Uma semana com

AGENDA EXTERNA

M

esmo com imensas discrepâncias, sem as conquistas na saúde e na educação como cartão de visitas e distante do contexto da Guerra Fria, a Venezuela tenta ocupar o espaço que vai sendo deixado por Cuba. Abrindo-se ao mundo e reatando relações com os Estados Unidos, a ilha socialista permite esse tipo de credenciamento por parte de outro país que queira ser o novo contraponto latino-americano ao capitalismo e ao Ocidente.

Há incertezas quanto ao real significado do rótulo “socialismo do século 21”, que o presidente Hugo Chávez (2 de fevereiro de 1999/5 de março de 2013, quando morreu vítima de câncer) adotou e que seu sucessor, Nicolás Maduro, alardeia seguir fielmente. A Venezuela, porém, vê seus índices socioeconômicos, que seriam a principal bandeira de um governo socialista, naufragarem principalmente quando se constatam o nível de pobreza próximo dos 50% da população e a facilidade com que um estrangeiro gasta, em Caracas, seus dólares fortíssimos valendo 200 bolívares. De acordo com Alexander Guerrero, da empresa de análises econômicas TecnoEconómica, no último semestre, a escassez deu um salto bastante pronunciado: passou de 30% a 52%.

– As pessoas têm chegado aos supermercados e não têm encontrado metade dos produtos de que precisam. Ficam andando de supermercado em supermercado, é muito complicado, muito cruel. Há momentos em que os 16 produtos da cesta básica desaparecem, falta tudo e depois alguns voltam – diz ele.

– Nossos salários não compram o suficiente, e tenho três filhos para sustentar. Isso não é brincadeira. Tem dias em que fico correndo de um lugar para outro, procurando produtos essenciais – diz o mecânico Felipe Villasmil, que saía de um mercado no bairro de Los Palos Grandes com uma sacola vazia e o rosto tenso.

– E essa escassez não obedece a classes sociais, atinge a todos. Abala a população em sua totalidade – sublinha o presidente da Aliança Nacional de Usuários e Consumidores (Anauco), Roberto León Parilli.

Casas crescem às margens do esgoto

É

intensa, portanto, a crise socioeconômica. Com dificuldades internas, o governo de Nicolás Maduro desvia o discurso para a esfera internacional, posando de contraponto ao Ocidente. Na quarta-feira, o governo da Espanha convocou para consultas o embaixador do país na Venezuela, depois de definir como “intoleráveis” as declarações do presidente Nicolás Maduro, que acusou o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, de apoiar uma “conspiração” internacional. O chanceler espanhol, José Manuel García-Margallo, afirmou, em entrevista coletiva, que os termos de Maduro foram ofensivos à honra do premier.

As acusações contra o governo espanhol se dão dias após Maduro se queixar reiteradamente do chamado “imperialismo” americano, alegando que os EUA impuseram sanções a autoridades venezuelanas em razão de medidas como a permissão para o uso de armas de fogo na repressão a manifestações públicas. O presidente americano, Barack Obama, definiu a Venezuela como “um perigo”. Em seguida, Maduro aprovou, no Legislativo chavista, a “lei habilitante”, que lhe permite, até o último dia de 2015, governar por decretos em temas de segurança nacional.

Para tentar sair do sufoco interno e se cacifar como contraponto ao Ocidente, a Venezuela pediu e recebeu da China empréstimo de US$ 5 bilhões. O financiamento é parte de um pacote negociado entre os dois países, que envolve a remessa de petróleo venezuelano aos chineses, tentando manter nível aceitável de divisas.

Em janeiro, durante visita a Pequim, Maduro assegurou ter mais de US$ 20 bilhões em investimentos com a China. O presidente não disse se o financiamento anunciado no domingo faz parte dos valores negociados durante sua visita a Pequim. Nos últimos anos, a China concedeu US$ 42 bilhões para Caracas em empréstimos a longo prazo.

O Bank of America estima que a Venezuela perca US$ 13 bilhões ao ano com fuga de capitais. O presidente em particular e o chavismo em geral falam, porém, de uma “guerra econômica” promovida internamente, que consistiria no boicote promovido por empresários opositores. A estratégia se daria pela acumulação especulativa de produtos, que provocaria o desabastecimento prejudicial ao governo e ainda forçaria o aumento dos preços. Esse é um dos inimigos alardeados em comerciais de TV seguidos do slogan “Maduro, fazendo pátria”. Outra frente de confrontos perpassa fronteiras: os escolhidos do momento são os EUA, como de costume, e a Espanha.

 
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