A engenharia financeira

O governo de Eduardo Leite depende de quatro medidas para tentar voltar a pagar os salários do Executivo em dia até o fim de 2019. Confira quais são os planos, quanto dinheiro será possível obter, de que forma será aplicado e como isso pode levar Leite a honrar promessa feita durante campanha eleitoral de 2018.

De onde virá o dinheiro

Antecipação de 50% do valor das privatizações

Valor previsto: R$ 1,5 bilhão a R$ 2 bilhões

Quando o recurso entraria em caixa: no último bimestre

Do que depende: de assinar a adesão ao regime recuperação fiscal e de encontrar instituição bancária disposta a emprestar o dinheiro

Entenda: hoje, o Estado não tem autorização para financiamentos. Isso só será possível se o governo assinar acordo com a União. Com aval federal, poderá adiantar 50% do valor das vendas de CEEE, CRM e Sulgás. No caso do Rio de Janeiro, o acordo foi feito em setembro de 2017 e, em novembro, o banco BNP Paribas venceu leilão para emprestar R$ 2,9 bilhões ao Estado, tendo como garantia a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae). O recurso entrou em dezembro de 2017.

Venda de ações do Banrisul

Valor previsto: cerca de R$ 2,5 bilhões

Quando o recurso entraria em caixa: a partir de setembro

Do que depende: de decisão do governador

Entenda: em junho, Banrisul enviou comunicado ao mercado informando o interesse do controlador (Estado) em vender ações ordinárias (com direito a voto), mantendo o controle estatal. A expectativa, no mercado, é de que a operação ocorra a partir de setembro. Caso a reforma da Previdência já esteja aprovada, melhoraria o ambiente de negócios. Em 2017, a gestão passada chegou a comunicar a venda de papéis do banco, mas desistiu diante do risco de prejuízo.

Adiantamento de incentivos do Fundopem-RS

Valor previsto: cerca de R$ 400 milhões

Quando o recurso entraria em caixa: em agosto

Do que depende: do êxito do pregão para a venda dos créditos, marcado para 29 de julho

Entenda: a gestão passada antecipou créditos da GM, via Fundo de Fomento Automotivo (Fomentar-RS), que seriam pagos em 20 anos. Foram três operações, somando R$ 749 milhões. Agora, o governo irá leiloar créditos de 14 contratos do Fundo Operação Empresa (Fundopem-RS), envolvendo empresas como Gerdau, Ambev, Randon e Calçados Beira Rio, no valor líquido de R$ 491 milhões, que poderão ser vendidos a terceiros. Vencerá o pregão quem oferecer menor deságio.

Recursos de ICMS sobre a cesta básica

Valor previsto: cerca de R$ 375 milhões

Quando o recurso entraria em caixa: a qualquer momento

Do que depende: de trâmites processuais

Entenda: em 2011, supermercados e empresas do ramo alimentício questionaram na Justiça autuação da Fazenda por irregularidade no ICMS pago sobre produtos da cesta básica. Em maio de 2019, a Procuradoria-Geral do Estado ganhou a ação no Supremo Tribunal Federal (STF), o que garantirá ao menos R$ 500 milhões brutos em caixa. Por lei, 25% do ICMS tem de ser repassado às prefeituras. Restarão R$ 375 milhões ao Estado. O dinheiro está assegurado por fiança bancária, e a liberação apenas é questão de tempo.

Quanto o Estado pode receber

De R$ 4,8 bi a R$ 5,3 bi

Como será usado o dinheiro

Para pagar dívidas de custeio, passivos que impedem o reequilíbrio das contas e investimento prometido para 2019. Confira os principais itens.

Passivo da saúde

Parcelado em 16 vezes de R$ 13,5 milhões, o passivo de R$ 216 milhões com as prefeituras começou a ser pago pelo Estado em junho. A conta será zerada.

13º salário de 2018

Parcelado em 12 vezes, o 13º de 2018 do funcionalismo consome R$ 130 milhões por mês e será quitado pelo governo. Hoje, há cerca de R$ 750 milhões por pagar.

Déficit da Previdência

O Estado é obrigado a cobrir o rombo na Previdência dos servidores. A receita extra será usada para tapar parte do buraco, que consome, em média, R$ 1 bilhão ao mês.

Dívida de precatórios e RPVs

O governo despende em torno de R$ 50 milhões por mês para precatórios e R$ 25 milhões para requisições de pequeno valor (RPVs). Parte da receita extra será aplicada nisso.

Manutenção de estradas

Em junho, Leite anunciou aplicação de R$ 301,4 milhões em rodovias, sendo que R$ 136 milhões dependem de recursos próprios. Será paga com a verba extra.

Como isso ajudará a regularizar a folha

Ao usar a verba extra para cobrir passivos e pagar o investimento prometido em estradas, o governo espera liberar o fluxo de caixa, que hoje está sufocado, e ganhar liquidez. Isso significa que haverá mais recursos livres, que até então eram usados nesses compromissos, para quitar os contracheques no prazo. Por exemplo: ao zerar o 13º salário de 2018 com a verba extra, o governo não precisará mais despender R$ 130 milhões todo mês (a conta foi parcelada em 12 vezes). Poderá ser usado na folha. O mesmo vale para a dívida da saúde, precatórios, etc.

Custo bruto mensal da folha do Executivo

R$ 1,5 bilhão

Quando a folha será paga em dia?

É difícil prever, porque depende de todas as variáveis citadas. Se tudo der certo, o mais provável é que ocorra no último bimestre de 2019.

Por que Leite não usa a verba diretamente para quitar a folha?

Embora o caixa seja um só e o dinheiro não tenha "carimbo", a lei do regime de recuperação fiscal determina que financiamentos sejam usados para quitar passivos. No jargão da administração pública, a folha de pagamento representa custeio (desembolso para garantir o funcionamento da máquina). Quanto aos demais valores extras, não haveria impedimento, mas Leite não quer o ônus político de aplicar a verba em custeio, porque isso significaria "queimar" recursos em vez de realizar investimentos ou quitar dívidas para reequilibrar as contas. Na campanha, ele criticou José Ivo Sartori por vender ações do Banrisul para pagar a folha.

Por quantos meses será possível manter o pagamento da folha de forma regular?

Não há como prever. Isso dependerá do valor de fato obtido com as operações, de tudo dar certo e da evolução da arrecadação do Estado. Em cálculo simplificado, R$ 5,3 bilhões equivalem a 3,5 folhas brutas do Executivo.Para 2020, também está no radar do governo a abertura de capital (IPO) da Corsan, que pode render pelo menos R$ 1 bilhão.