ENTREVISTA

"Maduro é um Mickey Mouse

ao reverso"

O analista político Luis Vicente León, proprietário do instituto Datanálisis, tem a rara condição, na Venezuela, de ser ouvido por governistas e opositores. O Datanálisis, por sua vez, é o principal instituto local, comparável ao Datafolha ou ao Ibope no Brasil. Poucas horas antes de viajar para a reunião anual do FMI, em Washington, ele recebeu Zero Hora em sua casa. Leia trechos da entrevista:

LUIS

VICENTE

LEÓN

Passadas as eleições legislativas, haveria o referendo revogatório em abril de 2016 e a oposição conseguiria retirar o presidente do cargo?

 

Se fosse agora, o governo Maduro seria minoritário e poderia ser revogado, porque o presidente perdeu, nos últimos 12 meses, 30 pontos percentuais que, partindo de uma popularidade que tampouco era muito elevada (ele ganhou as eleições presidenciais por 1,5 ponto percentual), estamos falando de perder 30 pontos em 50 e poucos. Tinha entre 20% e 25% no início do ano. Isso não te permite ganhar eleição. Alguém poderia ter a tentação de dizer que é pedra cantada, que Maduro perderia o referendo porque não tem o aporte popular que tinha Hugo Chávez ou que teria ele mesmo no início do seu governo, e há uma crise econômica séria, que deteriora a conexão da população com o presidente. Não há mais a comoção que havia com a morte de Chávez em 2013. Mas não há esse referendo agora. E, caso ocorra o referendo ou a eleição parlamentar (prevista para o segundo semestre), a dinâmica política muda, e não é correto fazer projeção. As campanhas têm impacto importante nas conexões da população. Agora houve as sanções impostas pelo presidente Obama a autoridades venezuelanas, e a campanha que Maduro organiza para aproveitar-se dessas sanções o fez subir entre seis e sete pontos percentuais. Já não está entre 20% e 25% de popularidade, mas entre 25% e 30%. Segue sendo minoria, mas rompeu uma tendência, e não sabemos para onde ela caminha. Os níveis de conexão são voláteis. Também se sabe que a campanha ocorre com grande desvantagem para a oposição. A oposição pode ser a força mais importante como conceito agregado, das pessoas que se opõem ao governo. Mas essas pessoas não necessariamente apoiam os partidos de oposição. A conexão entre o povo e os partidos e líderes opositores é baixa.

A oposição não aproveitaria a queda na popularidade de Maduro?

 

As pessoas podem confundir, pensando que a queda de Maduro significa a subida de um líder, uma força política opositora em concreto, e isso não necessariamente ocorre. Poderemos ter Maduro caindo e nenhum líder ou partido opositor subindo.

 

A tradição da oposição sempre foi de fragmentação. Ainda é assim?

 

Sempre foi fracionada. Em algumas eleições, uniu-se. Mas são forças que se colam com chiclete. Uniu estratégias de unificação para enfrentar o chavismo, estratégia que também fracassou em algumas oportunidades.

Em 2013, quando Maduro derrotou Henrique Capriles por escassa margem, não foi obtida uma união?

 

Sim, claro, porque, tanto em abril de 2013 quanto em outubro de 2012, quando Capriles enfrentou Chávez, ele vinha de uma eleição primária, e a eleição primária facilita que se tenha um acordo em relação a um candidato, que é escolhido e elimina os outros. Mas, nas eleições para as próximas eleições parlamentares, o governo terá primárias, e a oposição não consegue ter as suas. Apenas 30% das forças opositoras fazem primárias. Outros 70% não as fazem, fazem acordos.

Para León, oposição perdeu oportunidade ao não reconhecer eleição de 2013

Capriles não seria um candidato natural? A oposição considera que teria ganho, não fossem fraudes.

 

Capriles seria um grande líder ao redor do seu triunfo nas últimas eleições presidenciais. E tu me perguntas: por que triunfo, se ele não saiu presidente? Porque ele foi o candidato que conseguiu mais votos frente a Chávez, que era um monstro em termos políticos e o derrotara apenas por 10 pontos percentuais (em 2012). Essa foi uma conquista gigantesca. Depois, consegue enfrentar o homem escolhido por Chávez (Maduro) e divide o país em duas partes iguais. Esse é um triunfo brutal, que havia gerado emoções na população e gerado conexões com a população independente. Ele era um estupendo candidato e líder claro da oposição. Mas cometeu um erro: quando consegue esse triunfo de partir o país em dois, não reconhece o triunfo de Maduro, diz que foi o vencedor e converte o triunfo opositor, dividindo o país em dois e abrindo perspectivas de futuro, em derrota.

Por quê?

 

Porque, se tu dizes a teus seguidores que ganhaste, o que eles esperam de ti? Que os defendas. Se tu perdes por um ponto, és um triunfante, que praticamente ganha e que aglutina a oposição frente à força governista. Mas, se o outro fez uma trapaça, o que esperam de ti? A defesa de teus direitos. Só que a oposição ficou fracionada entre os que pensam não ser possível se defender de um governo como o de Maduro e os que sentem que deves defender o êxito eleitoral. E aí fica um vazio, onde entra Leopoldo López, com seu discurso radical, e monta na ideia de que Capriles não havia defendido a vitória, não havia lutado pela oposição. Meses depois, Maduro ganha por 11 pontos percentuais as eleições locais. E não houve acusações de fraude. Maduro, no mesmo ano das eleições presidenciais, ganhou sem contestações, estimulado pela venda de eletrodomésticos a preço baixo, mostrando o setor privado como o autor de um complô contra o povo. Mas Leopoldo López insistia em que a oposição era maioria, porque o que lhe interessava era tomar a liderança homogênea de Capriles. López convoca a luta pela saída de Maduro. Aproveita o vazio deixado por Capriles. É preso e se martiriza. Fratura a oposição.

Maduro cresceu ao se enfrentar com os EUA. É sua estratégia?

 

A popularidade de um líder é multifatorial. Há coisas positivas e negativas que influenciam com maior ou menor importância. As sanções dos EUA afetam um país latino-americano e provocam descontentamento que une o chavismo e permite ao presidente uma propaganda institucional forte. Só não sei até quando pode durar.

Obama ajudou Maduro?

 

Sim, mas jamais agiu pensando na política interna venezuelana.

A aproximação entre EUA e Cuba isola a Venezuela?

 

Maduro posa de enfant terrible mundial, é Mickey Mouse ao reverso. Isso permitiu aos Castro 50 anos de poder. Se tu quisesses te mostrar amigo dos EUA, tiravas foto com o Mickey. Para mostrar que te reunias com quem bem entendesses, saías ao lado de Chávez. Lula aparecia ao lado de Chávez. Tu crês que Lula gostava do governo de Chávez? Não. Crês que Lula não sabia que Chávez e Maduro violentam a democracia e que seriam impensáveis no Brasil? Não. Mas Lula tinha relações com os EUA e se mostrava independente ao aparecer com Chávez.

 
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