Sonhos reafirmados

Nem todas as peças do tabuleiro foram derrubadas pela crise econômica do Brasil. No interior do Estado, ZH reencontrou, pouco mais de um ano depois, personagens da reportagem Os Novos Imigrantes, publicada em agosto de 2014. Ao menos três deles conquistaram melhoras em suas vidas. São pessoas que venceram, mesmo com todos os prognósticos apontando o contrário, superando dificuldades como a redução do emprego, o dólar alto, a distância da família, o preconceito e a desconfiança.

 

Babu Gai

Natural da Gâmbia, pequeno país encravado no Senegal, Babu Gai já era famoso em Erechim em 2014, quando foi encontrado pela reportagem de ZH. Em um ano, muita coisa mudou. Para melhor. A clientela cresceu, a alfaiataria de Babu é cada vez mais procurada para a confecção de vestidos de casamento e formatura. Também costura os trajes dos corais de Erechim e região. Em ascensão, o africano ampliou o seu estabelecimento, consolidado como ponto de encontro entre imigrantes e brasileiros.

O dinheiro se multiplicou e, além da reforma, conseguiu comprar um carro. A vida avançou no campo pessoal. Babu casou-se com uma senegalesa, com certo grau de parentesco, o que é comum em sua tradição. O matrimônio foi feito à distância: Babu no Brasil e a mulher, no Senegal. Mas, até o final do ano, ela deverá estar em Erechim.

Vaidoso, carismático e bem vestido, o alfaiate conta que teve alguns relacionamentos com brasileiras, mas não deu certo. As culturas se chocaram e o africano, muçulmano, não encontrou as características que idealiza em uma mulher. Por isso, o seu futuro será com uma pessoa de origem semelhante.

De opiniões fundamentadas, com a capacidade de discorrer longamente sobre os assuntos, Babu fica com o semblante mais sério ao falar sobre a situação dos imigrantes no Brasil. Está preocupado com a escalada de xenofobia. Lembra frequentemente do caso do frentista haitiano insultado em um posto de gasolina em Canoas.

– Os imigrantes brasileiros estão felizes no Exterior. Quantos vivem nos Estados Unidos? Por que não podemos nos sentir assim aqui no Brasil? – pergunta.

Em outro nível de adaptação à vida no Brasil, onde está há cinco anos, Babu é dos poucos imigrantes que participam da vida social da cidade em que mora. É procurado por diversos imigrantes que precisam de todo o tipo de ajuda, sobretudo para conseguir emprego. Recentemente, ajudou o senegalês Mustafa Dien a encontrar trabalho na limpeza de uma padaria.

Jean Daniel François

Depois de terminar o noviciado em Marau, o haitiano Jean Daniel François partiu para Caxias do Sul no final de 2014. Com estudo e moradia garantidos pela congregação dos freis capuchinhos, concentra-se exclusivamente nos planos de se tornar padre. Em outubro do ano passado, iniciou a preparação para o vestibular de Filosofia na Universidade de Caxias do Sul. Foi aprovado, mesmo sem a adaptação perfeita ao português.

– Fiz muita leitura. Isso ajudou a melhorar meu conhecimento da língua. Acompanho as aulas sem problemas – conta ele, já no segundo semestre do curso.

Jean Daniel se empolga ao lembrar que foi bem recebido em sala de aula. Os colegas o chamam para fazer trabalhos em grupo. Não tem reclamações. O haitiano planeja se graduar em dezembro de 2017. Na etapa seguinte, voltará ao Haiti para estudar teologia e, enfim, tornar-se padre. Irá exercer o sacerdócio no local em que a congregação determinar. Talvez fique no seu país, mas não descarta o retorno ao Brasil.

Por enquanto, na condição de frei, faz celebrações religiosas aos finais de semana na Igreja Santa Rita de Cássia, em Caxias do Sul. Aos sábados, participa de atividades recreativas e religiosas com grupos de jovens da comunidade carente. Jean Daniel se considera um sujeito feliz. Plenamente.

 

Jean Edrice Nelzy

Em meados de 2014, Jean Edrice Nelzy, também conhecido como Natan, tinha vergonha da casa em que vivia, em Lajeado. Era uma peça nos fundos de um casarão velho, com aspecto abandonado, rodeada por entulhos e em região alagadiça. A umidade era implacável. Agora, continua trabalhando como pedreiro em uma obra do Minha Casa Minha Vida, o salário não mudou, mas, com disciplina, conseguiu uma casa melhor.

Deixou de pagar R$ 250 pela moradia que lhe trazia vergonha e mudou para outra, com aluguel de R$ 450. A nova casa fica na mesma Rua Borges de Medeiros, mas tem dois quartos - a anterior tinha apenas um -, o que permite que receba visitas e até hospede imigrantes por alguns dias.

Quando conversou com a reportagem, Natan andava feliz porque, finalmente, depois de quatro anos, juntou o dinheiro, com a ajuda de um empréstimo, para comprar a passagem aérea ao Haiti. Iria visitar a família pela primeira vez. Às vésperas do embarque, estava ansioso para reencontrar a mãe, a quem diz amar muito por ter sido pai ao mesmo tempo. Também conheceria a segunda filha, de quatro anos, que sequer havia nascido quando deixou o Haiti para trás.