Como fiscalizar a prefeitura e os vereadores

Do Executivo e do Legislativo, sai boa parte das decisões que impactam na vida dos cidadãos. Nesses poderes, também estão os caminhos para que as pessoas possam ajudar a melhorar a cidade

A longo desta reportagem, serão mostradas cinco formas que nem sempre são as mais óbvias para cobrar nossos representantes

REPORTAGEM

Caue Fonseca

EDIÇÃO

Eduardo Rosa
Rodrigo Müzell

DESIGN | ILUSTRAÇÃO

Edu Oliveira

PROGRAMAÇÃO

Hermes Wiederkehr

Especialistas em transparência no poder público apontam 2012 como um ano decisivo para que os cidadãos possam fiscalizar com eficiência prefeito, vereadores e quaisquer outros políticos que um dia nos pediram votos para vencer uma eleição. É o ano em que entrou em vigor a Lei de Acesso à Informação. Falaremos dela mais à frente, mas há uma lei muito anterior a essa (de 1687, para ser preciso) que, embora nunca tenha passado por uma câmara, é bem importante para entender o assunto: a primeira Lei de Newton.

Se você não está lembrado das aulas de física, se trata daquele princípio da mecânica que nos diz que "a tendência de um corpo é permanecer como ele está". E o que tem isso a ver com fiscalizar os políticos que comandam nossa cidade? Responde um político que, além de ex-prefeito de Porto Alegre, foi vereador da cidade por mais de quatro décadas.

— O Paço Municipal e a Câmara de Vereadores estão lá de portas abertas. Em 10 mandatos de vereança, conheci raríssimos vereadores que trabalham de gabinete fechado, que se recusam a receber um eleitor. Mas, se ninguém entrar lá para falar com eles, eles vão continuar fazendo tudo da forma como sempre fazem, cada um com as suas prioridades. Cabe ao eleitor se mexer e cobrar do político a solução de um problema — declara Dib, memória viva da Câmara Municipal aos 89 anos.

Ou seja, é preciso sair da inércia. E, se por algum momento você achar que melhorar a cidade não é seu problema, mas daqueles que você elegeu em 2016, a própria origem da palavra "vereador" mostra que não é bem assim. Vereador vem de "verea", que significa caminhos, estradas. Vereador, portanto, é aquele encarregado de desbravar e facilitar os caminhos do poder público. Percorrê-los, no entanto, cabe também a você. E, para isso, o objetivo desta reportagem é mostrar cinco formas que nem sempre são as mais óbvias para cobrar nossos representantes na esfera municipal.

Por exemplo: que tal eleger um vereador depois da eleição?

Escolha de novo depois de votar

Todo ano eleitoral, uma mesma notícia circula pelos veículos de comunicação. Em janeiro deste ano, por exemplo, a empresa de pesquisas Idea Big Data divulgou que 79% dos eleitores pesquisados esqueceram em quem votaram para o Congresso em 2014 — e apenas 15% disseram que acompanham o desempenho dos parlamentares que ajudaram a eleger. Além dos desmemoriados, há também os que votaram em candidatos que não se elegeram e, portanto, não teriam quem acompanhar. Cabe a pergunta: por que não escolher de novo um representante no Legislativo após a eleição?

Tenha você esquecido ou não em quem votou para vereador em 2016, há 36 deles atuando na Câmara de Porto Alegre de todos os matizes ideológicos possíveis e envolvidos nas mais diversas causas. Escolha um deles, adicione-o em redes sociais. Se desejar, faça uma visita à Câmara. Enfim, faça de um parlamentar específico o seu interlocutor particular. Informações sobre ele como presença, gastos e posicionamento a respeito de cada projeto de lei são facilmente acompanhadas pelo site da Câmara na seção Sala do Cidadão.

— As pessoas acham que o vereador é meramente para fazer lei. Vereador é um faz-tudo, na realidade. Faz a fiscalização do Executivo, confere demandas de diferentes regiões. E tem que ser provocado pela população também. É muito importante que o cidadão venha até aqui cobrar o seu vereador. Do contrário, ele só vai ser cobrado pelas partes interessadas, e não por todos afetados por um problema — aconselha Omar Ferri Júnior, diretor-geral da Câmara da Capital.

Mas onde, exatamente, abordá-los com uma demanda?

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Descubra os atalhos

Ex-vereador e vice-prefeito na administração passada, Sebastião Melo tem duas máximas na ponta da língua quando o assunto é fiscalizar políticos, sobretudo na Câmara Municipal.

— Primeiro: político é como feijão. Funciona melhor sob pressão. Segundo: o plenário da Câmara é circo. O mapa da mina para ver um problema resolvido são as comissões. De longe, o espaço mais produtivo da Câmara.

Omar Ferri Júnior faz coro. Segundo o diretor-geral da Casa, é nas comissões em que os cidadãos encontrarão os vereadores mais preocupados e bem informados sobre questões específicas da cidade. Há seis delas, e se reúnem todas as terças-feiras com diferentes horários conforme o tema. Os integrantes, a agenda de encontros e os resumos das reuniões já realizadas estão todos publicados no site da Câmara.

No Executivo, o atual secretário interino da Transparência, Leonardo Busatto, aponta a necessidade de atender de uma única e eficiente forma os cidadãos que procuram a prefeitura com diferentes demandas como o principal desafio da pasta, criada no início do governo Nelson Marchezan:

— Enquanto o cidadão tem a prefeitura como a referência para tudo, Porto Alegre enxergava esse cidadão fatiado. A EPTC enxergava um motorista. O DMLU, um gerador de resíduos. O Demhab, o morador de uma residência. Além de um atendimento deficiente, quando cada setor trabalha de um jeito, fica mais difícil de fiscalizar. Tanto a população quanto o controle interno. O resultado disso são esses escândalos com os quais Porto Alegre nos brinda esporadicamente.

Mas enquanto a Câmara aconselha o olho no olho, a prefeitura trabalha para atender o cidadão como um consumidor. Mais ou menos como um cliente de um restaurante diante de um menu. Expliquemos.

Conheça as ferramentas

Atualmente, a prefeitura trabalha na migração do seu site para um novo (já no ar, mas ainda sem todas as funcionalidades, no endereço prefeitura.poa.br), que funciona na lógica de um menu de serviços por ícones e temas. Conforme o interesse do cidadão — a necessidade de poda de uma árvore com sinais de risco, por exemplo — ele chega a orientações de como solicitar o serviço (nessa caso, pelo telefone 156) e o prazo em que a demanda deve ser atendida (25 dias).

A lógica de orientar o cidadão por temas é também aplicada no Serviço de Informações ao Cidadão (eSIC), a ferramenta mais bem acabada de aplicação da Lei de Acesso à Informação no site prefeitura. O auditor de controle interno do município, Silvio Zago, apresenta orgulhoso as estatísticas da ferramenta: dos 257 pedidos de informação de cidadãos, apenas três estavam fora do prazo de resposta: de 20 dias, prorrogáveis por mais 10. O eSIC é aberto a qualquer cidadão que deseja uma informação pública.

— Atendemos muito órgãos de imprensa e pesquisas acadêmicas, mas é uma ferramenta aberta para qualquer um disposto a fazer um cadastro. Já respondemos, por exemplo, como foram aplicados os recursos vindos daquelas moedinhas doadas ao Hospital de Pronto-Socorro nos caixas de supermercado — exemplifica Silvio.

Secretário interino da pasta, Busatto ressalta que a fiscalização externa potencializa a interna:

— Se na escola municipal não tem professor de matemática e o pai faz um pedido de informação e descobre que há três deles contratados para aquela escola, nos soa um alerta de que algo está errado ali. Para médicos de postos de saúde, mesma lógica.

O desafio da pasta, agora, é aplicar uma ferramenta semelhante na ouvidoria do município, hoje acessível pelo telefone 156, que recebe reclamações sobre serviços não prestados caso o prazo previsto na carta de serviços seja descumprido.

Ao demonstrar como funciona o eSIC, um nome repetido na lista dos requerentes chama a atenção: "Observatório Social", o que nos leva a outro segredo da boa fiscalização, o engajamento.

Engaje a comunidade

Diretor do Observatório Social em Porto Alegre, Antônio Carlos de Castro Palácios brinca sobre a assiduidade da ONG na lista de solicitações à prefeitura por meio de Lei de Acesso à Informação:

— Temos mais demandas com eles do que gostaríamos.

O Observatório Social, presente em 130 municípios — 14 deles no Rio Grande do Sul —, é um exemplo das formas mais eficientes de fiscalização do poder público. Trata-se de uma equipe enxuta de voluntários engajados e organizados que atuam em uma área específica. Nesse caso, vistoriam com lupa licitações da prefeitura e da Câmara em busca de sobrepreço em relação aos valores de mercado ou de gastos reais em relação ao previsto nos contratos, com relatórios quadrimestrais. Em junho, um relatório da ONG causou rebuliço ao apontar irregularidades nas obras da nova orla, com variação de 4.000% de preço em alguns materiais previstos no contrato.

— Isso que fazemos em órgãos públicos, qualquer um pode fazer com respaldo da lei. Mas, claro, quando um cidadão age isoladamente, a chance de sucesso é mais remota. Dizer "não" para um é fácil. Dizer não para um grupo organizado é bem mais complicado. (O cidadão) pode, inclusive, se engajar em grupos já existes, como o nosso — avalia Palácios.

Para o diretor, engajar a comunidade em torno de uma causa específica é uma boa forma de transformar a indignação crescente com a política em uma atitude positiva.

— Até pouco tempo, estava aquela discussão sobre professores fazerem política em sala de aula. Cara, política não é pecado. Precisa é fazer a boa política. A que deixa claro que o cidadão é parte do poder público — opina.

Cobre ação, espere reação

Se começamos esta reportagem citando a primeira Lei de Newton, cabe terminar lembrando a terceira: "toda ação corresponde a uma reação de igual intensidade, mas no sentido oposto". E, se tratando de fiscalização, a reação do poder público à demanda por transparência nem sempre é positiva. Quem faz o alerta são duas integrantes da ONG Transparência Internacional, a cientista social mineira Ana Luiza Aranha e a administradora paulista Liana Morisco.

— Como o resultado do nosso voto é meio confuso, muitas vezes beneficiando um partido sem perceber, a gente não tem tanto essa cultura de reclamar. Mas outro problema é que, em muitos lugares, a cultura da gestão pública ainda é a da repressão. As pessoas têm medo de fiscalizar e cobrar serviços, pois têm medo de retaliação das autoridades — diz Liana.

Ela relata um episódio pessoal, quando teve a ideia de publicar vídeos no YouTube sobre o uso de ferramentas de controle social. Terminou, conta, respondendo a processos administrativos na prefeitura em que trabalhava.

— Também por isso, quanto menos individualista for a sua denúncia, melhor. Se você for cobrar um órgão público, ou um vereador, e puder fazer por meio de um entidade, de uma associação ou até do Ministério Público, a chance de haver represália é menor. Além disso, fica claro que é um problema da comunidade, não seu com esse ou aquele político — ensina Ana Luiza.

Por isso, uma das demandas da Transparência Internacional é para que a Lei de Acesso à Informação deixe de exigir a identificação do requerente. A ONG também trabalha na elaboração de uma lei de proteção a "denunciantes de boa fé".

— E uma coisa importante de citar em ano eleitoral: vale pesquisar, antes de votar, candidatos comprometidos com transparência e medidas anticorrupção. Para depois poder cobrar — avalia Liana.