Assim que o oficial de Justiça bate à porta de Helena e Giuliano com o documento atestando que estão oficialmente habilitados para adotar uma criança, em 30 de abril de 2013, o casal festeja como se recebesse o resultado de um exame de gravidez.

“Agora é oficial: ESTAMOS GRÁVIDOS! Nathascha Kelly vem aí!!!!!!!!!!!!! Uh hu!”, posta Helena no Facebook.

Tinham sido informados de que o tempo da “gestação” seria de pelo menos um ano, mas a partir daquele dia Helena não desgruda mais do telefone. Pensa que a qualquer momento eles podem receber a notícia. Se está dando aula, pede licença aos alunos.

– Desculpa, preciso atender, pode ser do juizado – avisa a professora às turmas das escolas onde trabalha, nas redes municipal e estadual.

A cada chamada, sente um arrepio no estômago. Seria sua filha chegando?

 

Faz um ano que ingressaram na fila da adoção. Já passaram por 10 entrevistas com uma assistente social e uma psicóloga no Foro Central de Porto Alegre. Já leram o livro recomendado para entender as fases do processo: Adoção Tardia – Da Família Sonhada à Família Possível. Já terminaram de pagar todos os móveis do apartamento novo, num condomínio no bairro Guarujá, para onde se mudaram em novembro de 2010, depois de sete anos de namoro. O quarto infantil foi a primeira peça da casa a ser mobiliada, antes mesmo do quarto do casal. Eles próprios pintaram as outras paredes, mas para colorir de lilás o cômodo infantil contrataram um pintor. Queriam que tudo fosse perfeito, que não houvesse dívida pendente quando ela chegasse. Com o restante do apartamento ainda vazio, penduravam borboletas na parede para recepcionar a futura filha.

– Acho que uma criança seria bem feliz aqui – diz Helena, ao contemplar o quarto pronto.

Enquanto espera por um rosto que preencha o porta-retrato repousado sobre a estante do quarto vazio, o casal chama a hipotética filha de “Nathascha Kelly”. Um nome aleatório como imaginam que ela pode ter – e bem mais simpático do que 5120004277818, o número do processo que corre na Justiça. O código que avistam todos os dias na parte superior da geladeira, transcrito em canetinha azul, num ímã em formato de coração. Sua inscrição na fila da adoção.

Com a confirmação de que estão oficialmente habilitados, a expectativa aumenta. Preparando-se para receber uma criança na casa que dividiam com quatro gatos, começam a treinar. Em vez de comer com os pratos na mão sentados no sofá, como de costume, passam a arrumar a mesa. Desejam dar um bom exemplo para a menina. Pensando nela, também decidem mudar de carro: trocam o Uno de antes por um Sandero vermelho, para acomodar com mais conforto a cadeirinha no banco de trás.

Embalam a cada gesto o sonho da adoção, que Helena cultiva desde adolescente. Sempre quis ser mãe, mas nunca achou que faria diferença ter um filho biológico ou adotivo. A convicção pela segunda opção aumentou ao fazer estágio em abrigos, no final da faculdade de Educação Física. Vendo tantas crianças sem família, pensou que poderia ser a mãe de pelo menos uma delas. Não sente necessidade de gerar uma nova vida, se já existem tantos filhos à espera de um sim.

– Cada pessoa sabe quanto tem de disponibilidade de amar. Eu sou uma cuidadora. Faço ação social, cuido dos meus alunos, dou presente, faço festa, sei da vida pessoal deles. Para essas pessoas que têm a disponibilidade de amar qualquer pessoa que venha, por que tem que ser um filho seu, por que tem que vir da sua barriga? – reflete Helena.

Quando começou a namorar Giuliano, que era seu vizinho no antigo apartamento e jogava vôlei no mesmo time da vizinhança, a loira de olhos azuis foi logo avisando:

– Não necessito de um filho biológico.

– Por mim, tanto faz – concordou Giuliano, depois de pensar por um tempo.

A então namorada sempre contava para ele as histórias das crianças que viu entrarem nos abrigos onde trabalhou, com passado de abandono e negligência familiar. E também das que viu sair sorridentes, pelos braços de novos pais do coração. Aos poucos, o que era desejo individual virou projeto de casal.

– Eu lembro de uma menina que estava para ser adotada, a Joana, e recebeu um álbum da nova família. Ela olhava e dizia: “Essa é minha mãe, esse é meu pai, esse é o meu cachorro”. E penso: um dia vai ser eu e o Giu. Um dia a criança vai estar com o nosso álbum na mão – espera Helena.

No início, a família de Giuliano estranhou que nem quisessem tentar uma gravidez biológica. Diante da empolgação do casal, os sogros acabaram se conformando.

– Primeiro diziam “a Helena vai pegar uma criança para criar”, depois “Helena e Giuliano vão pegar para criar”, depois “Helena e Giuliano vão adotar”. E agora é: “Por que é que minha neta ainda não chegou?”– conta a professora.

 

A convicção de Helena pela adoção aumentou ao fazer estágio em abrigos, no final da faculdade de Educação Física. Giuliano concordou