Como participar da política da cidade

Não é só na urna que o cidadão pode ajudar a definir os rumos do local onde vive e contribuir para uma cidade melhor

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REPORTAGEM

Jéssica Rebeca Weber

EDIÇÃO

Eduardo Rosa

DESIGN | ILUSTRAÇÃO

Leonardo Azevedo

PROGRAMAÇÃO

Hermes Wiederkehr

De quatro em quatro anos, você vai às urnas escolher prefeito e vereador. Fez isso pela última vez em 2016 — quando foram eleitos Nelson Marchezan para o Executivo e 36 parlamentares para a Câmara de Porto Alegre. Fará o mesmo em outubro de 2020.

Esse intervalo de tempo não significa que, entre uma eleição e outra, o cidadão não tenha papel algum na política local. Pelo contrário. Sem precisar se juntar a algum partido, sua participação pode ocorrer continuamente, do prestígio a audiências públicas e reuniões do Legislativo à realização de abaixo-assinados para pressionar autoridades, por exemplo. Você pode até criar um projeto de lei — para que ele tramite na Câmara Municipal, no entanto, precisa do apoio de 5% dos eleitores.

O secretário-adjunto de Relações Institucionais da Capital, Carlos Siegle, comenta que há uma forte crítica à estrutura de representação institucional colocada, não só na política formal, mas também por associações, sindicatos e outras entidades. Ferramentas como o Orçamento Participativo permitem ao cidadão defender sua proposta, deliberar sobre o que quer ou não para a cidade e para onde deve ir parte do dinheiro público:

— As pessoas questionam a legitimidade das instituições para defender determinados temas. E o Orçamento Participativo permite que o cidadão, sem delegar sua representação para alguém, possa, de forma direta, cobrar o poder público.

Rafael Machado Madeira, cientista político e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUCRS, relata que essa participação do cidadão pode reforçar um sentimento de pertencimento a uma cidade, um bairro ou uma comunidade:

— A ideia de se reconhecer e ser reconhecido como membro de um grupo é importante. Talvez até a conservação do lugar, o zelo das pessoas com ele, pode sofrer algum tipo de impacto.

Madeira acrescenta que a política vai muito além dos partidos, poderes Executivo e Legislativo e cargos formais: a vida em comunidade pressupõe uma dimensão de negociação política. Até porque a alternativa a isso seria o uso da força.

— Da crítica aos corruptos a uma demonização da política como atividade, há um passo extremamente perigoso. Dar ele é prejudicial para qualquer sociedade — analisa.

Nesse especial, você confere dicas de como exercer sua cidadania nos 1.460 dias que separam uma eleição municipal da outra:

Experiência de Porto Alegre

O Orçamento Participativo é a principal ferramenta para o cidadão participar da política local, na avaliação do cientista político Rafael Machado Madeira. E sua implantação na Capital, em 1989, colocou a cidade no mapa da política internacional, servindo de modelo para iniciativas replicadas em Paris, Barcelona, Bruxelas, Toronto, Lisboa e várias outras cidades.

Embora essa ferramenta tenha amargado dificuldades nos últimos anos, Madeira acredita que é uma conquista na qual os moradores devem insistir:

— É uma experiência que permite ao cidadão a possibilidade de se evolver mais nas questões locais, de bairro. Dentro de uma assembleia, para levar adiante determinadas pautas, as pessoas têm que se articular, têm que negociar. Isso cria a possibilidade de um cidadão comum fazer política no âmbito local.

O OP delibera sobre o destino de parte dos recursos públicos da cidade, dando a oportunidade para os moradores ajudarem o governo a decidir sobre os investimentos, explica o secretário-adjunto de Relações Institucionais, Carlos Siegle. Porém, é a prefeitura que identifica quais dentre as demandas são possíveis atender — não há uma porcentagem do orçamento do município definida para isso por lei.

As assembleias para escolher os conselheiros e delegados das 17 regiões do OP e seis temáticas (Educação, Esporte e Lazer; Saúde e Assistência Social; Cultura; Circulação, Transporte e Mobilidade Urbana; Habitação, Organização da Cidade, Desenvolvimento Urbano e Ambiental; e Desenvolvimento Econômico, Tributação, Turismo e Trabalho) foram retomadas em julho e agosto, depois de serem suspensas em 2017 — o governo Marchezan alegou que havia muitas demandas de anos anteriores ainda não atendidas e reiterou a crise financeira.

Essas assembleias acabam sendo também uma oportunidade de contato direto com secretários municipais ou até com o próprio prefeito. Em julho, a assembleia realizada no Belém Novo juntou mais de 600 pessoas. "O bairro clama: chega de barro" e "macrodrenagem já" eram algumas das reivindicações escritas em letras garrafais em cartazes.

— Eles cobram bastante da gente. Essa troca de experiências é bem legal, essa possibilidade de o cidadão cobrar diretamente do prefeito e dos secretários: "olha, você ficou de vir aqui resolver tal problema e não resolveu" — comenta Siegle.

Como ocupar os espaços públicos

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Câmara Municipal: vá à "casa do povo"

É na Câmara Municipal que o cidadão encontra a maioria das ferramentas para ter sua voz ouvida e fazer sua parte na política local. Pode, inclusive, subir à tribuna para compartilhar opiniões e ideias, por meio de iniciativas como as audiências públicas e a Tribuna Popular.

No mês passado, esse último espaço foi usado para tratar de temas como a psoríase _ a presidente da União das Associações de Pacientes de Psoríase do Brasil, Gladis Lima, lembrou o dia mundial da doença _ e expor críticas da Associação dos Cegos do Estado do Rio Grande do Sul (Acergs), que reclamava o lançamento de edital para dar continuidade a projetos de atendimento a pessoas com deficiência visual na Capital.

O presidente da Casa, Valter Nagelstein (MDB), ressalta também que quase todos os assuntos importantes da cidade — como o orçamento do ano, obras, projetos imobiliários, eventos — têm discussões feitas previamente na Câmara:

— Por isso que é importante, dentro daquilo que se chama cidadania, as pessoas participarem da vida da Câmara.

Diretor legislativo, Luiz Afonso de Melo Peres, relata que, a partir da redemocratização, na década de 1980, a Câmara vem experimentando um crescente desejo de participação da comunidade, que acorre ao plenário, especialmente, em dias de votação importante.

Ele ressalta também o aumento de participação nas reuniões das comissões permanentes, que, além de dar parecer sobre projetos, costumam debater assuntos de interesse da comunidade. Um exemplo, que lotou o plenário recentemente, foi a reunião conjunta das comissões de Educação e de Direitos Humanos para um debate sobre "manifestações político-partidárias em escolas privadas da cidade de Porto Alegre". Teve direito a discursos inflamados dos pais de estudantes e galerias lotadas.

Por falar nisso, participar das reuniões de comissões é uma das possibilidades de colocar suas ideias aos "representantes do povo". São seis comissões, ao total.

Reuniões de comissões

Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), terças-feiras, às 10h
Comissão de Economia, Finanças, Orçamento e do Mercosul (CEFOR), terças-feiras, às 10h
Comissão de Urbanização, Transportes e Habitação (CUTHAB), terças-feiras, às 10h
Comissão de Educação, Cultura, Esporte e Juventude (CECE), terças-feiras, às 14h30min
Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana (Cedecondh), terças-feiras, às 14h30min
Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosmam), terças-feiras, às 10h

Sessões da Câmara

Segundas e quartas-feiras, às 14h (com votação)
Quintas-feiras, às 14h (sessões sem votações, podendo ser destinadas para tratar de tema específico)

Endereço: Avenida Loureiro da Silva, 255.
Pela TV: No canal digital 61.4, em sinal aberto.

Como funcionam cinco das ferramentas:

Orçamento Participativo

O processo começa pelas 17 assembleias regionais e seis temáticas, entre julho e agosto, nas quais são escolhidos os temas prioritários de investimento para cada comunidade e os representantes (conselheiros e delegados). Também é uma oportunidade de contato direto com secretários e até com o próprio prefeito.

Nessas assembleias, as pessoas têm direito a voto — a cada 10 presentes, é eleito um delegado. Após, os representantes escolhidos passam a se reunir em fóruns para elencar, dentro dos temas prioritários, quais as demandas mais importantes daquela comunidade. O bairro precisa de uma nova creche? Ou precisa trocar o telhado do ginásio? Ou então reformar a escola?

A lista é entregue à prefeitura, por meio dos Centros de Relações Institucionais e Participativas (CRIPs), até fevereiro.

Confira a região e o telefone de cada centro neste link.

Projeto de iniciativa popular

A criação de projetos de lei por cidadãos está prevista na Lei Orgânica, mas é uma possibilidade pouco conhecida. Nos 39 anos em que trabalha na Casa, o diretor legislativo Luiz Afonso de Melo Peres não viu nenhum, de fato, tramitar.

Ele acredita que isso se deve pela dificuldade de alcançar o apoio necessário — para que tenha validade, esse tipo de projeto precisa da assinatura de 5% do eleitorado da Capital, o que corresponde a cerca de 55 mil pessoas. Quando se trata de interesse específico no âmbito de bairro, a iniciativa popular poderá ser tomada por 5% dos eleitores que residem ali.

As assinaturas têm de ser colhidas à mão (a Câmara ainda não tem uma plataforma online para isso), e a Diretoria Legislativa pode assessorar o cidadão que já tem um projeto a colocá-lo no formato exigido para tramitação na casa — o telefone é (51) 3220-4192.

Na prática, acaba sendo mais fácil convencer um vereador ou alguma das comissões do Legislativo a comprar a ideia e apresentar o projeto.

Tribuna popular

Aquela mesma tribuna onde os vereadores fazem seus discursos acalorados pertence também a não políticos duas vezes por semana. O nome desse espaço é Tribuna Popular: ocorre no começo das sessões de segunda e quinta-feira, por volta das 14h. Mas, nessa alternativa, o cidadão precisa estar representando uma entidade.

É que apenas presidentes de entidades podem requerer o uso da Tribuna Popular — podem, porém, indicar outra pessoa para falar. A fala de apenas uma pessoa por dia é permitida, e chega a ter fila para usar o espaço. Então, é indicado fazer a solicitação com cerca de 15 dias de antecedência.

O pedido é feito pelo site da Câmara e requer apresentação de uma cópia simples da ata de eleição da última diretoria da entidade. Os interessados devem pegar, neste link, o formulário da Tribuna. Depois, há duas opções: juntar os documentos, digitalizar tudo e encaminhar por meio deste link ou protocolar diretamente na Câmara.

Audiências públicas

Ouvir a opinião do cidadão é o objetivo das audiências públicas. Nelas, a Câmara ou a prefeitura colocam um tema em debate para reunir os mais diversos posicionamentos.

As audiências são realizadas normalmente na sede do Legislativo, mas também podem acontecer em CTG, salão paroquial, ginásio de esportes — as de segurança, no primeiro semestre, aconteceram pelos bairros da cidade. Podem discutir temas gerais ou algum projeto específico. Alguns exemplos são as audiências sobre projetos do IPTU e de mudanças para táxis na Capital.

No momento em que o presidente a declara aberta a audiência, são permitidas as inscrições de fala. São relacionados os 10 primeiros nomes e fecha-se a lista. Essas pessoas assumem a tribuna e têm cinco minutos para se posicionar sobre o tema. As falas são juntadas aos autos do processo do projeto de lei, para que todos os vereadores possam ter acesso.

Não há audiências marcadas pela Câmara para os próximos dias — mas é possível acompanhar a programação neste link.

Abaixo-Assinado

O abaixo-assinado é um instrumento de pressão que uma parcela numerosa da coletividade usa para fazer com que sua pauta tenha trânsito no poder público, seja no Executivo, no Legislativo ou no Judiciário, segundo Paulo Roberto Cardoso Moreira de Oliveira, presidente da Comissão Especial de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil no Estado (OAB/RS).

Existe uma pauta específica que requer a realização de um abaixo-assinado na Capital: para a denominação de um logradouro que não está oficialmente cadastrado. Fora isso, segundo Luiz Afonso, esse recurso acaba servindo para mostrar às autoridades que uma parcela da população tem uma opinião sobre determinado assunto. Se é sobre um projeto de lei em tramitação, o documento é juntado aos autos do processo para que os vereadores tenham acesso a ele.

Não existe uma fórmula única para abaixo-assinados, mas levam, normalmente, o nome, o endereço e a assinatura do cidadãos.