Promovido pelo jornal Zero Hora, o projeto traz a Porto Alegre profissionais de atuação reconhecida para debater com jornalistas, professores e estudantes sobre a profissão e o papel da imprensa em uma sociedade livre e democrática.

Edição | Lúcia Pires

Design | Thaís Müller

ADRIANA CARRANCA

 

Jornalista e escritora

30 de Novembro de 2015

 

Adriana Carranca participou da sexta edição do Em Pauta ZH - Debates sobre Jornalismo abordando a cobertura jornalística internacional. O evento teve mediação da repórter Letícia Duarte.

"Às vezes só damos voz a quem tem armas na mão"

Colaboradora dos jornais O Estado de S.Paulo e O Globo, Adriana é autora do livro-reportagem infantojuvenil Malala, a menina que queria ir para a escola (Companhia das Letrinhas), em que traz às crianças a história da menina paquistanesa Malala Yousafzai, baleada pelo Talibã quando tinha 14 anos por defender a educação de meninas.  Em coberturas jornalísticas esteve na Síria, Iraque, Afeganistão, Paquistão, Irã, Israel, Gaza, Indonésia, Sudão do Sul, Uganda, R.D. do Congo, Haiti, entre outros. Também esteve no Vale do Swat, onde nasceu e cresceu Malala, ganhadora do prêmio Nobel da Paz.

 

Formada em Jornalismo com mestrado em Políticas Sociais e Desenvolvimento pela London School of Economics (LSE), tem trabalhos nas áreas de fotografia e documentário. Co-dirigiu E Se For Menina?, filme-documentário sobre adolescentes envolvidas com o crime em São Paulo, personagens que acompanhou por sete anos. Sua exposição fotográfica "Outono em Cabul" circulou pelo Brasil.

A jornalista foi correspondente na ONU, em Nova York. Em 2012, passou temporada como pesquisadora convidada do Instituto Reuters para Estudos do Jornalismo, na Universidade de Oxford. No ano seguinte, integrou o Projeto de Jornalismo Internacional, da Universidade Johns Hopkins, de Washington.

 

Além de Malala, a menina que queria ir para a escola (Companhia das Letrinhas), Adriana publicou dois livros-reportagens para adultos: O Irã sob o chador (Ed. Globo), finalista do prêmio Jabuti, e O Afeganistão depois do Talibã (Civilização Brasileira).

Entrevista por Luiz Antônio Araujo

 

Com uma das mais brilhantes trajetórias do jornalismo brasileiro contemporâneo, a repórter, colunista e escritora Adriana Carranca acumula coberturas de impacto – a última delas, em áreas da Síria e do Iraque sob controle curdo, em 2014 – e prêmios – entre os quais o Grande Prêmio Líbero Badaró de Jornalismo, em 2013. Antes de participar do Em Pauta ZH - Debates sobre Jornalismo falou com ZH por telefone, de São Paulo. A seguir, uma síntese da entrevista:

 

Opção pelo jornalismo

“O começo foi quase por acaso. Tinha interesses difusos, gostava de muitas coisas. Na época de decidir o vestibular, conheci uma jornalista e percebi que ela tinha conhecimento muito amplo de várias áreas, conversava sobre economia, gastronomia, política e arte. Vi naquilo uma possibilidade de poder navegar por vários assuntos que me interessavam e adiar a escolha da área que me interessava. Gostava de escrever desde pequena, escrevia cartas indignadas ao Paulo Maluf (então governador de São Paulo) cobrando-o sobre corrupção e superfaturamento de obras. Quando criança, testemunhei episódios de violência, como a prisão de um adolescente quando eu tinha seis, sete anos e de uma mulher que aparentemente tinha problemas mentais. Lembro muito disso. Quando comecei a fazer coberturas, na faculdade, me voltei para esses assuntos. Talvez a faculdade tenha me influenciado, porque estudei na Universidade Católica de Santos (Unisantos), onde havia dois projetos muito premiados: o Mural dos Morros e o Jornal da Zona Noroeste. Eram os dois jornais laboratórios da faculdade, o primeiro dedicado à cobertura dos morros, muito usado pela comunidade, e o segundo focado numa área mais isolada dos serviços públicos. A população adorava esses jornais, que eram pregados nos muros e nos pontos de ônibus. Eu morava mais perto da Zona Noroeste, venho de uma família simples. Quando a gente vive as coisas, acaba se interessando naturalmente por assuntos que foram relevantes. Muitos anos depois, soube que um de meus antepassados fundou o primeiro jornal de Lousã (localidade na região central de Portugal). Meu avô era um grande contador de histórias. Ele gostava de viajar, mas, sendo muito pobre, pegava o ônibus circular e ficava dando voltas por Santos. Depois, ele voltava e me contava o que tinha visto pelo caminho. A gente brincava de ônibus: ele sentava no primeiro degrau, eu no terceiro, e ele perguntava: ‘Madame, para onde vamos?’. Cresci com essa memória emotiva de contar histórias.”

 

Repórter de assuntos locais

“O que eu percebi muito quando comecei a trabalhar na editoria de Cidades (do jornal O Estado de S.Paulo, a partir de 2002) era uma sociedade civil muito viva e motivada. Cobri associações de bairro, ações de lideranças comunitárias. Eu já tinha um olhar para a questão da mulher, e lembro de fazer reportagens sobre líderes comunitárias que faziam o que os políticos tinham prometido. Fiz um perfil sobre Heliópolis, com quatro páginas – eram tempos áureos do jornalismo. (Risos.) Era uma comunidade que tinha seus próprios ídolos, moda, grupos culturais. Também era uma época de muitas rebeliões na Febem, que acompanhei de perto.”

 

Cobrindo o planeta

“Questões internacionais eram muito distantes para mim. Da primeira vez que entrei num avião, tinha 25 anos. Em 2005, achei que tinha de entender melhor a violência, a desigualdade e a injustiça no Brasil. Achava que não conhecia de fato o que estava acontecendo. Ganhei uma bolsa para estudar Políticas Sociais e Desenvolvimento na London School of Economics. Lá é que comecei a ter contato com pessoas do mundo inteiro que trabalhavam com isso: alunos que atuavam na Anistia Internacional, Human Rights Watch, Cruz Vermelha, gente de 20 a mais de 40 anos, alguns já em posição de destaque nas suas organizações. Eram 60 pessoas de 45 países. Era uma turma muito boa, que depois encontrei no Afeganistão, no Irã, no Sudão, no Haiti. Fiquei um ano lá, porque nesse prazo a bolsa era integral e eu me dedicava somente ao curso. Voltei ao Brasil e me reintegrei à editoria de Cidades, mas já com a ideia de me transferir à editoria de Internacional, onde não havia vaga na época. Em 2006, ganhei outra bolsa e fui a Nova York cobrir a Assembleia-Geral da ONU. Em 2007, fui para o Irã, e em 2008, para o Afeganistão. Foi então que fui promovida a repórter especial e me integrei à editoria de Internacional.”

 

Mulher repórter

“Eu até estava discutindo isso com a Annick Cojean (repórter francesa que esteve em São Paulo e Porto Alegre). Principalmente em países muçulmanos, quando um homem é destacado para a cobertura, acaba perdendo metade da história, porque a mulher consegue entrar nas casas. Isso é uma vantagem nos países muçulmanos. No Sudão, por exemplo, não me arrisquei a viajar embedded (integrada) com as tropas sudanesas, o que talvez um homem pudesse fazer. No Sudão e no Congo, há um histórico de estupros, e não me senti à vontade para seguir com essas forças. Dependendo do caso, há vantagens e desvantagens de ser mulher. No Paquistão, vi muito isso. Para escrever Malala, vivi com uma família. O motorista que foi comigo não pôde ficar e teve de ir para outra casa, não pôde ficar na mesma instalação das mulheres. Em Gaza, também me hospedei com uma família, mas mais liberais, e o fotógrafo pôde ficar comigo.”

 

Mostrar outro lado

“Malala tornou-se o meu trabalho mais marcante, porque é uma história que escrevi para crianças, o que é novo, mas tem as mesmas características de uma reportagem para adultos, com fontes, notas de rodapé, bibliografia. Há nesse trabalho uma mensagem muito forte para as crianças. Há uma narrativa de violência que predomina. Quando se fala do Irã, pensa-se em mulheres oprimidas, num país destruído, isolado e empobrecido por sanções econômicas. O Irã é isso, mas não é só isso. Também tem uma elite intelectual vibrante, a primeira Nobel da Paz iraniana, uma juventude que tenta driblar as regras e produzir, é presa a todo momento e insiste em continuar lutando pacificamente. Às vezes, a gente só dá voz e visibilidade para quem tem uma arma na mão. O problema disso é que se manda um sinal claro de desestímulo para os movimentos pacíficos. É um equívoco pensar que é preciso se ter arma na mão para obter atenção.”