INTELECTUAIS

SOB CERCO

O

tradicional Prêmio Ortega y Gasset, em sua 32ª edição, foi anunciado no último dia 16, uma quinta-feira, e homenageou um venezuelano. Aos 83 anos, o jornalista Teodoro Petkoff, homem de formação socialista e ex-guerrilheiro, foi surpreendido por ser o escolhido. E tal honraria tem uma peculiaridade: proprietário do jornal Tal Cual, Petkoff está proibido de deixar a Venezuela em razão do seu tom crítico ao governo.

Ao jornal espanhol El País, ele avisou: não pedirá ao presidente do Legislativo, o chavista Diosdado Cabello, permissão para ir a Madri a fim de receber o prêmio, cuja motivação é a trajetória jornalística do venezuelano, ícone da liberdade de expressão. A entrega será em 6 de maio.

Petkoff foi condenado em razão de supostas ofensas à honra de Cabello.

– Se eu for, estarei convalidando as restrições que o governo faz a minha liberdade de locomoção – disse ele.

E completou:

– Orgulho-me muito do prêmio. Mas não será entregue para mim, e sim para as pessoas que fazem comigo o jornal Tal Cual, há 15 anos.

Petkoff considera sua situação um exemplo do “cerco à imprensa”:

– Cabello acionou a direção do jornal. Houve um fato menor, que usa como pretexto. A frase contra a qual reage foi escrita por um colaborador , que disse que Cabello recomendou a quem não está satisfeito com a insegurança do país ir embora. Entrou com ação contra o colaborador, o editor e toda a direção. É uma censura que se soma a outras medidas, como o fechamento de meios de comunicação, pressões fiscais, multas, falta de papel para jornais e perseguições.

Homem de princípios fortes, Petkoff define o Tal Cual como um jornal que “luta pela democracia e pela decência, pela convivência civilizada”.

– A ação contra nós faz parte de um contexto de abusos de poder. Manipulam a Justiça, querem nos calar.

Não é só o Tal Cual que enfrenta restrições. A reportagem esteve na redação do El Nacional, o principal jornal caraquenho. Eram 18h, horário de fechamento da edição impressa: as mesas vazias davam o tom do drama.

A importação de papel, essencial para a circulação dos jornais, depende da aquisição de divisas e de autorização oficial. A autorização não é dada. Resultado: o El Nacional tem previsão de circulação, com o estoque atual, de dois ou três meses. Já cortou suplementos como o literário e o de viagem.

– É muito frustrante. Além da ameaça, as longas reportagens de antes não são mais possíveis – comenta o repórter especial Franz von Bergen.

Cerca de 30 jornais venezuelanos foram atingidos pela restrição do papel. Nas bancas, chama a atenção a ausência das edições do dia. Predominam revistas de entretenimento e alimentos fast-food. Nos últimos anos, 12 jornais tiveram de fechar as portas.

 

Nas emissoras de TV, programas do governo não tratam de utilidade pública, mas de loas ao regime. Exemplos: uma propaganda mostra ataque dos EUA ao Iraque seguida da frase “Não ao imperialismo” e da figura de Nicolás Maduro como o homem certo para enfrentá-lo. Maduro é definido como quem está, há dois anos, “fazendo pátria”. Os dizeres que vêm em seguida são: “Venezuela não é ameaça, nós somos esperança” (em espanhol e em inglês, pois se trata de referência ao presidente americano Barack Obama, que definiu o país como uma ameaça).

Em outra propaganda, é recomendado à população que gaste só o essencial, definindo o que é supérfluo. Em seguida, a figura de Maduro.

Para variar, aparece, em outra peça publicitária, a figura de Cabello, chavista como Maduro. Com uma clave sobre a bancada onde se senta para falar, aponta uma foto onde aparecem seis encapuzados e, em tom desqualificador, dá o perfil de cada um.

Não se apresentam propagandas de outras forças políticas. A presença oficial é permanente. Desfilam Maduro, Cabello, Chávez e o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), a sigla da situação. Os seguidores do PSVU são os “patriotas”. Quem pensa diferente é “apátrida”, como diz Maduro.

Em discurso pela TV, Maduro retomou defesa do modelo econômico chavista

Vida acadêmica sente a crise

A

Universidade Simón Bolívar perdeu 300 dos seus 1,2 mil professores. Sem incentivo, os profissionais partiram para países como a Colômbia.

– O governo cria universidades por decreto, sem criar ambiente acadêmico, com professores treinadores, biblioteca, hospital. Essas novas universidades consomem os recursos que iriam para as tradicionais. A educação se vê prejudicada – diz o reitor da Simon Bolívar, Enrique Panchart.

Além da impossibilidade de remunerar melhor os docentes, Panchart se queixa da falta de verba para pesquisas científicas. Define como perturbador que 13 mil médicos tenham deixado a Venezuela nos últimos anos.

A obstetra Gabriela Venta Díaz, 43 anos, é uma. Há um ano trabalha no bairro do Lami, em Porto Alegre.

– As pessoas pensam que somos cubanos. Saí da Venezuela porque a vida está muito difícil. Tenho dois irmãos economistas. Um vai para a Colômbia, e outro, para a Espanha – diz.

 
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