18,06%

da área do Matopiba

8,13

milhões de toneladas de grãos (24,8% do total colhido pelo RS na safra de 2015)

3,2

milhões de hectares plantados (55,3% a mais do que a soma das áreas de arroz e milho do RS)

30

municípios

Luis Eduardo

Magalhães

Muito além dos sonhos

Ao migrarem para a Bahia, os Franciosi queriam chegar a mil hectares plantados. Hoje, têm 80 mil

— A gente sabia que só teria uma chance de emancipar Mimoso do Oeste: se colocasse o nome de Luís Eduardo Magalhães – lembra Ubiratan Franciosi, 49 anos. Natural de Casca, no norte gaúcho, o produtor e empresário fez parte do movimento que resultou na emancipação da cidade do oeste da Bahia, em 2000 – dois anos após a morte de Luís Eduardo, filho do então senador Antonio Carlos Magalhães, um dos políticos mais influentes do Nordeste e que governou a Bahia por duas vezes – ACM morreu em julho de 2007.

Na época, o povoado tinha 18 mil habitantes e pertencia a Barreiras, distante 90 quilômetros. Ao debutar em 2015, a cidade soma quase 80 mil moradores. É uma das principais potências econômicas da Bahia, alavancada pelo agronegócio. Só a família Franciosi cultiva 80 mil hectares de soja, milho e algodão, controla revendas de máquinas agrícolas e mira investir no ramo imobiliário.

Ao lado do irmão mais velho, João Antônio, Ubiratan saiu do Sul aos 20 anos, seduzido por solo fértil e oportunidade de prosperar. Quando chegaram, em 1986, os únicos pontos de referência eram um posto de combustível e algumas casas de produtores conterrâneos. Compraram 300 hectares para cultivar arroz e soja e, pelo hectare

de cerrado, pagaram três sacas de soja – cerca de R$ 150 hoje, apenas 3% do que custava a mesma área em Casca. – Não tínhamos espaço para crescer no Sul – lembra.

Na Bahia, os irmãos construíram casa na fazenda. Logo nas primeiras safras, seca e doenças atacaram as lavouras, o que quase os fez repensar a decisão. Mesmo com crédito restrito nos bancos, que desconfiavam da vocação agrícola da região, os Franciosi persistiram. Ao colherem as primeiras boas safras no começo da década de 1990, viram que podiam ir além. E, aos poucos, o sonho de cultivar mil hectares foi se multiplicando.

– Nunca imaginamos crescer tanto – afirma Bira, como é chamado Ubiratan, pai de três filhos.

Após 30 anos da chegada à Bahia, Ubiratan Franciosi diz que nunca imaginou crescer tanto

Hoje, os irmãos têm frota de cem plantadeiras e colheitadeiras, silos próprios e 20 pivôs capazes de irrigar sete mil hectares. Investiram R$ 35 milhões só para abrir um canal de irrigação. As fazendas e as unidades de beneficiamento de algodão empregam mais de 600 funcionários – a maioria, baianos. Os negócios são administrados com a ajuda do irmão mais novo, Romeu, 42 anos, que migrou à Bahia nos anos 2000. Em caminhonetes do ano ou aviões particulares, os Franciosi se dividem entre as fazendas e a cidade, onde as famílias residem.

O lazer, antes restrito a banhos de rio, hoje é desfrutado em clubes de tênis, mansões com piscina e viagens a

Sobre expandir os negócios da família nos demais estados do Matopiba – os irmãos já são donos de uma fazenda no Piauí –, Bira vê apenas um limitador.

– Se chegar no mar, tem de parar – brinca.

Debutante próspera, Luís Eduardo Magalhães quer mais

Obras por todos os lados, ruas sendo abertas e casas de alto padrão ganhando forma mostram o quanto Luís Eduardo Magalhães evolui. Com 15 anos, a “princesinha do oeste”, como é chamada, em nada lembra a época em que era identificada por um posto de combustível no meio do cerrado. Poucas horas

na cidade são suficientes para perceber o ciclo virtuoso aberto pela expansão da agricultura. O município ocupa o 4º lugar estadual no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e tem o 5º maior Produto Interno Bruto (PIB) per capita, com R$ 43,8 mil – acima de Porto Alegre (R$ 33,9 mil) e de Caxias do Sul (R$ 37,3 mil).

A prosperidade do agronegócio é vista logo na chegada, pela BR-242. Às margens da rodovia duplicada, unidades de máquinas, sementes, adubos e serviços estão nos dois lados, em meio a silos gigantes de empresas de recebimento e beneficiamento de grãos. As engrenagens são movidas com apoio de 20 municípios do entorno, que formam o principal polo agrícola da Bahia, a quase mil quilômetros de Salvador.

De 2004 a 2011, PIB de Luís Eduardo Magalhães cresceu 178%, chegando a R$ 2,7 bilhões

Referência regional, Luís Eduardo Magalhães cresceu de forma organizada, das zonas nobres às periféricas. No bairro Paraíso, novas casas são construídas constantemente. As mais luxuosas têm campos de golfe, quadras de tênis e pista de pouso para aviões particulares.

À medida que as residências são erguidas, a maioria por produtores e empresários do Sul, ruas recebem calçamento e canteiros. No bairro Santa Cruz, um dos mais antigos, o comércio funciona normalmente aos domingos. Na periferia, não há pobreza, só simplicidade. No centro, lojas de grife despontam em meio a redes de varejo populares e negócios familiares. Natural de Passo Fundo, Elizete Maria Gado gerencia o Comercial Riograndense desde o fim da década de 1990. No mercado, segundo ela, os clientes se cumprimentam com dialetos italiano e alemão:

– Viemos trabalhar na lavoura e, com o tempo, optamos pela cidade, pois é mais fácil para os filhos estudarem.

Quem pretende chegar a Luís Eduardo Magalhães por via aérea precisa pousar em Barreiras, único aeroporto comercial no oeste da Bahia. Nos 90 quilômetros entre as cidades, em áreas planas, a imensidão de lavouras às margens do asfalto é uma amostra da riqueza agrícola da região.

Joana Colussi, repórter

R$ 43 mil

é o PIB per capita de Luís Eduardo Magalhães, que supera os de Porto Alegre

(R$ 33,9 mil) e Caxias do Sul

(R$ 37,3 mil).

BA

DIÁRIO DE VIAGEM

Recentemente, Luís Eduardo Magalhães recebeu um campus da Universidade Federal do Oeste da Bahia (Ufob), além de já ter faculdades privadas.

A luta agora é conseguir transformar a pista de voo usada por aeronaves particulares em aeroporto comercial. Para isso, será preciso comprar briga com o município-mãe, Barreiras, onde Tam e Azul operam voos. O argumento é de que mais de 60% dos passageiros que pousam em Barreiras têm como destino Luís Eduardo Magalhães.

Outro trunfo é a Bahia Farm Show, maior feira de tecnologia agrícola do Norte-Nordeste, realizada há 11 anos na cidade. O evento é um dos quatro maiores do setor no país em faturamento – superou R$ 1 bilhão neste ano.

Água farta para irrigar

Otempo não costuma pregar surpresas aos produtores do oeste da Bahia. De outubro a abril, chove praticamente todos os dias. De maio a setembro, o céu azul predomina. Nos meses de estiagem, a irrigação garante a produção de algodão, milho e feijão. Quase 90% dos pivôs – equipamentos para irrigar – instalados no Matopiba estão na Bahia, que soma 130 mil hectares, 4% da área cultivada.

– É pouco ainda, estimamos um potencial futuro de 500 mil hectares, diante da abundância de rios – diz Júlio Cézar Busato, presidente da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), que tem 1,3 mil associados em 11 cidades da região.

A Bahia conta com o segundo maior lençol freático do país, o aquífero Urucuia. Após visitas a Texas e Nebraska, nos Estados Unidos, dirigentes da Aiba querem ajudar a criar um sistema para monitorar o manancial que não prejudique o abastecimento.

– Temos condições de dobrar a área cultivada hoje, principalmente se a irrigação for incorporada em regiões onde chove menos – explica Busato, natural de Casca e um dos fundadores da Aiba em 1990.

Busato mudou-se para a Bahia em 1988, mesmo ano em que o gaúcho Sérgio Pitt deixou a gerência do então Banco Real, em Lages (SC), e migrou para a região. Na época, Pitt comprou áreas em Barreiras em sociedade com produtores do Paraná.

– A maioria das terras era ocupada por pecuária extensiva, sem nenhuma tecnologia – lembra o economista, 57 anos, que já presidiu a Aiba e hoje também exerce a função de secretário de Indústria e Comércio de Luís Eduardo Magalhães.

Entusiasta da irrigação, o gaúcho Pitt tem pivôs que cobrem todos os 1,1 mil hectares cultivados

Pitt é um entusiasta da irrigação. Tem toda a área de 1,1 mil hectares coberta com 11 pivôs centrais.

A tecnologia garantiu na última safra a média de 74 sacas de soja por hectare – 56% acima da média do Rio Grande do Sul em 2015, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). No milho, ele consegue superar a marca de 230 sacas por hectare, enquanto vizinhos que cultivam sem pivôs não passam de 140 sacas por hectare. Diante das atribuições como secretário municipal, Pitt divide a gerência da fazenda com os sócios, os baianos Josenil e Delfino Caetano de Souza. Há três anos, a propriedade com 27 funcionários ganhou reforço do irmão Bernardino Pitt que, com a mulher Sandra Bassoli, veio de Lages. Com granja de aves e suínos e pecuária de corte, o casal vendeu animais para investir na agricultura.

– Antes, a gente tinha ideia de que aqui só havia pobreza, mas é bem diferente – diz Bernardino.

 

Entusiasta da irrigação, o gaúcho Pitt tem pivôs que cobrem todos os 1,1 mil hectares cultivados

Pitt colheu média de 74 sacas por hectare neste ano. O valor é 56% maior do que a média do Rio Grande do Sul em 2015, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

DIÁRIO DE VIAGEM

No hotel onde ficamos em Luís Eduardo Magalhães, um dos maiores da cidade, painéis enormes com imagens de soja, algodão e milho decoram a recepção. A justificativa é de que boa parte dos hóspedes tem alguma ligação com o agronegócio.

Joana Colussi, repórter

Hoje, mais da metade da produção de soja na Bahia abastece os mercados do Norte e Nordeste. O restante é exportado à China. O algodão, cultivado em 276 mil hectares, percorre 1,6 mil quilômetro até Santos (SP) – o principal destino é a China, e o excedente abastece indústrias têxteis do Nordeste, nenhuma delas no oeste baiano.

Cultura perpetuada em diferentes sotaques

Ensaios são semanais e só param durante a colheita, já que alunos trabalham nas lavouras

Eles se reúnem pelo menos duas vezes por semana para ensaiar músicas tradicionalistas gaúchas. O ponto de encontro é o CTG Sinuelo dos Gerais, em Luís Eduardo Magalhães, a mais de 2,5 mil quilômetros de distância do Rio Grande do Sul – terra que muitos sequer conhecem. Entre os mais de cem alunos que formam quatro turmas de invernada, de mirim a adulta, grande parte nasceu bem longe do Sul. Na pista de dança, filhos de gaúchos e de paranaenses se misturam a jovens baianos, mineiros e goianos na troca de passos de chamamé, xote, rancheira, milonga e bugio.

– A maioria tem ligação com a agricultura, seja na própria família ou no trabalho em fazendas – diz Edson Gomes, 35 anos, instrutor de dança tradicionalista.

Há dois anos em Luís Eduardo Magalhães, Gomes deixou Capão da Canoa, no Litoral gaúcho, para coordenar as invernadas do CTG fundado em 1991. Acostumado com a nova rotina, o instrutor só não conseguiu transpor uma dificuldade ainda:

– Na colheita, perco os alunos, pois eles precisam trabalhar e ajudar nas lavouras. É complicado manter a regularidade dos ensaios nesse período – comenta o professor, que mora em instalações no próprio CTG.

A invernada do Sinuelo dos Gerais participará neste ano de rodeios em Cristalina (GO) e em Brasília. Próximo dos eventos, e fora do período de safra, os ensaios ocorrem nas manhãs e tardes de domingo.

– Diferentemente do Sul, aqui os rodeios não são tão frequentes – revela o instrutor, que ensaia os alunos acompanhado do chimarrão, passado de mão em mão durante os intervalos.

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