ÊXTASE E

PENÚRIA

A

Milagros Socorro

situação na Venezuela agravou-se de tal forma que muitos já trocaram a palavra “desabastecimento” por “escassez”, um grau abaixo na escalada da necessidade e da crise.

– As pessoas recebem em bolívares (moeda local) e compram produtos, quando existem, em dólares – diz a escritora e analista Milagros Socorro.

Milagros reporta-se aos auspiciosos anos iniciais do chavismo para dizer que, quando houve crescimento, com o petróleo (produto que representa entre 96% e 98% das divisas venezuelanas) em alta, a US$ 120, o crescimento foi “efêmero e oco”. Depois da morte de Chávez, em março de 2013, a inflação explodiu, o desabastecimento se disseminou e a insegurança se intensificou.

– Tenho uma teoria sobre isso. Mesmo pessoas que estão descontentes com o governo não querem admitir que erraram. Quando Chávez morreu, foi difícil reconhecer os erros, era como ser-lhe infiel. Ao dizer isso, estou entrando no plano emocional e afetivo. Nosso momento é complexo. Chávez apareceu como um messias, e agora as pessoas estão caindo na realidade, vendo que não existe isso de messias. E então as pessoas deixam de acreditar nas coisas, há um vazio. E aí aparece também a dificuldade de uma pessoa reconhecer em si suas próprias frustrações – afirma Milagros.

O tom do chavismo, conforme Milagros, dá-se internamente, na legislação que proíbe demissões (“Você não precisa trabalhar, porque Chávez te ajuda”), e externamente, quando o líder toma a frente para dizer que humilhará quem quer humilhar os venezuelanos – no caso, o dito “imperialismo”.

– Temos, na Venezuela, um emaranhado emocional, político e ideológico – diz Milagros.

No plano econômico, a escassez e a baixa no preço do petróleo põem a Venezuela em situação limite. Somam-se a isso os gastos de Maduro para compensar o carisma que Chávez tinha de sobra, mas não a ponto de repassar-lhe automaticamente como patrimônio político. Nesse contexto adverso dos últimos dois anos, o Estado foi controlando a produção para fazer o mesmo com o processo político.

– Hoje, a economia é muito mais dependente. É uma economia de portos, das importações. Temos uma boliburguesia (burguesia bolivariana), com empresários novos e militares. Essa dependência e o sistema produtivo sucateado levam a inflação, quando o recorte é somente focado nos alimentos, a já superar os três dígitos (mais de 100%) – diz Blanca Vera Azaf, analista de economia do jornal El Nacional.

Blanca conta que Maduro foi feito refém de homens que sustentam o chavismo e que frequentemente demonstram insatisfação. Há o “cartel dos 6,30” – referência à cotação do dólar a 6,30 bolívares.

– Tem gente que recebe dólares a preço preferencial. Chávez se mantinha acima dessas pessoas e as unia. Agora, os vários grupos que cercam o presidente exigem benefícios e fortunas. Há diferentes importadores, de arroz, peixes, vegetais, medicamentos. Maduro se vê pressionado especialmente neste período prévio às eleições legislativas – diz Blanca. – A chamada guerra econômica foi uma estratégia que funcionou parcialmente. O governo aparecia como protetor contra supostos gananciosos. Recentemente, o inimigo eram os EUA, depois a Espanha. Essa estratégia de arranjar um inimigo dá resultado por algum tempo, mas tem vida curta – sustenta Blanca.

A analista conta que até já chegaram navios com pedras empacotadas em vez de produtos. Seria uma corrupção com vista grossa de autoridades.

Com a dependência, a economia se fragiliza. Além de desabastecimento e inflação, o salário mínimo está em US$ 25,5, e a cesta básica, em US$ 113,2. O desemprego, conforme os dados oficiais, gira em torno dos 8%. Blanca, porém, pondera que o governo considera emprego uma hora de trabalho.

ECONOMIA

O salário mínimo está em US$25,5, e a cesta básica, em US$ 113,2.

Tanto Milagros quanto Blanca consideram que o governo joga com a possibilidade de o preço do petróleo subir, mesmo sem um indicativo.

Conforme o instituto Datanálisis, Maduro se ressente de não ter a popularidade de Chávez e, com isso, teria dificuldade de pedir à população que aceite medidas de ajuste econômico com custos no curto prazo, mesmo que resolvam o problema a longo prazo.

A situação se agrava ainda mais quando se percebe que o maior capital do chavismo, a redução da pobreza, perdeu fôlego. A Comissão da ONU para América Latina e Caribe (Cepal) diz que houve um aumento do percentual de venezuelanos que vivem abaixo da linha de pobreza de 25,1% em 2012 para 32,1% em 2014. Levantamento de três universidades (Andrés Bello, Central e Simón Bolívar) mostra que já chega a 48,4%.

E Blanca faz uma ressalva:

– Petróleo a US$ 120, como nos tempos de Chávez, era irreal, acima da média. Os atuais US$ 49 não são tão baixos. Entre 1994 e 1996, esteve a US$ 7.

 
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