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Eduardo Torres

 

EDIÇÃO

Letícia Barbieri

e Lúcio Charão

 

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Thais Longaray

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serra

o maior contragolpe contra o crime

 

Em abril deste ano, uma ação conjunta entre a Polícia Civil, Ministério Público e a Susepe transferiu 13 lideranças do tráfico do presídio de Caxias do Sul para a Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). A ação, denominada Serrania, de acordo com o diretor do Departamento de Segurança e Execução Penal da Susepe, Ângelo Carneiro, é considerada o modelo ideal adotado atualmente para barrar o avanço das facções criminosas no Interior.

– Detectamos na Serra e em outras regiões uma facção que estava criando ramificações importantes a partir dos presídios. Agimos diretamente no foco do problema, tirando as lideranças do meio das massas. Hoje, na Pasc, eu asseguro que é possível isolar os presos e desarticular essas associações – destaca.

A Serra concentra um dos braços mais independentes da facção Os Manos. A investigação constatou que as lideranças haviam se unido e tomavam o controle tanto da cadeia quanto das ruas. Essa facção seria um dos motivos para a explosão dos homicídios em Caxias do Sul no ano passado, quando 150 pessoas foram assassinadas na cidade.

Agora, porém, a polícia investiga a possibilidade de consequências nas ruas da ação de abril. No último final de semana, quatro pessoas foram vítimas de uma chacina em uma casa que era usada como ponto de tráfico de drogas no bairro Pioneiro. Uma das

linhas de investigação apura a possibilidade de criminosos ligados aos Bala na Cara terem executado o crime para tentar tomar o ponto dos rivais.

– Comprovando o aporte de mais uma facção e em disputa pelo mercado, nós alcançamos o mesmo patamar da Região Metropolitana. Precisamos nos preparar para este tipo de investigação, não somente do tráfico de drogas isolado, mas também quanto ao modo de ação destas facções – alerta o delegado Rodrigo Kegler Duarte, da Delegacia de Homicídios de Caxias do Sul.

Outra linha de investigação demonstraria que a ação de abril foi insuficiente para desarticular a facção. Seria uma represália do grupo contra traficantes locais que, na ausência das lideranças, teriam passado a traficar de maneira independente. Neste ano, Caxias do Sul já registrou 53 assassinatos.

litoral

LITORAL DIVIDIDO

 

De Tramandaí para o norte, predominam Os Manos. Ao sul, os Bala na Cara. Capão da Canoa e Santo Antônio da Patrulha estão em disputa. Entre as duas cidades, foram 8 homicídios no primeiro trimestre deste ano. O dobro do mesmo período de 2016. Região tem capacidade para 800 presos, mas a Penitenciária Modulada de Osório tem 1.758 detentos.

vales

Cigarros contrabandeados viram “moeda” do tráfico

 

A região produtora de fumo foi atingida diretamente pelo avanço das facções criminosas. Uma ação que até agora, porém, é observada nas ruas, comentada entre os moradores e a polícia, mas sem se transformar em denúncia. Traficantes estariam obrigando os pequenos comerciantes dos bairros periféricos de Santa Cruz do Sul, Venâncio Aires e Lajeado, principalmente, a vender somente cigarros de uma marca específica, trazida em contrabando do Paraguai. Nas ruas, além da tradicional assinatura da facção Os Manos nos muros, encontra-se o logotipo “Grupo R7 filter cigarretes”, para marcar o território.

– Temos muitas informações de comerciantes coagidos a vender somente estes cigarros. Por outro lado, usuários de drogas também teriam a ordem nos pontos de tráfico para só fumar estes cigarros. A situação que constatamos na região é de que, quem não se enquadra nas regras da facção, sofre as retaliações. Já temos uma alta de 20% nos homicídios este ano – aponta o delegado Juliano Stobbe, de Lajeado.

Segundo Stobbe, o fato da região ter uma economia pujante é atrativo para a facção da Região Metropolitana.

– Sabidamente, aqui está um mercado consumidor de cocaína – aponta.

O uso dos cigarros contrabandeados, vendidos quase à metade do preço dos cigarros legais, é a novidade. A polícia ainda investiga a situação, com o auxílio da Polícia Rodoviária Federal (PRF), mas a suspeita é de que o fomento ao contrabando seja a forma de capitalizar os traficantes locais.

– A região fica no caminho para a Região Metropolitana pela BR-386. É a principal rota da droga e do contrabando do Paraguai. É bem provável que a facção esteja usando isso como forma de fazer caixa e garantir o controle desse ponto estratégico – explica o delegado.

A presença dos logotipos pela região começou a ser percebida no início deste ano. Desde então, pelo menos duas apreensões dos cigarros já foram feitas.

sul

O medo nas ruas de São José do Norte

 

– É perturbador chegar no local onde está um corpo e saber que conhecia aquele guri. Saber que ele morreu daquela forma violenta. A gente não quer se envolver, mas como chegamos quase na hora do crime, é difícil não ouvir alguma coisa, saber como aconteceu. Isso é muito ruim. Mudou muito a nossa rotina.

Quem conta a mudança é um dos funcionários da funerária de São José do Norte, na Região Sul, pedindo para não ser identificado. O município de

27 mil habitantes vive dias de tensão desde o começo do ano. Em apenas quatro meses, 14 pessoas foram assassinadas – 13, conforme a Polícia Civil, por crimes decorrentes da disputa entre facções. É quase o triplo de todos os homicídios registrados em 2016 no município.

A prefeitura chegou a decretar situação de emergência. Dois policiais reforçaram a equipe da delegacia local e a Brigada Militar fez algumas ações com o Pelotão de Operações Especiais (POE), de Rio Grande. Desde o mês passado não houve novos homicídios, mas quem disse que o medo diminuiu?

– Tivemos uma tentativa de homicídio da forma como a população mais teme. Foi uma senhora atingida nas pernas quando andava pela rua no momento em que um homem atirava contra outro. Isso assusta ainda mais as pessoas – aponta o delegado Ronaldo Coelho.

São José do Norte tornou-se este ano um último ponto sob disputa na Região Sul. Em plena expansão um grupo criminoso de Rio Grande, ligado à facção Os Manos, teria financiado jovens traficantes locais para controlarem os pontos na cidade. Isso acabou afugentando os rivais, que teriam recebido amparo dos Bala na Cara para tentar retomar os pontos.

Conforme a polícia, um traficante atualmente preso na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) conseguiu arregimentar um pequeno império. Tem controle absoluto na prisão e nas ruas de Rio Grande e aliou-se ao grupo local conhecido como Os Tauras, de Pelotas, para também ter influência na outra grande cidade da região.

A área concentra uma rota importante para a entrada de armas no Estado. A negociação com a facção na Região Metropolitana incluiria, conforme apontou mais de uma investigação policial do Vale do Sinos, o envio de carros roubados para o Sul, como moeda de troca por armas do Uruguai.

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Bando “exporta” o seu estilo

 

Aconteceu na saída da Rodoviária de Porto Alegre um dos capítulos da disputa de controle orquestrada por uma facção criminosa em São Borja, na Fronteira Oeste, em novembro passado. Bruno Dornelles Ribeiro, 24 anos, que fugia da cidade, acabou morto a tiros logo depois de desembarcar na Capital. Conforme a apuração da Polícia Civil, o atirador era de Canoas e foi contratado a partir da cadeia, em Uruguaiana. Dias depois, o cunhado de Bruno, Pedro Antônio Martins Pereira, o Dóia, 45 anos, também foi executado, mas em São Borja. Era a eliminação de um foco de resistência aos Bala na Cara que persistia na região.

– São dois grupos que travavam uma guerra pelo controle do tráfico em uma parte da cidade junto ao porto. Não temos nenhuma investigação que demonstre até agora uma articulação mais organizada da facção criminosa para o uso do porto, apesar de encontrarmos muitas pistolas argentinas nas ruas – aponta o delegado Marcos Vianna.

A guerra de São Borja é muito semelhante às provocadas em áreas da Capital onde os Bala na Cara iniciaram sua atuação. Geralmente, um gerente do tráfico local é municiado para tomar o controle da quadrilha e passar a traficar com a facção. Neste caso, a polícia acredita que a ordem para as mortes teria partido do traficante conhecido como Marquinhos.

Sobrinho do Dóia, ele era um dos gerentes nos pontos de tráfico mantidos em São Borja. Preso, passou um período em Charqueadas e voltou de lá como integrante da facção. Marquinhos atualmente está preso em Uruguaiana.

Uma das suspeitas da polícia é de que o controle dos Bala na Cara em São Borja seja uma alternativa ao que já foi constatado em outras investigações com relação a Santana do Livramento, onde um criminoso preso na Região Metropolitana exercia o controle da entrada de armas no Estado em nome da facção.

central

Santa Maria era investimento da facção

 

No começo do ano passado, temendo uma consequência trágica, a mãe do adolescente Luís Ricardo Rodrigues da Silva, 16 anos, o retirou da Região Metropolitana, onde o envolvimento com uma facção criminosa tornou o seu destino muito arriscado. Mandou o rapaz para Santa Maria, na Região Central.

No dia 1º de junho de 2016, o adolescente foi executado no bairro Itararé. O inquérito ainda não foi encaminhado à Justiça, mas a Delegacia de Homicídios local já teria identificado autoria. A suspeita é de que ele tenha sido morto a mando dos Bala na Cara.

Há pelo menos dois anos a polícia tenta barrar o fortalecimento do grupo na cidade. Mesmo assim, o bando conseguiu se estabelecer sobretudo na região oeste de Santa Maria, reduto de um traficante. No primeiro trimestre deste ano, 13 pessoas foram assassinadas. Uma média que vem se mantendo nos últimos três anos, mas com uma característica peculiar.

– Nos crimes relacionados à facção, notamos que os atiradores geralmente vêm de outros lugares, a mando e orientados por criminosos locais – explica o delegado Gabriel Zanella,

da Delegacia de Homicídios de Santa Maria.

Outro sinal da presença do crime organizado na cidade, de acordo com o titular da Delegacia de Furtos, Roubos e Capturas de Santa Maria, delegado Sandro Meinerz, é a alta nas apreensões de maconha. Neste ano, 250kg da droga foram apreendidos só pela Polícia Civil. Nos últimos cinco anos, foram duas toneladas.

– Quando deflagramos a Operação Palco, em 2015, havia um plano bastante ousado de investimento da facção nessa região. Tentaram se estabelecer no Beco da Tela, que não é muito distante do centro da cidade. Despejariam drogas e colocariam integrantes da Região Metropolitana para tomar o controle dos pontos – relata.

Por trás do financiamento estava o assaltante  José Carlos dos Santos, o Seco, vinculado aos Bala na Cara, que teria conhecido o traficante local, em Charqueadas. A partir de lá, comandavam a tomada da cidade na Região Central.

– Eles não conseguiram cumprir o plano que tinham, de dominar toda a região e controlar diversas áreas da cidade. Mas na área mais empobrecida de Santa Maria, exercem poder. Tudo isso alimentado pelo que atraía o investimento do Seco: o potencial de consumo de

maconha da cidade – explica o delegado.

NOROESTE

A guerra invadiu o cenário interiorano

 

Passava do meio-dia de segunda-feira, 24 de abril, quando três homens armados com pistola 9mm desembarcaram de uma caminhonete em uma das ruas de chão batido do bairro Getúlio Vargas, próximo à área central da pacata Santo Augusto, na Região Noroeste. Dispararam dezenas de vezes contra quem estava na frente de uma das casas de madeira. Mataram Irineu Camargo, 69 anos, um dos mais conhecidos moradores da cidade, famoso pelos salames que a família produz. Deixaram feridos ainda a esposa dele e o filho, de 33 anos, conhecido como Pelezinho no futebol amador local, e que hoje vive o drama de perder os movimentos de uma das mãos. Eles não eram o alvo dos bandidos.

E sim um vizinho, que tomava chimarrão com Irineu naquele momento.

– Ninguém consegue esquecer. Todo mundo caminha na rua olhando para os lados, cuidando os movimentos. Nunca se sabe quando uma desgraça pode acontecer de novo – conta uma moradora de 27 anos, que prefere não ser identificada, por medo de represálias.

Recentemente, moradores perceberam a movimentação de duas caminhonetes com placas da Região Metropolitana e acionaram a Brigada Militar. Os policiais logo chamaram reforço regional e, em alguns minutos, todos no município percebiam as viaturas por todos os lados. Era alarme falso. O susto foi porque os atiradores que mataram Camargo eram de Novo Hamburgo e agiram, segundo o delegado Gustavo Fleury, a mando de um traficante local, atualmente foragido.

A Região Noroeste virou ponto estratégico para a facção Os Manos. O grupo fornece, da Região Metropolitana, crack e cocaína para abastecer os pontos de tráfico locais. Em troca, recebe maconha que é trazida da fronteira local com a Argentina. Para adquirir a droga no lado estrangeiro, são comuns as trocas por motos roubadas no lado brasileiro. Os roubos de veículos aumentaram 166% no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado no Noroeste.

De acordo com o delegado que investiga o caso, o estopim para a tentativa de matar o vizinho de Irineu Camargo em Santo Augusto foi justamente uma moto roubada.