"Sou lá de Alvorada, mas parei aqui, andei brigando por lá. A cidade é boa. Como posso dizer? Falta muita união das pessoas, se ajudarem. Hoje em dia, do jeito que está o mundo, as pessoas que estão na rua _ eles não estão nem aí.

Já estou há uns dois anos na rua. Antes, trabalhava. Mas deu uma traição. Uma mulher me traiu lá e acabei perdendo tudo, tive de deixar tudo na mão dela. Perdi tudo. Tenho uma guria de sete anos. A filha é dessa mulher, me separei dela, andou fazendo coisa errada. Daí montei uma barraca na Borges.

O cara vê muita coisa que as pessoas não se ajudam. Por isso que acontece tanta coisa no mundo, é assalto, é furto, é tanta coisa que acontece. Imagina se tu está numa situação, tu não tem para onde correr, ninguém te ajuda, o que vai acontecer? Tu vai gerar uma revolta.

Não são todas as pessoas que são assim. Mas tem pessoas que são assim. Vai gerar tipo uma revolta, uma coisa, já vou passar a mão numa arma, o primeiro que passar eu vou assaltar e já era, e se reagir eu vou meter-lhe uma faca para dentro, ou um facão, vou enfiar na cabeça. Azar. Se reagir, vou picar. Vou ir preso. Mas eu vou avisar para ele, olha, se eu for preso, eu vou te rachar, já vou te avisando.

Um pouco é a pobreza na rua que gera revolta nas pessoas. Não, não por isso também, que a pessoa pode se humilhar. Que nem eu me humilhei agora, eu te pedi uma moeda. Já é uma humilhação, só pedir uma moeda. Podia muito bem roubar, mas não, vou pedir, que é bonito. Isso acho bonito. Do lado certo, é da vida, do lado certo, não roubar ninguém. Mas pedir, se humilhar.

Mas um dia eu pedi ali, o cara olhou para mim, disse: 'Ah, vai trabalhar, ô vagabundo'. Ele nem sabe a situação que eu estou. Eu tenho dois braços, eu posso trabalhar, mas é que eu não tenho uma oportunidade. Eu trabalhei em metalúrgica, fazendo força, aí larguei. Três anos lá dentro, só enriquecendo o patrão. Tu fica patinando, aquele salariozinho lá embaixo. Acabei, larguei tudo de mão. Quando vi, caí no mundão, no mundo do crack, ah, loucão. Aí já enlouqueci.

São as coisas da vida que acontecem. Eu vejo assim. Se tem de acontecer alguma coisa na tua vida, acontece. É a mesma coisa se tu bebe uma cerveja. Bebeu porque te deixou levar, é ou não é? Eu penso assim. Aí as pessoas não podem apontar para ti, assim: 'Ah, porque tu está tomando uma cerveja lá?' Eles têm de procurar te ajudar. Eu penso assim. Procurar ajudar. Tem muitas pessoas que não têm esse sentimento. Eu, se fosse um cara bem de vida, eu ia procurar ajudar meu próximo.

Tenho um irmão bem na parada. O bicho anda em Jetta, BMW, o bicho está grandão. O bicho se levantou do nada. Ele era um pintorzinho, o carro dele era aqueles Monza, 1.6, não sei se tu está ligado, um Monza hatch, bonitinho aquele carrinho. Era o carro dele. O cara se levantou, mudou, não é mais o cara que eu conheço. Ih, subiu o orgulho para o coração. O bicho só querendo enriquecer. Um dia eu pedi: 'Ô meu, vou largar fora. Pô, tu vai me ajudar? Me dá uns R$ 10 mil, para eu comprar uma moto para mim que seja. Uma moto para eu dar umas bandas aí, cara'. Negativo.

Não me deu nada, nada.

Se tu não tem para onde correr, tu vai ficar na rua. E eu tenho um monte de amigo aí, uns conhecidos."