MARCELO PERRONE

 

A base sonora que mantém os Rolling Stones acelerando na estrada há mais de 50 anos foi concretada com a mistura de diferentes influências musicais.

Ao rústico skiffle que embalava os jovens britânicos nos anos 1950, Mick Jagger, Keith Richards e Brian Jones, trio que imprimiu a identidade da banda nos primeiros passos, adicionaram a música negra americana que cruzava o Atlântico em discos importados, raramente tocados nas rádios locais. O blues de mestres norte-americanos como Robert Johnson e Muddy Watters e o rock’n’roll eletrificado de pioneiros como Chuck Berry e Bo Diddley ajudaram a moldar o repertório seminal dos Stones, tanto nas releituras dos rapazes quanto nas composições próprias que Jagger e Richards começariam a apresentar após o primeiro show oficial da banda. Foi no palco do Marquee Club, em Londres, no dia 12 de julho de 1962, ainda sem o baixista Bill Wyman e o baterista Charlie Watts, posteriormente incorporados ao time.

Jagger e Richards descobriram ter essa devoção em comum um ano antes. Após terem perdido o contado de vizinhos na infância, eles se reencontraram anos depois na estação de trem de Dartford, cidade no subúrbio de Londres onde nasceram. Jagger carregava discos de alguns de seus ídolos, entre eles Rockin’ at the Hops, de Berry, e The Best of Muddy Waters. Berry era a fonte em que Richards bebia no seu aprendizado de guitarra. A faísca virou chama. Por sua vez, Brian Jones foi um dos primeiros músicos britânicos a incorporar a técnica blueseira do “bottleneck” (o deslizar de um objeto sólido pelo braço do violão ou da guitarra), elemento que, somado ao uso da harmônica, identificou os Stones com a matriz negra e lasciva do rhythm and blues.

Ao longo de sua trajetória, alargaram seu horizonte musical absorvendo gêneros como folk, country rock, soul, gospel e reggae, entre outros. Experimentaram da psicodelia ao flerte com a disco music. Já foram considerados velhos, datados, repetitivos e obsoletos. Entre experimentações e riscos com que se lançavam a cada novo disco, seguiram respondendo por que permaneciam relevantes. Percorrendo providenciais desvios de rotas e tensões pessoais, Jagger, Richards e seus parceiros jamais deixaram de manter azeitada a sólida engrenagem roqueira com a qual os jovens setentões seguem firmes e fortes até esta turnê comemorativa dos 50 anos, que desembarca no dia 2 de março em Porto Alegre.

Confira na página central uma síntese das influências que embalaram os Stones ao longo dos anos. Boa parte desses caminhos tomados está representada no repertório que os fãs cantarão no Beira-Rio.

 

Embora o crédito para o repertório próprio dos Stones fosse de Jagger e Richards, a contribuição do guitarrista Brian Jones foi fundamental para a evolução sonora que a banda apresentou até gravar seu quarto disco, Aftermath (1966), já mundialmente consagrada pelo sucesso de (I Can't Get No) Satisfaction, faixa lançada em 1965. Esse foi o primeiro disco com todas as faixas compostas pela dupla, e nele percebe-se uma nova leva de influências, que vão de Bob Dylan — tanto no som quanto na tentativa de escrever letras mais elaboradas — ao soul e ao rhythm and blues de artistas como Otis Redding e Sam Cooke. O álbum, que representa um ponto de maturidade musical dos Stones, destaca a versatilidade de Jones. Depois de se mostrar um talentoso pupilo no uso bottleneck consagrado pelos bluesmen americanos (técnica também conhecida como slide guitar), Jones incorporou nesse disco sua habilidade com diferentes instrumentos: do saltério medieval e o cravo usados em Lady Jane à marimba de Under My Thumb e Out of Time, além do bandolim (Mother's Little Helper). Jones, como George Harrison nos Beatles, também entusiasmou-se com o sitar indiano, exibindo-o em faixas como Paint It Black, single incluído na versão americana de Aftermath.

Os Stones atravessaram o furacão punk que classificou grupos como eles de velhos dinossauros, a onda disco e ingressaram na colorida e eletrônica era do pop oitentista. Jagger havia tomado as rédeas administrativas da banda no período em que Richards mergulhou pesado nas drogas. Para encarar os novos ventos musicais, eles mediram forças. Enquanto o vocalista queria imprimir uma sonoridade mais pop para colocar a banda nas rádios, o guitarrista não queira se afastar das raízes roqueiras. Essa queda de braço foi equilibrada em discos como o irregular Emotional Rescue (1980). Recebido com ressalvas por críticos e fãs, o álbum animou festas com faixas como She's so Cold. Foi um aquecimento para o estardalhaço que viria a ser provocado por Tattoo You (1981). Os Stones chegaram à fórmula para permanecer no topo equilibrando hits para as pistas com DNA de puro rock'n'roll, simbolizado pelo sucesso de Start me Up (curiosamente gestada em 1975 com uma levada de reggae), que chegou ao número 1 das paradas americanas e catapultou a banda para uma gigantesca turnê mundial, e por canções como Hang Fire. Timbres eletrônicos marcaram presença em Undercover (1983), disco que colocou os Stones em sintonia com o mercado musical regido pelos videoclipes da MTV, com as faixas Undercover of the Night e She Was Hot.

Durante as gravações de Let It Bleed (1969), começou o processo de expurgo de Brian Jones. Cada vez mais distante de Jagger e Richards, que tomaram a linha de frente da banda que ele chegou a liderar no início da carreira e sob o constante torpor das drogas e do álcool, o talentoso guitarrista pouco participou do disco. Entraram em cena nomes como o guitarrista americano Ry Cooder e o jovem prodígio inglês Mick Taylor, formado no mesmo John Mayall & the Bluesbreakers do qual saíram o "deus" Eric Clapton e Peter Green. Com a morte de Jones, em 3 de julho de 1969, Taylor foi efetivado na formação. O trabalho do guitarrista, discreto e extremamente técnico, assumindo os solos da banda ao vivo e nas gravações em estúdio, a partir de Sticky Fingers (1971), simboliza uma fase de grande excelência musical que os Stones, já sem a sombra dos Beatles, alcançaram em sua ascensão ao posto de maior banda de rock do mundo. Richards, por sua vez, aprofundava ainda mais à época seu interesse pelo country rock e pelo bluegrass, influenciado por Cooder e pelo amigo Gram Parsons (ex-The Byrds). Os Stones encorpavam seu som com o trabalho em estúdio do produtor Jimmy Miller e a participação de músicos como o saxofonista Bobby Keys e o tecladista Billy Preston. O disco seguinte, Exile on Main Street (1972), cristaliza o som dos Stones sob essa nova formação. Insatisfeito com a falta de crédito às suas contribuições musicais efetivas, Taylor deixou a banda em 1974, após gravar Goats Head Soup (1973) e It's Only Rock'n'Roll (1974)

Seguindo os passos dos Beatles e dos Beach Boys nas experimentações em estúdio, os Stones também deram uma guinada em direção à psicodelia com o disco Their Satanic Majesties Request (1967). Era um momento de grande turbulência na banda, com seus homens de frente sob constantes incursões no noticiário policial em razão do uso de drogas e, sobretudo, pelo fato de Richards ter "roubado" de Jones a modelo Anita Pallenberg. Também romperam com o empresário de primeira hora, Andrew Loog Oldham, o que os fez pela primeira vez produzir eles mesmos um disco sem tutela criativa. Embora Richards já tenha classificado o álbum como "uma porcaria", Their Satanic foi um sucesso de vendas puxado por faixas como She's a Raimbow, que teve arranjo de cordas assinado por John Paul Jones, futuro integrante do Led Zeppelin.

Em janeiro de 1968, o casal Mick Jagger e Marianne Faithfull desembarcou no Rio de Janeiro para passar férias e dar um tempo da tensão que cercava a banda na Inglaterra. A viagem incluiu uma passagem por Salvador, onde Jagger ficou muito entusiasmado com os sons dos atabaques e cânticos dos candomblé. Segundo o cantor, daí veio a inspiração para uma das mais icônicas faixas dos Stones, Sympathy for the Devil, gravada em Beggars Banquet (1968), com congas tocadas pelo percussionista Rocky Dijon. Em dezembro daquele mesmo ano, Jagger e Marianne voltaram ao Rio acompanhados por Richards e Anita Pallenberg. Os quatro depois foram se refugiar  em um sítio na cidade de Matão, interior de São Paulo. O clima campestre colaborou para a criação de outras duas canções: You Can't Always Get What You Want, incluída no disco Let It Bleed (1969), e a country Honky Tonk Women, lançada em 1969 como single.

Nos últimos 30 anos , os Stones apresentaram apenas seis discos de estúdio: Dirty Work (1986), Steel Wheels (1989), Voodoo Lounge (1994), Bridges to Babylon (1997) e A Bigger Bang (2005),  entre dezenas de registros ao vivo e compilações como GRRR! — lançada em 2012 para comemorar os 50 anos da banda com duas faixas inéditas: Doom and Gloom e One More Shot. São todos álbuns dignos, nos quais Jagger e Richard foram ajustando, em meio a seus trabalhos solo, as diferenças que quase levaram ao fim do grupo. A banda reaproximou-se de sua sonoridade característica trabalhando com produtores reconhecidos como Steve Lillywhite e Don Was. A entrada do ótimo baixista Darryl Jones, contratado pra substituir Bill Wyman, a partir de Voodoo Lounge, encorpou a cozinha e renovou seu vasto repertório de hits com Mixed Emotions, Rock and a Hard Place e Out of Control. As turnês mundiais que seguiram lotando estádios e quebrando recordes de arrecadação mostram que os Stones seguem em velocidade de cruzeiro rumo à eternidade.

Back in Blue (1976), disco que marcou a estreia do guitarrista Ron Wood (ex-Faces), simbolizou uma nova guinada no som dos Stones. O disco traz um eco tardio do impacto que o reggae e o ska jamaicanos provocaram na Inglaterra no começo dos anos 1970. Jagger e Richards  tornaram-se grandes entusiastas do gênero e escolheram gravar Goats Head Soup (1973) na Jamaica. O contato com a cultura e a música local mal foram percebidos em faixas como Luxury, de It's Only Rock 'n Roll (1974). A influência caribenha mostrou-se bem evidente em Back in Blue, em especial nas canções Cherry Oh e Hey Negrita. Apesar de Richards dizer que esse foi um disco "feito apenas para testar guitarristas", Wood garantiu seu emprego transitando por outros ritmos que os Stones abraçariam mais adiante. Hot Stuff, por exemplo, traz um esboço da pegada disco de Miss You, de Some Girls (1978). Memory Motel  e Fool to Cry mostram uma nova sonoridade para as baladas ao som dos telados elétricos. Tem ainda a digressão jazzy Melody e o rockão clássico Crazy Mama.

Em sua paixão comum pelo blues e pelo rock produzidos nos Estados Unidos a partir dos anos 1950, Mick Jagger, Keith Richards e Brian Jones tinham especial preferência pelos nomes referenciais do blues e pelos roqueiros negros que ficaram à sombra de ídolos brancos como Bill Haley e Elvis Presley quando o ritmo contagiou a juventude em todo o mundo. Come On, de Chuck Berry, foi a canção escolhida pelos Stones para o lado A de seu primeiro compacto, lançado em 7 de junho de 1963. No lado B, I Want to Be Loved, de Willie Dixon. No LP de estreia, a banda prestou tributo a Berry com a gravação de Carol — e fez uma cover do icônico registro deste para Route 66, um standard dos anos 1940. O disco traz ainda faixas de nomes como Dixon (I Just Want to Make Love to You), Jimmy Reed (Honest I Do), Bo Diddley (Mona — I Need You Baby) e Slim Harpo (I'm a King Bee). A reverência aos velhos mestres do blues era tamanha que os Stones fizeram questão de gravar no mítico estúdio Chess, de Chicago (EUA), em 1964, em sessões nas quais registraram faixas como Little Red Rooster, canção de Willie Dixon gravada em 1961 por Howlin' Wolf.