O Rastilho da
á cem anos, uma série de greves e motins em Petrogrado, capital do Império Russo, derrubava uma das mais sólidas autocracias da Europa, a dos Romanov. O mês de fevereiro de 1917 (março pelo atual calendário, que só seria adotado na Rússia no ano seguinte) marca um dos momentos culminantes da Revolução Russa, acontecimento que marcou a história até nossos dias. Em outubro (novembro), uma nova revolução levaria os bolcheviques ao poder. Acompanhe a seguir a marcha dos episódios que levaram a fevereiro.
H
TEXTOS
Luiz Antônio Araujo
DESIGN
Rafael Ocaña
O czar Alexandre III é morto num atentado a bomba promovido pela organização Narodnaya Volya (Vontade do Povo). O grupo prega uma república camponesa.
IMAGENS de REPRODUÇÃO
Nicolau Alexandrovich Romanov torna-se o czar Nicolau II da Rússia, horas depois da morte de seu pai, o czar Alexandre III. De origem sobretudo alemã e dinamarquesa, vem de uma família de cabeças coroadas: é primo do kaiser Guilherme II, da Alemanha, e do rei George V, do Reino Unido.
Fevereiro-março: greves de estudantes universitários
na Rússia
Fundação do Partido Operário Social-democrata Russo (POSDR), marxista.
O grupo divide-se imediatamente, por diferenças a respeito
de organização, entre bolcheviques (majoritários) e mencheviques (minoritários).
Fundação do Partido Socialista Revolucionário (SR), por ativistas e intelectuais influenciados pelas ideias da Narodnaya Volya.
Revista francesa noticia Guerra Russo-japonesa
Em fevereiro, o Japão ataca a frota russa em
Port Arthur e Chemulpo,
na Manchúria, dando início à Guerra Russo-japonesa.
Em 9 de janeiro, uma marcha liderada por um sacerdote em São Petersburgo é atacada por cossacos diante do Palácio de Inverno.
DOMINGO SANGRENTO
Em setembro, Rússia e Japão assinam a paz em Portsmouth, New Hampshire, EUA. A vitória do Japão altera o balanço de poder no Extremo Oriente e estimula a pressão por mudanças na Rússia.
No mês seguinte, é criado o soviete (conselho) de trabalhadores de São Petersburgo, que convocará greve geral. O premier Sergei Witte diz ao czar que há dois caminhos: ditadura ou concessões. Nicolau divulga o Manifesto de Outubro, no qual propõe direitos civis e parlamento eleito.
Depois de fracassar em atrair liberais para o governo, Witte renuncia. As autoridades tornam público o texto das Leis Fundamentais (constituição) e convocam a Duma (parlamento). Socialistas revolucionários e social-democratas boicotam a eleição.
A maior bancada é a dos liberais do Partido Constitucional Democrata (Kadete), que defende governo parlamentar e reformas. A Duma se autodissolve, e os kadetes partem para o exílio na Finlândia. Piotr Stolypin torna-se primeiro-ministro.
Na segunda Duma, instalada em 1907, os kadetes são superados em número pelos socialistas revolucionários e social-democratas. Como resultado, o novo parlamento é ainda mais radical do que o primeiro. O czar dissolve a Duma depois de quatro meses de legislatura. Uma terceira Duma, em novembro, tem maioria de conservadores.
Stolypin é assassinado na Ópera de Kiev.
Na esteira de uma crise entre Áustria-Hungria (aliada da Alemanha) e Sérvia (aliada da Rússia) após o assassinato do herdeiro do trono austro-húngaro Francisco Ferdinando, em Sarajevo, a Áustria-Hungria declara guerra à Sérvia, provocando a mobilização da Rússia. A Alemanha declara guerra à Rússia e, em seguida, à França. Com a invasão alemã da neutra Bélgica, o Reino Unido declara guerra à Alemanha. Ao longo de quatro anos, a I Guerra Mundial dizimará a Europa.
A Alemanha invade e ocupa a Polônia, então província do Império Russo. Nicolau autoriza a abertura da sessão da Duma em agosto.
No início dos debates,
a maioria constituída por conservadores e liberais
(o Bloco Progressista)
apresenta uma proposta de governo parlamentar. O czar dispensa a Duma e, contrariando a opinião de parte dos ministros, assume o comando do exército russo e parte para o front.
Apesar da precária situação da Rússia após a ocupação da Polônia pelos alemães, o exército lança uma ofensiva contra a Áustria-Hungria em junho.
alemães no front oriental, vale do vístula, atual polônia
rasputin
Com o czar no front, o governo fica nas mãos da czarina Alexandra, aconselhada pelo monge Rasputin, a quem vê como homem santo. A oposição na Duma acusa Alexandra e o primeiro-ministro, Boris Stürmer, de trair a Rússia em favor da Alemanha. Suspeitas de favorecimento à Alemanha pela família real terão um peso decisivo no estado de espírito que levará à queda da monarquia. Em dezembro, Rasputin é assassinado, numa tentativa de atingir a imperatriz.
Em janeiro, o presidente da Duma, Mikhail Rodzianko, é recebido em audiência pelo czar e aconselha-o a não obrigar o povo a “escolher entre o senhor e o bem do país”.
Em 23 de fevereiro (8 de março), um dia depois de uma nova partida do czar para o front, uma marcha por ocasião do Dia Internacional da Mulher exige pão. No dia seguinte, 200 mil
trabalhadores entram em greve e vão às ruas aos gritos de “Abaixo a monarquia” e “Abaixo a guerra”.
marcha das mulheres
Em 26 de fevereiro (11 de março), a violência explode pela primeira vez na Praça Znamenski. Soldados do Regimento de Guarda Pavlovski atiram contra a multidão. Trabalhadores seguem para o quartel do regimento e apelam aos soldados, que decidem não mais obedecer às ordens dos oficiais. Na manhã de 27 de fevereiro (12 de março), três regimentos estão amotinados e prédios oficiais são ocupados.
Em 28 de fevereiro (13 de março), o czar despacha forças para restabelecer a ordem e começa a retornar para a residência imperial
de Tsarskoe Selo, nas cercanias de Petrogrado,
mas fica detido em Pskov.
Na Duma, no dia 1º de março (14 de março), o Bloco Progressista e socialistas revolucionários moderados criam o Comitê Provisório para Restauração da Ordem na Capital. Esse órgão passa a ser o governo de fato da Rússia. No mesmo dia, instala-se o Soviete de Petrogrado, com 3 mil delegados de trabalhadores e soldados. Nos meses seguintes, a Duma tentará frear a revolução, e o Soviete estimulará seu avanço.
No dia 2 de março (15 de março), Nicolau abdica do trono.
É o fim da monarquia.
FEVEREIRO OU MARÇO?
No início de 1917, Rússia e outros países ainda adotavam o calendário juliano. Nesse sistema, o ano era 11 minutos mais longo do que o ano solar. O calendário gregoriano “pulou” 10 dias já de início. Por ter menos anos bissextos, a diferença foi se ampliando com o tempo.
CALENDÁRIO JULIANO
Criado pelo imperador romano Júlio César em 46 a.C. Foi adotado por todos os países cristãos.
46 a.C.
1582
1918
Bolcheviques implantam calendário gregoriano
CALENDÁRIO GREGORIANO
Criado pelo papa Gregório XIII em 1582. A convenção foi adotada pelos países de maioria católica, enquanto os ortodoxos (entre eles a Rússia) resistiram à mudança.
QUEM CHEFIOU A REVOLUÇÃO?
Embora precedidos por décadas de tensão política, os acontecimentos de fevereiro não obedeceram a um plano prévio e foram, em grande medida, espontâneos. A maioria dos partidos que se opunham à monarquia, da direita à esquerda, não contava com sua queda imediata. Uma vez iniciado o movimento, porém, todos alinharam-se à voz das ruas, pressionando pela abdicação do czar.
Parte delas estava representada no governo provisório encabeçado pelo príncipe Lvov.
Futuro chefe da Revolução de Outubro, Lênin estava exilado na Suíça e só chegaria ao país em abril.