Publicado em 02 de dezembro de 2016

A violência explode no Litoral Norte

A realidade das casas fechadas e dos furtos fora da temporada são coisas do passado no Litoral Norte. A violência cotidiana da Região Metropolitana chegou às praias. Neste ano, os roubos e homicídios explodiram. BM promete mais do que dobrar policiamento no verão, quando a população local quintuplica. Ao deixar a cidade e seguir para a praia, o melhor é se prevenir.

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Eduardo Torres

 

EDIÇÃO

Letícia Barbieri

Lúcio Charão

 

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Félix Zucco

DESIGN

Brunno Lorenzoni

 

Falta pouco para o início oficial da temporada no Litoral Norte e o que espera os veranistas não é animador quando o assunto é segurança pública. Se até poucos anos atrás os crimes mais comentados nas praias eram furtos e arrombamentos das casas fechadas, agora roubos e assassinatos assustam.

O ano de 2016 marcou explosão nos índices de criminalidade nas praias.Enquanto os números de Porto Alegre já apavoram – com alta de 20% nos homicídios no primeiro semestre –, no Litoral Norte, esse quadro é ainda mais assustador: houve alta de 50% nos assassinatos no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2015. O cálculo dos assassinatos fica agravado quando considerados dados até o fim de novembro.

Os índices de roubos saltaram 40% entre as praias no primeiro semestre de 2016. É o dobro da alta registrada em todo o RS para esse tipo de crime. Conforme as autoridades, predominam assaltos a pedestres, comércios e residências. Exatamente os mesmos delitos que atormentam o dia a dia das grandes cidades.

O aumento da criminalidade, acreditam os delegados da região, é um dos efeitos colaterais do aumento populacional desordenado do Litoral Norte. Entre os municípios da faixa de areia, a estimativa é de que, entre 2010 e 2016, a população tenha crescido 16% e estaria em torno de 260 mil habitantes – o equivalente a uma cidade do porte de Gravataí. A perspectiva, segundo o presidente da Associação dos Municípios do Litoral Norte, Sílvio Fofonka é de que no período de veraneio chegue a 1,3 milhão.

– Os roubos, por exemplo, não são ações organizadas, mas crimes de oportunidade que, em geral, abastecem o tráfico de drogas crescente da região – avalia o delegado Paulo Perez, de Tramandaí.

No município, os assaltos cresceram 55,5% no primeiro semestre de 2016 em relação ao mesmo período de 2015.

Para Fofonka, o aumento em crimes violentos se dá, também, pela falta de oportunidades no mercado de trabalho:

– Muitas pessoas saem da Região Metropolitana em busca de emprego, mas o Litoral Norte não tem a infraestrutura necessária para um crescimento tão rápido. Infelizmente, a criminalidade se aproveita disso – avalia.

– Não é um inferno. Acredito que ainda estamos distantes do que acontece na Região Metropolitana, mas é claro que não se pode mais pensar em veranear como no passado, sem grades, de portas abertas e sem alguns cuidados básicos. Quem vem para a praia não pode mais relaxar completamente – complementa o presidente da CDL de Tramandaí e Imbé, João Rocho.

Em busca de respostas à alta da criminalidade e ao que pode acontecer com a população quintuplicada – de 260 mil para 1,3 milhão de habitantes – a associação dos municípios cobrou medidas da Brigada Militar. Em outubro, foi iniciada a Operação Avante, com abordagens nos locais considerados mais violentos no Litoral Norte aos finais de semana. No último dia 17, a Avante sai de cena nas praias e começa a Operação Golfinho. Segundo o subcomandante-geral da Brigada Militar, coronel Andreis Dal’Lago, a perspectiva é de ampliar 150% o atual efetivo.

Ele não revela quantos PMs reforçarão a segurança nas praias.

– Será o mesmo volume de policiais empregados no último verão – afirma.

Com mais PMs nas ruas, será possível garantir tranquilidade à população local e aos veranistas?

– Começamos a perceber em abril que, mesmo com o fim do verão, os índices de criminalidade não baixaram, como era normal pelo fluxo de pessoas no litoral, e isso preocupou. Em maio, tomamos a primeira providência de aumentar o aporte de horas-extras aos policiais da região. Não foi suficiente, então levamos a Avante para lá – explica Dal’Lago,

salientando que a BM constatou que criminosos que fugiam do cerco da operação migraram para o litoral.

Além do policiamento, a Operação Golfinho, prevista para começar em janeiro, contará com quatro bases móveis para ajudar no patrulhamento. Funcionarão em Cidreira, Tramandaí, Capão da Canoa e Torres. Durante o dia, junto à orla. À noite, em áreas de maior concentração de pessoas.

A reportagem percorreu cinco praias para conferir como os veranistas as encontrarão em termos de segurança: Tramandaí e a onda de assaltos, Osório e a conturbada relação com o presídio, Xangri-Lá e o investimento milionário em segurança privada, Capão da Canoa e o crescimento nos assassinatos e Torres, tranquilidade à beira-mar.

Existem câmeras, mas não há controle

Entre as alternativas projetadas pelos municípios do Litoral Norte para conter a violência está o monitoramento eletrônico. E até já há um esboço disso, que até hoje representou apenas prejuízo. Há quatro anos, um investimento federal garantiu a instalação de 172 câmeras entre os municípios da região, mas ninguém se comprometeu a arcar com a manutenção dos equipamentos. No último verão, Zero Hora fez um levantamento e constatou que apenas 27 câmeras ainda funcionavam. Atualmente, sequer os governos municipais têm esse controle.

Mesmo que todas as câmeras estivessem em funcionamento, a utilidade atual seria questionável. Não há centrais de monitoramento.

— Nossa ideia é conseguir unir esforços para botar em funcionamento essa estrutura que já temos. Com este volume de câmeras, é possível pensar em cercar a região, mas é preciso investimento e participação também do Estado — justifica Sílvio Fofonka.

O plano proposto pela associação é que a Brigada Militar instale centrais de monitoramento em Cidreira, Tramandaí e Torres.

— Atualmente as câmeras que funcionam, só filmam, não transmitem para nenhuma central integrada — avalia o prefeito.

A atração da iniciativa privada para este projeto também é uma realidade. Em Xangri-la, por exemplo, os números de roubos tiveram uma redução como consequência direta da estrutura em segurança dos condomínios fechados. Nos últimos meses, a associação desses condomínios tem se aproximado do poder público para firmar parcerias na expansão de câmeras e outros instrumentos de segurança pública para as ruas.

Balneário Pinhal

Onde os arrombadores fazem a festa

Uma, duas, três, quatro. Multiplicam-se as plaquinhas de empresas de vigilância entre as grades e portões de casas fechadas com o mato já crescido entre as ruas de Balneário Pinhal. Parece ser o negócio que mais prospera na cidade que contraria o restante do Litoral Norte. Ali, os crimes de furtos, tipo arrombamento — comuns em lugares que só são ocupados no veraneio — ainda estão em alta. O comparativo do primeiro semestre deste ano em relação ao ano passado mostra alta de 23% neste tipo de crime. Em praticamente todos os outros municípios da região houve redução. A reportagem tentou conversar com alguns dos donos dessas empresas. Nenhum fala sobre os negócios.

O aposentado Almerindo Souza da Silva, 60 anos, ainda não instalou o sistema de vigilância na sua casa. E reluta em fazer isso. Ele e a esposa foram morar na praia há nove anos justamente para ter sossego, e agora, como eles mesmos definem, estão de castigo dentro de casa.

— Tenho medo de sair e, quando voltar, não achar mais nada dentro de casa — diz.

Dias atrás, ele precisou deixar a casa fechada. Quando voltou, deparou com a casa sem luz. Os bandidos haviam levado a fiação desde a rua até a rede elétrica. Só na quadra de Almerindo, pelo menos 15 casas são monitoradas. Em algumas não adiantou nada. Em uma mesma semana, há cerca de dois meses, cinco residências foram arrombadas e os criminosos levaram praticamente tudo o que tinha dentro.

Uma das casas era de um construtor, de 54 anos, que prefere não se identificar. Ali, os bandidos chegaram a entrar cinco vezes desde o início do inverno.

— Levaram tudo, até o vaso sanitário. Fora a máquina de lavar, fogão, televisão, geladeira, botijão de gás e até algumas das minhas ferramentas. Perdi mais do que ganhei trabalhando nesses últimos meses — desabafa.

Ele mora há quase 30 anos no Balneário Pinhal. Teve de sair por alguns períodos para trabalhar na Região Metropolitana. Voltava esporadicamente. Agora, é obrigado a ficar ali.

— Estou dormindo acampado na obra que tenho nos fundos para segurar o que ainda sobrou. Meu plano era criar umas peças para alugar no veraneio, mas levaram quase todo o material — diz.

Segundo o morador, mesmo que Balneário Pinhal continue tendo a característica dos furtos e arrombamentos comum dos lugares que esvaziam quando termina o verão, a característica desse crime também mudou.

— Antigamente eles arrombavam só casa de veranista, depois de saberem que estava vazia por muito tempo. Agora vão nas casas dos moradores. Se tiver gente dentro, azar. São bandidos que têm nisso o sustento, parece o único emprego possível para alguns deles — observa o construtor.

De acordo com o delegado Alexandre Souza, o aumento dos furtos tem relação direta com o crescimento do consumo de drogas e dos pontos de tráfico na região. A população reclama da ausência de policiais militares para conter esse avanço. E a preocupação com a chegada do verão é uma realidade.

Almerindo Souza da Silva, 60 anos

Cidreira

Confronto entre facções

Não é preciso explicar muito sobre o que se vive em Cidreira nos últimos meses. Em abril de 2015, uma chacina vitimou seis pessoas no Bairro Nazaré. Conforme a investigação policial, que resultou em uma grande operação meses depois, o crime foi cometido por uma facção criminosa de Porto Alegre na tentativa de estender seus tentáculos — com apoio de traficantes locais — até Cidreira.

Na Vila Chico Mendes está a resistência a esse movimento. Também com criminosos locais inflados pelo poder dos grupos criminosos que, em Porto Alegre, vivem guerra aberta. Pois os tiroteios e mortes que se vê na Capital começam a se tornar rotina também no Litoral.

Uma moradora de 36 anos, que prefere não se identificar, já sabe o que vai fazer quando o verão chegar e a população de Cidreira triplicar: não vai sair de dentro de casa. Ao invés de ganhar vida, a Vila Chico Mendes, segundo ela, vira um território perigoso. É o período em que o tráfico de drogas lucra mais, e a guerra que já é vivida desde o começo do ano na localidade tende a ser ainda maior.

Neste ano, 10 pessoas já foram assassinadas em Cidreira. É 66% a mais do que as seis vítimas no mesmo período do ano passado. De acordo com o delegado Alexandre Souza, o que acontece no município é uma repetição da atual realidade da Região Metropolitana. Com um agravante:

— Aqui, mesmo o traficante não fixa raízes. Então ele age um dia em Cidreira, no outro está no Pinhal ou em outra praia. Não para. E isso dificulta muito as investigações — afirma.

O aposentado Clenir dos Santos, 56 anos, vive de perto esta guerra. Nunca teve envolvimento com a criminalidade, mas virou alvo dos traficantes. Há três semanas, a casa de madeira que ele havia erguido entre as dunas no final da vila há um ano foi destruída pelas chamas. Outras duas casinhas na localidade tiveram o mesmo destino. Clenir ainda conseguiu salvar uma geladeira — já sem uso —, umas poucas panelas e nada mais. Agora, vive em um cubículo que foi o que deu para erguer com novas madeiras no mesmo terreno.

— Vim para Cidreira por causa da minha saúde. Achei que teria mais sossego do que em Viamão. Que nada, a violência veio junto — desabafa.

Clenir foi o terceiro a erguer sua casa há um ano em uma faixa de terra agora apinhada de outras casinhas cada vez com menos estrutura. Nesse terreno, o tráfico de drogas, segundo a polícia, fincou raízes. Em agosto, um policial militar foi morto durante uma perseguição pela Vila Chico Mendes.

Ele não sabe exatamente quem incendiou a casa. Testemunhas afirmam que o fogo iniciou depois de traficantes locais fugirem de uma abordagem da Brigada Militar. Alguns dizem que o aposentado é perseguido pela pecha de dedo-duro. Ele nega.

Clenir dos Santos, 56 anos

Osório

Relação com presídio

Virou assunto e motivo de aflição na comunidade a descoberta, há pouco mais de três semanas, do corpo de Jorge Luís Cardoso, 62 anos, enterrado a cerca de 800m da sua casa, na propriedade rural que mantinha na localidade de Passinhos, próximo ao Parque Eólico de Osório. Em menos de dois dias os investigadores esclareceram o crime. E, assim como acontece na maior parte dos roubos registrados na cidade, este assassinato também tinha um elemento que o ligava àquela que é considerada uma das maiores dores de cabeça das autoridades de segurança do Litoral Norte: um dos suspeitos é egresso da Penitenciária Modulada de Osório.

— Essa é uma constante aqui em Osório e em toda a região. A relação entre as saídas de presos daqui e os roubos é quase direta. Hoje, em torno de 70% dos roubos esclarecidos têm suspeitos com antecedentes envolvidos — diz o delegado Peterson.

Ele ainda completa:

— Quando não são criminosos saídos da penitenciária, algumas investigações apontam que a ordem para os crimes partiu lá de dentro. Temos notado o fortalecimento de quadrilhas locais justamente por essa cultura das facções que surge na cadeia.

No caso do assassinato do idoso, o objetivo dos criminosos era financeiro. Jorge Luís tinha um relacionamento com uma jovem de 19 anos, moradora do Bairro Caravaggio, também em Osório, há quase um ano. Segundo a investigação, a jovem vinha extorquindo a vítima até a data em que ele foi morto.

Jorge Luís foi estrangulado na sua casa e posteriormente enterrado, quatro dias antes de ser encontrado pelos policiais que foram alertados por amigos da vítima.

— Haviam encontrado a casa do Jorge Luís aberta com um colchão sujo de sangue. Fizemos buscas e encontramos os vestígios de onde estava o corpo — conta o delegado.

Depois de matar o namorado, a suspeita, ajudada por dois homens — um deles egresso da penitenciária —, ainda sacou valores usando o cartão bancário da vítima. Ela acabou presa temporariamente, assim como um dos seus comparsas. O ex-detento tem prisão decretada e é considerado procurado.

Desde o começo do ano, 11 pessoas foram assassinadas na cidade. É quase o dobro das seis que haviam sido mortas até o final de novembro do ano passado.

Tramandaí

O medo dos assaltos

Em Porto Alegre há lugares em que, depois de certo horário, é impossível conseguir um táxi? Em Porto Alegre, mesmo à luz do dia e em ruas movimentadas os criminosos assaltam pedestres? Em Porto Alegre é preciso ter cuidado com o local onde estacionar o carro para não ser roubado? Em Porto Alegre é aconselhável não circular com o celular na mão? Em Porto Alegre, as notícias de homicídios se tornaram comuns? Sim, para todas as perguntas. Pois, na Tramandaí de 2016, tudo isso também virou realidade. E a aproximação de mais uma temporada de veraneio deixa os moradores aflitos.

Houve crescimento de 55,5% nos casos de roubos no município, conforme os dados do primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado.

— Se não aumentar muito o policiamento, não sei o que vai ser de nós — desabafa Fabiana Santos, 33 anos, que é subgerente de uma farmácia em uma das principais avenidas da cidade.

Só nos últimos meses, a farmácia foi alvo de dois assaltos. Em um dos crimes, o bandido armado levou o dinheiro do caixa. Em outro, não se contentou só com o ganho da loja. Levou também os pertences dos clientes que estavam ali. Isso quando não são os rotineiros furtos de produtos. E as situações bizarras que o antes pacato balneário começa a se acostumar a vivenciar.

— Teve uma vez que um bandido entrou aqui com um celular, disse que tinha acabado de roubar e pedia um carregador emprestado. Outro pediu até uma sacolinha para carregar o que tinha roubado na rua — lembra a funcionária de outro estabelecimento comercial.

A operadora de caixa Natália Machado, 20 anos, caminha pela Avenida Emancipação agarrada à bolsa. Pudera. A família já morava no Litoral antes dela nascer, mas Natália foi a primeira a ser assaltada, junto com a cunhada, dois meses atrás. As duas caminhavam para casa, no Bairro São José, área central de Tramandaí, quando foram surpreendidas por um homem armado.

— Eu fiquei na mira da arma e a minha cunhada foi agredida. Nunca pensei que aqui em Tramandaí viveria uma situação dessas. Mas parece que cada vez mais pessoas estão passando por isso — diz.

O criminoso levou os celulares das duas.

De acordo com o delegado Paulo Perez, Tramandaí passa por uma transição perigosa. Os pontos de tráfico, juntamente com o aumento populacional, segundo ele, estão se multiplicando.

— Na periferia, temos um aumento de homicídios por essa disputa típica do tráfico que sempre se reflete na população que não tem relação com o tráfico. Atualmente aparece por esses roubos. São crimes de oportunidade, para levar o dinheiro rápido, o celular, um bem que possa ser repassado rapidamente — explica.

Até a Praça das Tainhas, tradicional ponto de encontro na área central de Tramandaí, virou zona de risco.

— Aqui quando chega fim de tarde é melhor não passar. Os bandidos chegam a subir nas árvores para pular e assaltar quem passa. A Brigada até prende, mas passa um tempinho e os mesmos estão de volta — critica um homem que trabalha próximo à praça e prefere não ser identificado.

Para o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Tramandaí e Imbé, João Rocho, o aumento dos roubos é uma realidade.

— É claro que aquele veraneio de outros tempos nós não podemos mais ter. As pessoas que virão para Tramandaí precisam estar cientes de tomar os mesmos cuidados que tomam na Região Metropolitana. A cada dia chegam novos moradores. Vem gente boa e gente mal intencionada. E não há emprego suficiente para atender a essa nova realidade — diz o comerciante.

Ele ressalta, no entanto, que não há motivo para pânico. Sobretudo ao comparar os índices de criminalidade ao que acontece na Região Metropolitana. Mais do que isso, o dirigente cita pelo menos dois projetos apoiados pelos comerciantes e que poderiam frear os crimes.

Um deles, prevê a implantação da Área Azul para estacionar na área central. Há três anos a proposta foi aprovada pela Câmara de Vereadores, mas ainda não foi implantada pelo município.

— O cálculo é de que o município arrecadaria em torno de R$ 1 milhão por ano. Esse valor seria destinado à segurança pública. Poderíamos ter uma Guarda Municipal bem equipada e com maior volume de pessoal para auxiliar a Brigada Militar no patrulhamento do Centro — afirma Rocho.

O outro projeto ainda não orçado, mas já apresentado pela CDL ao município, seria a instalação de câmeras inteligentes nas entradas da cidade.

— Tramandaí tem apenas três vias de acesso. Sabemos que o crime migra para cá. Não seria interessante sabermos exatamente quais veículos estão circulando aqui? — aponta.

João Rocho, presidente da CDL

Xangri-lá

Segurança milionária

Épraia, mas esqueça aquele clima de casa aberta, sem muros, grades ou aparatos de segurança. Em Xangri-lá, entradas com cancelas, vigilantes, câmeras e alarmes de todo o tipo se tornaram paisagem comum. O município adotou o slogan de "Capital dos Condomínios" e começa a colher os frutos disso na área da segurança. Contrariando os municípios vizinhos, ali houve redução nos casos de roubos e furtos. Pudera, a estimativa da Associação dos Condomínios Fechados Horizontais de XangrilLá, que reúne 23 empreendimentos, é de que, a cada mês, eles gastem mais de R$ 1 milhão com segurança. O orçamento municipal destina, exclusivamente para a segurança, R$ 64 mil no ano.

— Eu vim para o Litoral para mudar o estilo de vida com meu filho pequeno, fugir daquela neura de Porto Alegre. Mas isso, infelizmente, tem um preço. A segurança se tornou nossa prioridade — diz o empresário Márcio Lara, que preside a associação criada há seis meses.

Engana-se, no entanto, quem pensa que eles se sentem satisfeitos com o isolamento atrás do aparato de segurança dos condomínios. A proposta da associação é levar para fora das suas estruturas o conceito de uma cidade mais segura.

— Nós percebemos que não adianta se isolar aqui se tudo ao redor não estiver bem. No fim, a situação se voltaria contra nós. Hoje os condomínios geram em torno de 600 empregos diretos, e são todos moradores da região. Queremos dar a nossa contribuição para que a vida dessas pessoas seja melhor. Isso é uma forma de valorizá-los — afirma.

A proposta do grupo é estabelecer uma espécie de parceria público-privada com os órgãos de segurança. Já foram realizadas reuniões com os representantes locais da Brigada Militar e da Polícia Civil. O projeto é muito bem recebido pelo comando da Brigada Militar.

— Vai ao encontro com o que pensamos para o policiamento comunitário. Esse envolvimento de todas as pessoas com a questão da segurança é fundamental para que o nosso trabalho seja mais efetivo. Não apenas nas questões materiais, mas na troca de informações e no engajamento propriamente dito — diz o subcomandante-geral da BM, coronel Andreis Dal'Lago.

A ideia, segundo Márcio, é conhecer de perto os problemas enfrentados pelos policiais.

— Queremos apoiar desde com o material necessário para o policiamento até com a instalação de câmeras para o município. Já que temos esse diferencial de sermos a Capital dos Condomínios, podemos nos tornar um caso a ser seguido no Estado nessa área da segurança. Isso vai valorizar o município — aponta.

O primeiro projeto já apresentado pela associação é instalar câmeras nas cinco entradas de Xangri-lá. Outra proposta é ampliar a troca de informações entre os seguranças privados dos condomínios e a Brigada Militar.

— Se faltam PMs, e todos sabem que isso acontece, podemos dar a nossa colaboração ampliando a capacidade de ação dos policiais que temos — propõe o empresário.

Márcio Lara, presidente da Associação

Capão da Canoa

No fogo cruzado

Amoradora de 49 anos, uma das primeiras a chegar na ocupação do Vale Verde, que tomou forma há três anos, colada ao muro de um grande condomínio horizontal em Capão da Canoa, já não esboça uma feição apavorada. Segundo ela, o episódio daquela quarta-feira, 23 de novembro, virou rotina dos últimos meses.

— Acordei com os tiros.

A alguns metros da casa dela, o adolescente Leonardo de Souza Leal, 16 anos, foi assassinado dentro de uma casa simples entre as ruas de terra da ocupação. Fazia duas semanas que ele morava sozinho ali. Homens teriam invadido o local e o executado com diversos disparos. O crime aconteceu um dia depois de um amigo dele também ter sido executado na rua ao lado. E de maneira semelhante.

Samuel Silva Santos, 18 anos, foi morto a tiros dentro da casa de amigos. A avó, Beloni da Silva dos Santos, 54 anos, que o criou, não se conforma com a tragédia.

— Ele nunca me contava nada, sempre muito quieto. Eu não imagino porque isso aconteceu, porque ele sempre foi cheio de amigos. Era um guri bom, mas infelizmente esse nosso lugar está ficando violento desse jeito — desabafa a mulher que chegou àquele lugar há mais de 40 anos, bem antes da invasão surgir.

Dois dias depois, Miguel Boeira foi morto na Avenida Ubatuba de Farias, também próxima ao Vale Verde. E, na noite de segunda, Gilberto Douglas da Silva Machado, 23 anos, foi morto no ferro-velho em que trabalhava, na Avenida Paraguassu. De acordo com os investigadores da DP de Capão da Canoa, os quatro crimes estão relacionados à disputa entre traficantes locais pelo controle de pontos. Uma guerra aberta que já deixou 31 vítimas de homicídios neste ano. É o mesmo volume de uma cidade como Guaíba, por exemplo, que tem pouco mais do que o dobro da população de Capão da Canoa. E mais do que quatro vezes o volume de homicídios registrados na cidade neste mesmo período do ano passado.

Em julho, a DP local desencadeou uma grande operação, com 14 prisões, para desarticular quadrilhas de criminosos que saíram da prisão para retomar seus pontos e iniciaram uma guerra. Apenas quatro meses depois, parte dos líderes daquele bando já estão na rua. E podem ter relação com a nova alta nos homicídios.

— Não se trata mais do movimento das facções migrando para cá. São grupos daqui, inflados a partir do sistema prisional, que ganham status ligados a facções que já atuam na Região Metropolitana — explica a delegada Sabrina Defente.

O município que testemunhou o maior crescimento populacional da região entre 2010 e 2016 — um aumento de 13,6% da população, saltando para 47,7 mil moradores — chegará à temporada de veraneio em plena guerra do tráfico, que se reflete também no aumento de outros crimes. Dados da Secretaria da Segurança Pública mostram que os roubos, por exemplo, tiveram um aumento de 51% no primeiro semestre em relação ao mesmo período do ano passado. Segundo a polícia, consequência direta da multiplicação dos pontos de tráfico de drogas. A maior parte dos roubos são contra o comércio e os pedestres. Envolvem criminosos armados em busca do dinheiro rápido que, no fim das contas, vira lucro ao tráfico.

Torres

Calmaria longe da Capital

Para quem caminha pela orla de Torres, é impossível não reparar em tantos edifícios. É uma cidade. Diferentemente do que acontece em outros locais do Litoral Norte, no entanto, ali ainda há um certo clima de praia à moda antiga.

— Aqui a gente se sente tranquilo. Deixa as coisas na beira da praia e ninguém te rouba. Não vejo violência por aqui — diz a aposentada Lorena Conceição de Oliveira, 66 anos. Moradora de Guaíba, ela frequenta há 25 anos a Praia Grande, em Torres.

A percepção é comprovada em números. Torres é o quarto município mais populoso do Litoral Norte, com população estimada em 37,3 mil moradores. É apenas 20% a menos do que Tramandaí. No entanto, foram registrados quatro vezes menos roubos em Torres em relação a Tramandaí no primeiro semestre deste ano.

— Quando venho para cá, sei que posso ficar tranquila. Apesar de bem cheio no verão, é um lugar seguro — afirma a comerciante Patrícia Thiesen, 28 anos, que é moradora de Caxias do Sul.

Para o delegado Celso Jaeger, a distância em relação à Região Metropolitana é determinante. Tanto é que os índices de criminalidade reduzem a partir de Arroio do Sal.

— Os moradores geralmente são oriundos do Interior, e quem vem para cá no verão também é, em grande parte, de fora da Região Metropolitana. Podemos dizer que o clima de interior ainda prevalece, mas temos nossas preocupações — afirma.

Em janeiro passado, por exemplo, uma quadrilha de traficantes locais foi desarticulada na região, inclusive com a apreensão de armamento pesado em um sítio. Segundo o delegado, isso era o que havia de início de uma organização do crime em Torres. Agora, diz ele, a preocupação está com um pequeno crescimento de roubos a pedestres.

— São criminosos de moto que escolhem seus alvos, de preferência mulheres, para roubar a bolsa, o celular e o que der para carregar. Estamos investigando essas situações — garante.

Para o verão, a preocupação da polícia está com a possibilidade de migração de criminosos para lá.

— Aí esses roubos de oportunidade podem crescer, mas a expectativa é de também aumentar o policiamento preventivo na região — diz o delegado.

Patrícia Thiesen, 28 anos