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Mais oportunidades para empreender,
menos trabalho infantil.

Os novos 
 empreendedores 
 do campo

Muito além do fumo, o tabaco é a matéria prima responsável pelo sustento de muitas famílias do meio rural do Rio Grande do Sul. A vida entre as lavouras é o pano de fundo de gerações e mais gerações que se sucedem no comando das propriedades, aprendendo e evoluindo com o avanço da tecnologia e da economia e se transformando de produtores rurais para verdadeiros empreendedores do campo. Neste especial, contaremos histórias de pessoas que têm nas plantações o cenário não só do trabalho, mas das relações familiares e do crescimento individual.

À sombra da 
 figueira gigante

Vale Verde é um pequeno município do interior do Rio Grande do Sul, pouco conhecido até mesmo entre os gaúchos e com cerca de três mil habitantes. Distante 130 quilômetros de Porto Alegre, a cidade é vizinha de Santa Cruz do Sul, localidade de forte influência alemã e famosa pela comemoração da Oktoberfest. A região também é reconhecida como um polo da produção de tabaco, abrigando pequenos produtores da planta. O tamanho reduzido, aliás, é a característica que melhor descreve a propriedade de Fábio Luiz da Silva e dos pais Arceleu e Ivone da Silva.

No espaço de não mais de três hectares, no alto de uma encosta, os Silva cultivam o tabaco. São fileiras e mais fileiras das plantas de folhas largas nos pés de cerca de um metro e quarenta centímetros — o suficiente para baterem próximas ao peito de Fábio enquanto ele se movimenta por entre as passagens deixadas pela planta. O local da plantação é distante da habitação: cerca de um quilômetro e meio de um caminho de terra e algum resquício de vegetação rasteira.

Foi o bisavô de Fábio, avô de Ivone, que há mais de 40 anos mudou-se para a localidade. No começo, não havia lavoura, mas sim um terreno virgem. O que chamava a atenção, já à época, era uma árvore que crescia mais alta em meio a mata. A figueira gigante, como é conhecida hoje, mede cerca de 35 metros de altura, está lá há quase 200 anos e é um ponto turístico pouco explorado. A imponência da planta lhe rendeu outro apelido: princesinha do Vale — como contou Arceleu em entrevista ao Jornal do Almoço, onde a figueira já foi até pauta.

Além do tabaco, carro-chefe e maior fonte de renda da família, a localidade também abriga plantações de pêssego e uva, além de criações de galinhas e coelhos. A rotina é bastante mutável, garante Fábio. Os animais exigem a mesma dose de atenção e cuidados que as lavouras. Na hora da venda, enquanto o tabaco possui transporte gratuito até o ponto de compra pela empresa, as frutas precisam ser levadas pelo próprio produtor até as cooperativas que compram o produto.

— Por ser uma “terra alta”, semeamos o tabaco mais cedo. Neste ano, começamos o processo em 1° de abril e em 24 de maio já estava com tudo plantado. Agora já estamos com uma parte no processo de secagem que, em breve, vai ser vendida — contextualiza Fábio.

Perguntados sobre a importância do tabaco no sustento da casa, os Silva têm certeza que a representatividade é grande, ainda que não sejam capazes de estipular uma porcentagem. Na quarta geração que sobrevive da cultura, a família espera que a herança se estenda ainda mais: a esposa de Fábio, garante ele, anda ansiosa para garantir mais um herdeiro. A linhagem tende a seguir pelos mesmos caminhos e plantações. Tudo à sombra e com a bênção da figueira gigante.

Duas vidas 
 na lavoura

A relação entre pai e filho tem início no vínculo sanguíneo, mas pode se desenvolver muito além disso. A ideia da empresa ou propriedade que troca de mãos e passa de geração em geração, como que para estender o legado familiar, não é rara — e ainda mais comum no meio rural.

Beno Haas é um dos produtores de tabaco mais conhecidos e longevos do município de Venâncio Aires. Aos 83 anos, passou mais da metade da vida na propriedade de seis hectares que abriga cerca de 90 mil pés da planta. No entanto, já há alguns anos ele orgulha-se ao dizer que “deixou tudo nas mãos” do filho, Francisco Haas. Ainda que, na prática, se envolva quase que diariamente na lida da lavoura.

Juntos, Beno e Francisco podem ser considerados empresários do setor de tabaco. Além do terreno que acomoda a plantação citada acima e suas duas casas, também coordenam a produção de outras quatro propriedades que, somadas, contabilizam 20 hectares onde são plantados quase 300 mil pés do tabaco. Francisco explica que a rotina muda de acordo com a época do ano:

— A parte da semeadura é a mais tranquila, antes disso preparamos o solo, que dá um pouco mais de trabalho, mas nada comparado à colheita, que é o período mais pegado. Além das plantas, também nos preocupamos com a lenha que chega para curar o tabaco.

Quem bate à porta de alguma das casas, não imagina que a parte dos fundos tem como paisagem pés de tabaco a perder de vista, enfileirados em carreiras simétricas. A área também conta com plantações de aipim e tem espaço para criação de gado e a mão de obra, na propriedade onde vivem é feita pela família. A vida no campo permite alguns luxos, como a sesta da tarde nas horas mais quentes do dia.

Graças à tecnologia e a parceria com grandes empresas do ramo, bem como a segurança da modernização na produção, pai e filho sabem que o futuro tem tudo para “ser ainda melhor que o passado e o presente”.

Trabalho com jovens 
 cria raízes 
 no agronegócio

Após anos de combate ao trabalho infantil, o Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (SindiTabaco) percebeu uma lacuna entre a escola e a maioridade no meio rural. Muitos jovens acabavam por deixar o campo rumo às cidades, em busca de oportunidades. Neste cenário, nasceu o Instituto Crescer Legal, fundado por iniciativa do SindiTabaco e suas empresas associadas, em parceria com entidades ligadas à educação e ao agronegócio.

Desde que foi lançado, em 2015, o Instituto formou 204 jovens no curso “Empreendedorismo em Agricultura Polivalente – Gestão Rural” do Programa de Aprendizagem Profissional Rural. Em 2019, mais de 130 meninos e meninas entre 14 e 17 anos, de sete municípios gaúchos, foram contratados via Lei da Aprendizagem. Diferente do que acontece na cidade, ao invés de trabalharem na empresa contratante, se reúnem diariamente no contraturno escolar para falar sobre e vivenciar práticas de gestão rural e empreendedorismo. Sete novas turmas estão previstas para 2020 na região de Santa Cruz do Sul e no Sul do RS.

— A principal exigência para participar é estar estudando. Um dos principais benefícios que nos é relatado por colégios e professores é a melhora no rendimento dos estudos depois que o aluno passa a fazer parte do Instituto. A transformação pela qual esses jovens passam é gratificante, seja de se expressar melhor, aumentar o conhecimento ou gerar uma nova perspectiva de futuro. Futuro, aliás, que aparece mais próspero com esses jovens ficando no meio rural — orgulha-se Iro Schünke, presidente do SindiTabaco e do Instituto Crescer Legal.

Os encontros das turmas com os educadores sociais acontecem de segunda a sexta-feira, no turno oposto ao das aulas da escola. São realizadas oficinas baseadas em cinco pilares majoritários:

Propriedade (aulas sobre o funcionamento e valorização da propriedade rural)
Identidade (desenvolvimento do pertencimento ao meio)
Comunidade (importância do trabalho conjunto entre os setores locais)
Produção local (bases do trabalho na lavoura)
Jovem como protagonista/líder (desenvolvimento da habilidade de liderança)

As aulas são construídas a partir da ideia de criar um vínculo entre os estudantes e também deles com a região, valorizando o espaço onde vivem. Outro objetivo é gerar, com trabalho em equipe, um espírito empreendedor. No final, é criado um projeto com um produto de gestão para ser utilizado no dia a dia de lavouras ou criações. A aceitação, de acordo com a educadora social Graziele Pinton, é bastante positiva:

— O grande diferencial é possibilitar a eles reconhecer as possibilidades de futuro que eles possuem trabalhando no campo. Que existe uma vasta gama de posições e ocupações também para quem fica no interior. Quando começamos o ano, criamos um grupo no WhatsApp para falar sobre os conteúdos e compromissos do curso e, não raro, os grupos se mantém mesmo depois do fim das aulas, com trocas de experiências e brincadeiras — conta.

Guilherme Linhares da Silva tem 18 anos de idade e faz parte de uma família de produtores rurais. Natural de Passo do Sobrado, foi incentivado pelas professoras do colégio onde estuda a se inscrever no Instituto. Cursando o primeiro ano do ensino médio, tomou gosto pelos encontros no turno da tarde.

— O curso me ajudou a perder a vergonha, me comunicar melhor. Além disso, achei muito útil aprender sobre empreendedorismo e gestão financeira, principalmente. Hoje penso em trabalhar como um orientador para produtores rurais no futuro — relata Silva.

Natural de Candelária, Bárbara Giovanna da Rocha cursa o nono ano do ensino fundamental. Aos 17 anos de idade, fez parte da turma de jovens aprendizes do Instituto Crescer Legal em 2018. Filha de produtores de tabaco, já está no segundo ano de um curso técnico voltado para o agronegócio. Para ela, os principais pontos desenvolvidos foram a comunicação e a autoconfiança:

— Tanto nas aulas práticas, quanto nas exposições teóricas somos instigados a sair da zona de conforto. Aprendemos a nos adaptar e buscar a melhor forma de trabalhar em conjunto com os colegas. Acredito que por mais que o tempo passe, vou sempre me sentir parte do Crescer Legal.

Como projeto final, Bárbara e seu grupo desenvolveram um sistema automatizado para a criação de galinhas caipiras. A iniciativa vai ao encontro da ideia de valorização da propriedade e do empreendedorismo, auxiliando e modernizando a produção visando um futuro mais próspero e longevo para o meio em que vivem.

Fotos: Rodrigo Moraes

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