139

municípios

38%

da área do Matopiba

4,06

milhões de toneladas de grãos (12,4% do total colhido no RS em 2015)

1,2

milhões de hectares plantados (14,1% do total de grãos cultivados pelo RS nesta safra)

Balsas

Riqueza e miséria no espelho

Maior área plantada com soja contrasta com um dos municípios mais pobres do Tocantins

Em Campos Lindos, no nordeste do Tocantins, dois títulos antagônicos intrigam os visitantes de primeira viagem. O município, com pouco mais de 8 mil habitantes, tem a maior área plantada com soja no Estado (70 mil hectares) e ocupa a desconfortável penúltima posição no ranking estadual de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), com 0,544, o 228o pior do país. Para se ter uma ideia, no Rio Grande do Sul o índice mais baixo é 0,587, de Dom Feliciano.

Explicações para 84% da população ainda viver na pobreza, às margens da indigência, não faltam. Na opinião dos produtores rurais, a maioria sulistas com residências em cidades vizinhas, falta investimento do poder público em saúde, educação e geração de renda para o desenvolvimento. O prefeito Jessé Pires Caetano (PSD), por sua vez, atribui a pobreza à ausência de indústrias e de qualificação dos trabalhadores, além da pouca diversificação agrícola:

– Toda soja produzida aqui é exportada, mas a situação já foi bem pior. A agricultura nos trouxe esperança.

A situação “bem pior” à que Caetano se refere remonta há 15 anos, quando a soja ocupava 7 mil hectares, todos os casebres da cidade eram cobertos com palha, não havia um palmo sequer de calçamento nas ruas, e os moradores se movimentavam no lombo de jumentos. Hoje, o município tem, em média, duas motos por habitante, pequenos comércios e uma revenda de máquinas da John Deere. A concorrente Case IH já está com estrutura pronta para abrir.

A cidade não tem hospital, só um posto de saúde, e o ensino é apenas público. Os três pequenos hotéis e dois restaurantes têm como clientes vendedores e pesquisadores, que fazem viagens às lavouras do município – distante 490 quilômetros da capital, Palmas.

A falta de infraestrutura leva produtores rurais a morar em outras cidades. Primeiro agricultor a plantar soja em Campos Lindos, na safra 1992/1993, Ireneu Possamai, 55 anos, mora em Balsas (MA) – a 120 quilômetros, em estrada de chão batido. Com três filhos, ele conta que buscou uma cidade que tivesse educação e saúde melhores.

Com a mão de obra concentrada nas lavouras, poucos moradores de Campos Lindos se beneficiam da riqueza da soja. A principal barreira é a incapacidade de operar máquinas de alta tecnologia.

– Se essa população não for qualificada, seguirá marginalizada. Os nativos estão sendo encurralados por empreendedores – diz Omar Hennemann, de Humaitá (RS), superintendente do Sebrae no Tocantins.

A necessidade de ação do governo é consenso. Secretário da Agricultura do Tocantins, Clemente Barros Neto pontua que a região também precisa de escolas profissionalizantes para manter os jovens no campo.

DIÁRIO DE VIAGEM

Diferentemente das outras cidades visitadas, em Campos Lindos a internet móvel 3G não funcionou nem mesmo no centro do município. Foram quase dois dias de estadia, e o único sinal disponível era o 2G.

Joana Colussi, repórter

É uma região muito rica, mas a riqueza ainda está nas mãos de poucos.

Clemente Barros Neto, secretário de Agricultura do Tocantins

 

Reforma agrária sub judice

A herança do ex-governador do Tocantins não está só no nome de Campos Lindos. Em 1997, um decreto assinado por Siqueira Campos (PSDB) deu início a conflitos fundiários que perduram até hoje na Justiça. Na época, o então governador desapropriou 105 mil hectares de terras consideradas “improdutivas” para executar um projeto agrícola que atraísse investidores ao Estado.

A desapropriação atingiu áreas de produtores sulistas que já cultivavam soja e milho e de famílias nordestinas camponesas que ocupavam as extensões de cerrado para criação de animais.

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) acusou o governo de promover uma “reforma agrária às avessas” para tentar mascarar um suposto esquema de grilagem de terras públicas. Segundo relatório do Ministério Público Federal, a área desapropriada deveria ter fins de utilidade pública, mas não foi o que ocorreu. Os 48 lotes criados foram repassados para fazendeiros, empresários, políticos, além de empresas estrangeiras, apontou estudo feito pela CPT e pela Universidade Federal do Tocantins.

Entre os beneficiados estariam a senadora Kátia Abreu, hoje ministra da Agricultura. Ela, um irmão e outras 45 pessoas teriam pago só R$ 10 por hectare, de acordo com o estudo. A mesma terra teria sido vendida anos depois por mais de R$ 20 mil. Procurada por ZH para se manifestar sobre o assunto, a ministra não respondeu.

Segundo produtores sulistas que vivem hoje na região, a desapropriação foi feita para “agradar amigos do rei” e até hoje assombra agricultores que ainda não conseguiram garantir a posse das terras. Dos 105 mil hectares desapropriados, 25 mil foram devolvidos a produtores rurais.

– Os outros 80 mil continuam na Justiça até hoje – destaca Daniel Clemente de Oliveira, presidente da Associação dos Plantadores do Alto Tocantins (Planalto).

Além da incerteza quanto à posse das terras, a desapropriação resultou em uma disputa de terra entre agricultores sulistas e famílias camponesas da região, que se arrasta há nove anos. Enquanto produtores de soja alegam que uma área de reserva legal foi invadida por posseiros, camponeses insistem que vivem no local desde muito antes da criação da reserva, na década de 1990.

Reveses antes da fartura

Primeiro a plantar soja em Campos Lindos, o gaúcho Ireneu Possamai, 55 anos, sofreu dois reveses que quase o fizeram voltar para o Rio Grande do Sul, deixado para trás no fim da década de 1980:

– Não queríamos voltar como perdedores. Esse forte desejo de vencer nos segurou aqui. Agrônomo e técnico agrícola, Possamai migrou de Panambi, onde a família de quatro irmãos plantava 350 hectares, em busca de terra boa e barata.

O produtor, que desde jovem estudara ciências agrárias, queria um solo fértil. Após peregrinar pelo Maranhão com um dos irmãos, não gostou do terreno “muito arenoso” que viu. Ao chegar à região de Campos Lindos, na época tomada por cerrado, encontrou o que procurava:

– Uma terra vermelha e solo argiloso – descreve.

Possamai comprou 300 hectares em sociedade com dois irmãos para produzir arroz. Mas no ano em que colheu boa safra do cereal, veio a alta da inflação e o congelamento dos produtos da cesta básica pelo governo José Sarney.

– A maioria faliu naquela época. Vendemos quase tudo para pagar o banco – lembra Possamai que, encorajado pela mulher Rosani Wegener Possamai, com quem teve três filhos, decidiu ficar.

Morando em Balsas (MA), que tinha melhor estrutura do que a cidade do Tocantins, o casal seguiu no propósito. As primeiras sementes de soja a germinar em Campos Lindos foram colocadas na terra por Possamai em 1992. Naquele ano, ele colheu 47 sacas por hectare – equivalente à média da safra recorde do Rio Grande do Sul em 2015, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Com dificuldades para escoar a produção em mais de 120 quilômetros de chão batido até Balsas, onde empresas do setor já estavam instaladas, o gaúcho liderou um movimento com outros migrantes para atrair uma recebedora de grãos. Doou um pedaço de terra ao lado da propriedade, onde a Bunge instalou silos e, depois, outras empresas chegaram. Com a produção crescendo na região, veio o segundo revés.

– Na primeira vez que tinha ido à praia com as crianças, recebi a notícia do decreto – conta Possamai, que teve suas terras desapropriadas pelo então governador Siqueira Campos.

Após lutar por anos na Justiça, o produtor conseguiu comprovar que suas terras eram produtivas e teve o registro de posse devolvido.

Foi muito desgastante. Não tinha como pôr a cabeça no travesseiro sem temer perder tudo.

IRENEU POSSAMAI

sobre luta na Justiça para manter suas terras

Hoje, com 1,8 mil hectares de soja e milho na Fazenda Panambi, Possamai planeja investir em irrigação. Com silos próprios, frota de máquinas de última geração e avião agrícola, o produtor aplica técnicas de agricultura de precisão. Em áreas sem irrigação, colhe quase 60 sacas de soja por hectare – no Brasil, a média foi de 50,2 neste ano, segundo a Conab.

A fazenda, com nove funcionários, é administrada com ajuda de Rômulo Mocelin, 26 anos, namorado da filha Jéssica, 23 anos, que estuda Agronomia e Direito.

Felizes no Matopiba, Possamai e a mulher agora desfrutam da qualidade de vida com que sempre sonharam, viajando pelo Brasil e Exterior:

– Estamos na boca do Nordeste. No lugar certo.

DIÁRIO DE VIAGEM

Após 3 mil quilômetros rodados, não passamos por nenhum pedágio. Nem por isso as rodovias deixam a desejar, com exceções em trechos pontuais. Nas estradas de chão batido, em que camadas de poeira chegam a 30 centímetros de altura, é preciso paciência para desviar dos muitos buracos.

Joana Colussi, repórter

O ápice na Festa da Soja

Pacata em praticamente todos os dias do ano, Campos Lindos tem seu pico de movimentação durante a Feira da Soja. A edição deste ano foi de 19 a 21 de junho – dias em que ZH esteve na cidade. No evento, o município costuma receber a visita de políticos, pesquisadores e empresários do agronegócio. É, também, a oportunidade para produtores reivindicarem melhores condições de infraestrutura – desde estradas até sinal de internet.

Para os moradores que ouvem falar da riqueza do campo, mas ainda vivem muito distante dela, a feira é a chance de ver máquinas e equipamentos agrícolas de perto e aproveitar os shows sertanejos patrocinados pelos organizadores: prefeitura, associação de produtores e governo estadual. A poucos metros da praça onde ocorre a festa, agricultores assistem a palestras.

– Os olhos da pesquisa estão voltados para cá. A tecnologia foi fundamental para a expansão da agricultura na região, que agora deve rumar para a integração entre lavoura e pecuária – disse Leonardo Campos, pesquisador da Embrapa Soja, um dos palestrantes do 1o Seminário da Cadeia Produtiva de Grãos.

Em 2009, exemplifica o pesquisador, a Embrapa não tinha nenhum estudo sobre o Matopiba. Hoje, sete pesquisas foram publicadas ou estão em andamento. Com mais de 10 mil participantes na Festa da Soja, faltaram hotéis e restaurantes para acomodar os visitantes, que tiveram de procurar abrigo em cidades vizinhas.

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