"Me chamavam de Dumbo,

 

     dentuça,

 

magricela.

 

Não lembro de uma intervenção da escola"

Tanusa Dresch,

 pedagoga, 31 anos

"Quando eu entrei na 1ª série, tinha orelha de abano, dentes bem para a frente e era muito magrinha. As crianças começaram a me chamar de Dumbo, dentuça, magricela. O início da vida escolar já é uma mudança grande, e ainda tive que passar por tudo isso. Mexeu muito comigo, em uma época difícil para a minha família. O que mais me incomodava eram as orelhas, bem para a frente, bem salientes. Tinha um cabelo ralinho, fininho, então elas sempre apareciam. Me achava esquisita, o que ouvia dos outros encaixava com a minha imagem, eu concordava. Botava até quatro calças, para fazer de conta que já estava com mais corpo, que tinha perna, que não era tão magrinha. Não funcionava, era pior ainda.

O impacto foi grande, meus laços de amizade ficaram bem restritos. As crianças às vezes eram maldosas, ficavam rindo. Os meus colegas já me conheciam, não me tratavam mal dentro da sala, mas também não me puxavam para o grupo de amigos. Quando juntava com outras turmas, acontecia mais, no recreio a coisa ficava pior. Acabei fazendo amizade com meninas gêmeas que também eram bem magrinhas. Éramos meio excluídas, nos isolávamos durante o recreio. Brincávamos de supermercado e de casinha, nós três, escondidas nas escadarias. Não nos envolvíamos muito no pátio para não chamar a atenção. Eram sempre os mesmos guris e gurias que pegavam no meu pé. Eu ficava bem chateada. Sempre fui mais quietinha, tímida, mas fiquei muito mais. 'Não vou me expor muito. Se assim eu já chamo a atenção, imagina me expondo', eu pensava.

Nunca fui de falar para os meus pais, já sabia que eles estavam cheios de problemas, não queria levar mais um. Eu vivia isso e não contava para ninguém. Acho que os professores não percebiam. Ninguém veio falar comigo, não lembro de uma intervenção da escola. Quando falei para os meus pais que as pessoas estavam me chamando de Dumbo, eles deram um jeito. Com 10 anos, fiz a cirurgia. Voltei com a cabeça enfaixada e virei a sensação do colégio. Todo mundo queria saber o que houve, e as pessoas começaram a conversar mais comigo. Não havia mais a característica mais gritante. A cirurgia mudou a minha vida. Eu já não me importava mais com nada, podiam me chamar de magricela, de dentuça, mas não havia mais a questão das orelhas.

Na adolescência, diminuiu horrores a pegação no meu pé. Os relacionamentos com amigos melhoraram conforme fui crescendo. Comecei a usar aparelho. Os dentes ainda levaram um tempo para se corrigir, mas depois o bullying acabou. A magreza deixou de ser problema, fui criando um pouquinho mais de corpo. Estava mais desencanada, não me importava tanto. Fui uma das primeiras da turma a começar a namorar, foi uma reviravolta. Me desliguei daquela turminha, não me importava mais. Comecei a ter outros amigos. Deixei de ser o patinho feio e fiquei bem.

Foi uma época difícil, mas me fortaleceu muito. Quando lembro dessa fase, me machuca muito. Tive algumas dinâmicas no colégio onde trabalho e isso voltou com muita força, relembrei, vivenciei de novo. Ainda me marca, mas tento superar. Não tenho mágoas da escola. Como me tornei professora, hoje tenho um outro olhar dentro da sala de aula. 'Por que aquela criança está tão sozinha?', me pergunto. Converso muito com as crianças sobre apelidos. Digo que é legal chamar os colegas pelo nome ou pelo apelido carinhoso de que eles gostem."