que um motorista passa por ano em congestionamentos deve triplicar e chegar a 106 horas em 2050, dado que reforça a tese do urbanista americano Jeff Speck, autor de Walkable Cities: How Can Downtown Save America One Step at a Time (Cidades Caminháveis: como o Centro Pode Salvar os EUA um Passo de Cada Vez).

 

– A única forma de reduzir congestionamento é aproximando o custo de dirigir para o indivíduo do custo dos carros para a sociedade. É por isso que nenhuma medida tem tanta eficácia em reduzir o tráfego quanto pedágios urbanos em zonas congestionadas. Em sistemas congestionados, o congestionamento é um estado de equilíbrio – afirma Speck.

 

 

novas cidades, novas soluções

 

Estima-se que 90% do inchaço urbano das próximas quatro décadas se dará na Ásia e na África. A China vai erguer, do zero, grandes estruturas urbanas, sem os vícios das metrópoles construídas no último século. Se 1 bilhão de pessoas nas cidades chinesas de 2050 recorrerem ao automóvel nos padrões norte-americanos, vão precisar de toda a produção mundial de combustível. A potência emergente tanto sabe disso que, até lá, concentrará metade dos trilhos de metrô do mundo.

 

Em parceria com Singapura, os chineses esperam concluir, até 2020, o que deve ser o modelo de cidade sustentável para os dois países (imagem abaixo). Pelo menos 90% dos deslocamentos dentro de Tianjin Eco-City – distrito para 350 mil moradores na cidade de Tianjin – devem ser verdes: percorridos a pé, de bicicleta ou com transporte público, cujo principal modal deve ser de veículos leves sobre trilhos, interligados a uma rede secundária de bondes e ônibus.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Para tornar suas cidades sustentáveis, nações em desenvolvimento precisarão de planejamentos consistentes e inclusivos. Além de uma prioridade ambiental, adotar sistemas de transporte público integrados e conectados será determinante para o bem-estar social e econômico.

 

– A desigualdade é o maior desafio em nossas sociedades globais, e mobilidade integrada é uma das chaves para garantir não só a acessibilidade, mas também a conectividade entre as comunidades, as oportunidades de emprego e a mobilidade social – afirma Helle Søholt, CEO e sócia do escritório Gehl Architects ao lado de Jan Gehl, urbanista que liderou a transformação de Copenhague, a partir da década de 1960, em uma “cidade para pessoas”.

 

o design afeta o comportamento

 

 

Os sistemas de mobilidade europeus são os mais maduros do mundo, segundo ranking da consultoria americana Arthur D. Little (ADL). Por serem mais velhas que andar de carro, as cidades são densas e adaptadas às caminhadas. Depois de décadas como sede do movimento de humanização urbana iniciado por Jan Gehl, Copenhague – quarta colocada no ranking da ADL, depois de Amsterdã, Estocolmo e, veja só, Hong Kong – está em vias de atingir uma marca admirável: até o fim do ano, 50% dos deslocamentos urbanos serão feitos de bicicleta – na região central, as magrelas já respondem por 63% das viagens. O sucesso não seria possível se, nas últimas quatro décadas, não tivesse havido investimento pesado na estrutura para as duas rodas e na conversão de ruas e estacionamentos em áreas de convivência e ciclovias.

 

– O design afeta o comportamento. Com os projetos certos podemos fazer mais pessoas caminharem e utilizarem transporte coletivo e bicicletas – garante Helle Søholt. – Todas as ruas devem ter calçadas acessíveis, adequadas e dignas, e redes de bicicleta totalmente conectadas. Até mesmo em megacidades como a Cidade do México, 80% das viagens estão abaixo de 8 km, distância aceitável para percorrer de bike – afirma.

 

Porto Alegre, cuja rede cicloviária engatinha, pode se inspirar em Londres, que vai construir grandes ciclovias cruzando a cidade – uma delas, com 24 km  será a maior da Europa.

 

 

Copenhague, Dinamarca:

símbolo das “cidades

caminháveis”

Haja aço: o time lapse acima mostra a construção de um prédio de 57 andares em 19 dias (3 andares por dia), na cidade de Changsha, na China.