Estádios fantasmas

Na era das arenas multiuso, o futebol do Interior sobrevive em campos que nem sempre reúnem as melhores condições. Cidreira e Rio Grande são exemplos de municípios com estádios abandonados, enquanto Canoas e Cachoeirinha têm histórias diferentes – ambas marcadas pela esperança de reviver velhos dias de glória

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O Rio-Grandense foi campeão gaúcho. A Ulbra quase. O Cruzeiro quer ser. E há Cidreira, que, bem, Cidreira não tem um time de futebol profissional. Em comum, os três clubes e a cidade litorânea, em algum momento, tiveram um projeto ousado, um dia feliz, um sonho delirante e o fim de tudo.

Faz quase 80 anos que o Rio-Grandense foi campeão gaúcho. Daquele 1939 até hoje, o clube de Rio Grande, no sul do Estado, até teve alguns resultados expressivos, viveu histórias folclóricas, viu o surgimento de craques, mas nunca mais alcançou o topo. De 1985 em diante, quando trocou sua acanhada casa na área central da cidade por um estádio para mais de 10 mil pessoas em uma região mais afastada, encolheu até praticamente desaparecer. O Torquato Pontes, que chegou a ser chamado de Colosso do Trevo, não guarda mais nada do megalomaníaco apelido. Agoniza às margens da bifurcação das duas principais rodovias da região, a que liga o município ao balneário Cassino e a que leva a Pelotas.

É no outro lado do litoral, o Norte, que está o Sessinzão. Uma homenagem do ex-prefeito de Cidreira Elói Braz Sessim, cujos direitos políticos foram cassados, a seu pai, Antônio Braz Sessim.

Um oásis no meio das dunas de uma praia que nem tem futebol profissional foi erguido e recebeu alguns jogos do Gauchão. Pela última vez, há 10 anos. Na década passada, foi abandonado. Sua única utilização é para descarte de lixo.

Marcas do Abandono

O Sessinzão, em Cidreira, virou depósito de objetos

Os dois casos são extremos de uma triste realidade: os estádios se transformaram em elefantes brancos, seja pela falta de sentido de uma construção, como em Cidreira, ou a falta de dinheiro, como em Rio Grande. É justamente a escassez de recursos que impede a Ulbra de seguir usando seu complexo esportivo em Canoas. Centro de um projeto ousado, que misturava ciência e esporte, a universidade chegou à decisão do Gauchão de 2004 – só perdeu para o Inter. Militou em competições nacionais e recebeu até a decisão de um campeonato brasileiro sub-20 com os jovens Alexandre Pato e Luiz Adriano que, meses depois, levariam o mesmo Inter ao topo do mundo. Sem as verbas da instituição de ensino, não consegue receber as reformas que a lei exige para garantir segurança aos torcedores.

Torcedores que o Cruzeiro espera angariar em Cachoeirinha. Único clube gaúcho a empatar com o Real Madrid (ao menos até aqui), o time nascido e criado no prolongamento da Avenida Protásio Alves, em Porto Alegre, perambula pela Região Metropolitana em busca de uma nova identidade. Atualmente, manda seus jogos do Gauchão no Estádio Vieirão, em Gravataí. Mas sonha com sua Arena para 15 mil pessoas na vizinha Cachoeirinha. E treina nela. O estádio existe, mas está inacabado até hoje. O clube não consegue dar os últimos passos para a conclusão e faz de tudo para que sua futura casa não comece virando uma Ulbra e termine como o Colosso do Trevo ou o Sessinzão.

A seguir, GaúchaZH mostra um panorama de quatro estádios sem utilização no Rio Grande do Sul. Há outros pelo território gaúcho. Esses quatro foram escolhidos porque mostram como é difícil erguer, manter, adequar e conservar uma estrutura esportiva, que pode virar de espaço para locação a residência para mendigos.

Em Cidreira, um estádio e um lixão

Bem antes das empreiteiras e suas arenas de Copa do Mundo, quando lava-jato era só um local para limpar o carro, ergueu-se em meio às dunas de Cidreira, no Litoral Norte, o estádio Antônio Braz Sessim, o Sessinzão.

Batizado em homenagem ao pai feita pelo então prefeito Elói Braz Sessim, o estádio foi apontado como uma entre muitas obras superfaturadas à época na cidade, e já foi ressuscitado uma vez, ao final de 2006, 10 anos depois da inauguração. Abrigou jogos da dupla Gre-Nal em início de Gauchão e em meio ao veraneio. De volta à vida, foi renominado Estádio Municipal de Cidreira. Morreu de novo depois do Gauchão de 2007, quando nem Grêmio nem Inter se mostraram interessados em passar mais um verão jogando no local, e o nome Sessinzão foi eternizado como um exemplo do mau uso dos recursos públicos.

Das cabines de imprensa é possível avistar o mar. Hoje em dia, para subir os 19 degraus que levam até lá, é preciso superar muitos obstáculos. O Sessinzão, estádio inaugurado em 1996, com capacidade para 18 mil torcedores (número de habitantes que a cidade de Cidreira só atingiu agora), que recebeu em seus primeiros meses de vida o Grêmio campeão da Libertadores – e que, uma década depois, receberia o primeiro jogo do Inter após o título mundial –, transformou-se em escombros. O gramado foi tomado pelo inço. A cada passo rumo às cabines, um pedaço de lajota racha ou se desprende sob os pés de quem escala a arquibancada. Parte da ala leste já caiu.

O que restou

O cheiro de fumaça das fogueiras ao redor do Sessinzão se mistura ao dos animais  em decomposição – que alimentam os cães que habitam os escombros do estádio

Interditado pelo Ministério Público, devido ao risco que representa para quem se aproxime dos escombros, o estádio ganhou paredes de alvenaria nos locais onde ficavam os portões de acesso. Apenas três delas restam de pé. As demais foram destruídas para que o esqueleto da obra passasse a ser usado como dormitório para sem-tetos.

Nos vestiários que um dia receberam os ídolos gremistas e colorados, agora há colchões ilhados por fezes, paredes queimadas pelo fogo de quem faz do estádio a sua morada provisória. E destruição. Por todo lado. Dos antigos bares, salas, banheiros, chuveiros e casamatas, quase nada restou. Com exceção das duas goleiras, o Sessinzão foi pilhado. Tudo o que era possível ser roubado, carregado e depredado o foi. Apenas as torres de iluminação não foram saqueadas, elas caíram de podres, corroídas pela maresia e pela falta de manutenção.

– O pessoal dorme aqui, usa drogas à noite, e o estádio até serve para esconder roubos das casas dos veranistas. À noite, quando venta forte, isso aqui parece uma casa mal-assombrada – descreve Sérgio, catador de lixo que aparenta ter cerca de 50 anos, diz não ter sobrenome e que “chamar apenas de Sérgio já basta”.

Há muitos catadores vagando pelas cercanias do Sessinzão. Até porque a ala oeste do estádio se transformou em um lixão. De poltronas a colchões, de mesas a alimentos estragados, de restos do verão a carrinhos de supermercados, há uma variedade infinita de descartes – ou, assim como o Sessinzão, objetos que ninguém mais quer. É frequente ver fogueiras desses objetos ardendo sob o sol do Litoral – com o cheiro de fumaça se mesclando ao da decomposição de animais.

Mais de duas dezenas de cães habitam as entranhas do estádio. Esses improváveis “capitães de areia” parecem os zeladores do elefante branco de Cidreira. Transitam com autoridade pelos corredores abandonados e escuros. Curiosamente, nenhum deles aparenta a magreza esperada dos cuscos renegados. Uma explicação talvez seja o alimento que tiram do lixão. É fácil achar grandes ossos bovinos, ainda com restos de carne e de sangue coagulado presos às juntas. Antes que as moscas consumam a carcaça, a matilha toma conta.

– Os mercados da região desossam os animais e largam os restos ali. Todos sabem disso – conta o aposentado Leonardo Ferreira, 69 anos, que até pouco tempo atrás ainda sonhava com a recuperação do estádio e com a construção de um aeroporto que levaria turismo e progresso ao município, tornando Cidreira uma espécie de nova Xangri-Lá, com seus condomínios caros, conforme vislumbrava Elói Braz Sessim.

É difícil acreditar em promessas quando o tema é o Sessinzão. E o atual prefeito de Cidreira, Alex Contini (PP), sabe disso. Mas ele espera ter uma solução para o estádio – e para o lixão. Desde junho, Contini negocia com empresários ligados ao clube português Marítimo a reforma e cessão do estádio.

– Os emissários do Marítimo já estiveram três vezes aqui. Querem um estádio no Rio Grande do Sul, até pela ascendência portuguesa no Estado. A documentação do Sessinzão já está com os advogados do clube, que analisam a negociação – relata Contini, esclarecendo que não há dívida do município com a obra, mas que o Sessinzão responde por R$ 800 mil de um débito de Cidreira com a CEEE.

Conforme as conversações, o clube português se comprometeria a assumir a reforma do estádio, além de construir um centro de treinamentos onde hoje está o lixão, a fim de estabelecer ali suas categorias de base.

– Eles terão o direito de explorar o estádio e, em contrapartida, além da reforma, também terão uma cota de assistência social em suas equipes para as crianças da região – entusiasma-se o prefeito.

Mas há uma diferença de números: os portugueses estariam dispostos a investir R$ 1 milhão na reforma, mas a obra para reviver o Sessinzão giraria entre R$ 2 milhões e R$ 5 milhões.

– É um dinheiro que a prefeitura não tem de onde tirar, mas esperamos resolver tudo. Estamos dispostos a um acordo – afirma Contini.

O prefeito garante que o lixão deixará as redondezas do estádio nos próximos meses. Assegura já ter as licenças ambientais para limpá-lo, criando uma nova área de transbordo. Mas ainda não há prazo. Por enquanto, o cenário no entorno do Sessinzão é de total abandono.

obra que segue

O Esporte Clube Cruzeiro precisa correr contra o tempo: sem a manutenção  adequada, sua arena pode se deteriorar antes mesmo da inauguração

Em Cachoeirinha, um sonho arrastado

Fundado em 1913, o Esporte Clube Cruzeiro pretende ser um Lanús brasileiro: o time do bairro, o clube para qual todos em uma determinada região torcem. E nunca duvide de um cruzeirista – “Somos poucos, mas somos loucos”, eles costumam dizer.

A construção de uma arena em Cachoeirinha parecia mesmo loucura. Ao vender o terreno de seu tradicional estádio nos altos da Avenida Protásio Alves para uma empreiteira, e comprar um terreno na Região Metropolitana, o Cruzeiro pretendia dar um salto. Pretendia não: pretende. Ainda que a construção da arena esteja parada por falta de recursos, o ex-presidente e atual vice do clube, Dirceu Castro, aposta que, no máximo em 2020, o cruzeiro estreará em seu novo estádio.

– Já investimos R$ 12 milhões. Compramos a área, fizemos permutas e vamos explorar, no futuro, além da nossa arena, mais quatro hectares que adquirimos ao lado do estádio.

O Cruzeiro dará, sim, um salto nos próximos anos – promete Castro. Mas, para tanto, são necessários pelo menos mais R$ 5 milhões. Esse é o cálculo da direção para que a arena seja concluída. Questionado se o clube não teria dado “um passo maior do que a perna”, ao projetar uma arena para 16 mil torcedores, o dirigente responde sem deixar a bola cair:

– Em uma reunião do Conselho Deliberativo do clube, perguntei: “Vamos fazer um estádio para 5 mil pessoas e seguir a vida inteira desse tamanho? Ou vamos erguer uma arena multiuso para 16 mil e crescer?”. Esse estádio representará um novo rumo para o Cruzeiro. Queremos ser a terceira força do Rio Grande do Sul.

O estádio não tem um nome de propósito. O clube aposta na venda dos naming rights para fazer caixa. Entende que o nome comercial, se estabelecido sem o estádio ser batizado, tem mais chances de pegar. Cita como exemplo a Fonte Nova, que virou Itaipava Arena Fonte Nova, em Salvador (BA) – nome que não pegou.

Erguido em módulos, o estádio na Granja Esperança necessita de acabamentos. Paredes internas, malconstruídas, precisaram ser colocadas abaixo, o que atrasou o cronograma e obrigou o clube a novos cálculos e a replanejar parte da obra. Faltam os refletores, e a grama carece de tratamento. O Cruzeiro deseja que os treinos do time para o Gauchão sejam feitos em Cachoeirinha, ainda que a equipe siga mandando suas partidas em Gravataí, no estádio do Cerâmica.

– Queremos criar uma identidade com Cachoeirinha. Nosso sonho é ter 3 mil, 3,5 mil sócios em dia, todos da região. Não seremos mais 18 torcedores, como dizem – afirma Castro.

Mas o Cruzeiro precisa correr para a obra não se deteriorar, o que pode acontecer sem manutenção.

O dirigente aposta em parcerias – que, por enquanto, ficam apenas em promessas – ou, o que entende ser mais concreto, as categorias de base.

A parceria para mandar novatos para o Atlético-PR começará a render dividendos em breve, segundo Castro. Três cruzeiristas já atuam no clube paranaense. Um deles, Jaderson, 17 anos, poderá jogar no grupo principal do Atlético-PR em 2018.

– Assim que entrar dinheiro, por parcerias ou venda de jogadores, nosso estádio ficará pronto em um ano – diz. – Mas, para isso, tudo o que não pode ocorrer é sermos rebaixados no Gauchão. Permanecer na vitrine é fundamental para o nosso projeto.

Entre as parceiras buscadas, há até igrejas evangélicas envolvidas.

– Como estamos construindo uma arena multiuso, oferecemos às igrejas a possibilidade de locarem o estádio para celebrações, eventos e shows. Esse é um plano viável para uma cidade como Cachoeirinha. Mas não é o plano principal – afirma o presidente.

O sonho é ter a arena, com estacionamento, lojas espalhadas ao seu redor e o aluguel de parte dos mais de quatro hectares do terreno para um supermercado ou um minishopping.

– Com esse terreno, já temos um patrimônio de R$ 30 milhões. Nossa arena será concluída e inaugurada. Quem sabe não trazemos o Real Madrid para o jogo de abertura?

A referência de Castro é ao 0 a 0 entre o Cruzeiro de Waltão e o Real Madrid de Di Stéfano, durante a década de 1950, na pioneira excursão do clube gaúcho à Europa para uma série de amistosos.

O Cruzeiro sonha alto e parece estar instalado no lugar certo para isso: a Granja Esperança.

Em Rio Grande, o abandono é total

Uma expressão definia bem um dos principais clubes de futebol de Rio Grande, na zona sul do Estado: “O Rio-Grandense é como as hortênsias do Canalete. Ninguém cuida, mas elas sempre estão lá”.

Canalete, para quem não é familiarizado com a geografia do município, é um arroio que delimita a área central da cidade. É tipo o Dilúvio, na Avenida Ipiranga, em Porto Alegre – só que mais bonito. Sempre foi ponto de encontro de esportistas amadores, tomadores de chimarrão e quaisquer outras pessoas que tivessem algum momento de folga ao pôr do sol. E sua parte interna é ornamentada com hortênsias, que ninguém nunca plantou, molhou ou podou. Mas em toda primavera elas estão de volta.

O Rio-Grandense também era assim. De origem popular, nasceu, em 1909, para receber todos aqueles que não eram aceitos por Rio Grande e São Paulo-RG, as outras agremiações da cidade. Pela miscelânea, era um clube desorganizado. Para cada craque que produzia (Scala, Nico, Neca e, o mais importante deles, Chinesinho, um desbravador do futebol italiano), desperdiçava o dinheiro em decisões equivocadas. Sobrevivia a brigas internas e a aventureiros que sugaram o clube. Essa salvação vinha muitas vezes graças à família Pontes.

Dona de uma fábrica de pescados, era formada por torcedores apaixonados, que não mediram esforços para montar times, disputar campeonatos e corrigir erros. Sua influência era tão grande que Torquato Pontes, o patriarca, foi homenageado para batizar o acanhado mas muitas vezes lotado estádio localizado na Avenida Buarque de Macedo, na região central de Rio Grande.

Os estádios de Rio-Grandense e Rio Grande davam de fundos um para o outro. Mas, no meio dos anos 1980, foram vendidos para uma construtora. A promessa era boa: em troca da área, seriam disponibilizados terrenos no trevo das rodovias que ligam o município ao balneário Cassino (ERS-734) e à vizinha Pelotas (BR-392). Havia a certeza de que a zona se valorizaria e seria um novo centro da cidade. A rigor, não chega a 15 quilômetros a distância entre os antigos e os novos estádios.

A previsão até estava certa: o Trevo, nome popular do local que abriga bairros como Humaitá e Parque Marinha, é um novo centro de Rio Grande. O problema é que levou mais de 20 anos para tudo se cumprir. E nesses 20 anos, o Rio-Grandense “acabou”.

As aspas se explicam: oficialmente, o clube ainda existe. Tem presidente, conselho deliberativo e CNPJ e está filiado à Federação Gaúcha de Futebol (FGF). Só que não entra em campo há oito anos. Há 13 não disputa uma partida oficial. E não usa seu estádio desde o começo do século. É curioso: a última partida relevante foi do Rio Grande, em 19 de julho de 2000, data do centenário daquele que é o mais antigo clube de futebol do Brasil, que na ocasião enfrentou o Fluminense.

Desde então, o Estádio Torquato Pontes, apelidado de Colosso do Trevo, só se deteriorou. Tudo o que é possível ser furtado de um local abandonado o foi: portas, janelas, marcos, vasos sanitários, fiação, tubulação, luminárias. Só o que está concretado ainda resiste em meio ao mato e à sujeira. A situação só não é ainda pior porque um time amador, o Barcelona, fez um acordo de cortar a grama, pintar traves e fazer limpeza do campo em troca de ter uma sede para jogos no sábado à tarde. Um jogador desse pequeno time contou que uma vez, ao chegarem no estádio, depararam com um mendigo que alegou estar morando embaixo da arquibancada.

Vez por outra, o estádio foi utilizado pela prefeitura para receber rodadas do campeonato amador do município. Mas nem uma copa decente é possível fazer para vender cerveja, refri e água. O abandono acabou servindo para alguns jogadores dessa competição irem para lá treinar. Felipe Medeiros e Leandro Bartellt aproveitam que não há muros ou barreiras e vão para a casa do Rio-Grandense trocar passes, correr e aprimorar chutes.

– Aqui na região não tem muito campo livre, então aproveitamos o estádio para isso. É uma pena não ter mais jogo, um lugar tão grande e bonito. Espero que algum dia arrumem tudo para que a comunidade possa usar – diz Felipe.

Para arrumar tudo e devolver o local à comunidade – ou ao menos à torcida –, o presidente do Rio-Grandense, Adílson Marandini, estima que sejam necessários mais de R$ 500 mil. Atualmente, toda a renda que entra no clube vai diretamente para sanar as dívidas trabalhistas. Em seus cálculos, devem faltar cerca de R$ 200 mil nas quatro ações que ainda estão ajuizadas. O dinheiro vem do aluguel de uma parte do terreno do estádio para uma empresa de telecomunicações.

– Estamos trabalhando. É muito difícil. Queremos retornar com as categorias de base, recebemos algumas ofertas de parceria. Mas não queremos aventureiros, estamos filtrando tudo muito bem. Não podemos errar – comenta Marandini.

De fato, não é mais possível repetir as decisões equivocadas do passado. Foram tantas que até as hortênsias do Canalete sobreviveram, e o Rio-Grandense, não.

dias piores vieram

Há 13 anos, o Complexo Esportivo da Ulbra sediou a partida final do Gauchão. Hoje, precisa

de obras para se adequar às novas normas e poder voltar a receber jogos profissionais

Em Canoas, queda rápida após o auge

Em 2004, um time novato fez sucesso no Campeonato Gaúcho, eliminando o Grêmio e disputando a final contra o Inter. Sua campanha havia sido tão boa que a partida de volta do mata-mata decisivo foi jogada em sua casa.

Em 6 de junho de 2004, o Complexo Esportivo da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) recebeu 10 mil torcedores para assistir à virada colorada por 2 a 1 sobre a Ulbra. Alex Martins abriu o placar para os donos da casa, mas Edinho e Nilmar marcaram os gols do tricampeonato do Inter treinado por Lori Sandri.

O Sport Club Ulbra seguiu com bons times e incomodando os grandes no Gauchão. Mas as diversas crises pelas quais passou a instituição, a partir de 2009, fizeram com que a mantenedora da universidade passasse a investir exclusivamente no ensino – cortando o dinheiro que bancava o esporte. Assim, apenas o vôlei da Ulbra sobreviveu, devido a parcerias com a iniciativa privada. No futebol, o time foi desfeito e o clube se licenciou da Federação Gaúcha de Futebol. Com o encerramento das atividades profissionais, o Complexo Esportivo da Ulbra, estádio que sediou a final de 2004, também foi afetado. Ele ainda foi utilizado pelo Canoas, um clube formado por empresários, que disputou divisões inferiores até 2010.

Porém, a partir de então, o estádio passou a ser aberto apenas para sediar aulas do curso de Educação Física da Ulbra. Após a tragédia da boate Kiss, em Santa Maria, o rigor na fiscalização do Corpo de Bombeiros para a liberação do Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PPCI) aumentou. O Inter chegou a surgir como salvação, quando, em 2015, negociou assumir o estádio a fim de utilizá-lo para suas categorias de base. Mas optou por seguir alugando a Morada dos Quero-Queros, em Alvorada. E a Ulbra fechou os portões de seu estádio, pela falta de recursos para investir nas adequações exigidas pelo Ministério Público. O cálculo para cumprir as melhorias e estar de acordo com o PPCI é de, no mínimo, R$ 800 mil, com exigências que vão desde a instalação de hidrantes até barras antiesmagamento.

– Sem um parceiro que banque as reformas, não temos previsão de reabrir o estádio. A direção da Ulbra estabeleceu que todos os recursos serão destinados ao ensino. E, até agora, as parcerias propostas não foram nada boas para nós – diz Alexsandro Bauer, coordenador do Complexo Esportivo da Ulbra.

Com o estádio enxugado para 6,4 mil pessoas, devido à obrigatoriedade da instalação de cadeiras, o campo da Ulbra em nada lembra os tempos de Primeira Divisão. Ainda que haja manutenção mínima, o piso da pista atlética está avariado e parte do teto das cabines de imprensa caiu. Mas o gramado é constantemente aparado para receber os alunos da faculdade. Os vestiários, os alojamentos e as salas das comissões técnicas estão em completo desuso. Alexsandro Bauer chega a sugerir que a prefeitura de Canoas banque uma equipe de futebol feminino.

– Fomos procurados até pela Federação Gaúcha de Futebol para colocar o estádio em condições de receber jogos de competições sub-20. Mas, sem um parceiro que banque as melhorias, não sabemos quanto tempo vai demorar para reabrir o estádio. No momento, por mais que nos doa, por mais triste que seja, é mais fácil deixar fechado do que colocar o público em risco. É claro que uma edificação sem manutenção acaba se deteriorando – lamenta Bauer. – Me questionam: “Quando a Ulbra voltará?”. Não há resposta a essa pergunta.

TEXTO

Leandro Behs

leandro.behs@zerohora.com.br


Rafael Diverio

rafael.diverio@zerohora.com.br

IMAGENS

Fernando Gomes

fernando.gomes@zerohora.com.br

EDIÇÃO

Daniel Feix

daniel.feix@zerohora.com.br

DESIGN

Paola Gandolfo

paola.gandolfo@zerohora.com.br

Estádios fantasmas
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O que restou

O cheiro de fumaça das fogueiras ao redor do Sessinzão se mistura ao dos animais  em decomposição – que alimentam os cães que habitam os escombros do estádio