“A prioridade são as pessoas, não fato de ser um local histórico”

 

Lirene Finkler l psicóloga da Fasc

Qual o diagnóstico da Fasc sobre o Viaduto Otávio Rocha?

Ao longo dos últimos anos, mantivemos o serviço de abordagem social no Centro. Em fevereiro, foram ampliadas as equipes. Na prática, circulam por lá, de maneira mais estável, em torno de 40, 45 pessoas (de rua). Só que uma parte delas não está realmente em situação de rua. São pessoas que circulam. A outra metade, sim, permanece lá, ainda que durante o dia saia para outras atividades: catação, reciclagem, guardar carro. Tem gente que estuda, tem gente que está fazendo tratamento médico. É um público bem diverso. Outro aspecto da leitura do território é que uma das coisas que favorecem muito a permanência ali é o lado caritativo, ser um local onde há muita entrega de doações. De forma sistemática, as pessoas vão lá e entregam alimentos. Hoje, se eu fosse ficar em situação de rua, lá era o lugar onde teria comida à noite.

 

Comerciantes e moradores reclamam que essa caridade está estimulando a permanência no viaduto. Também é o parecer de vocês?

É muito contraditório. A gente quer locais públicos onde as pessoas possam ir tomar banho, lavar sua roupa. Mas ao mesmo tempo os serviços públicos estão em um momento em que tem até uma perspectiva de redução, de não poder aumentar os serviços, de restrição orçamentária.

 

Qual a explicação para a multiplicação de moradores de rua no viaduto neste ano?

Este número na verdade não cresceu tanto neste período. O que cresceu foi a utilização daquele espaço para outros tipos de situações. Como é local que tem essa questão da alimentação, uma pessoa que esteja chegando em situação de rua passa por lá. Pode ter sido abordada naquele local, mas não quer dizer que necessariamente ela fique.

 

Nas vezes em que esteve no local, ZH identificou cerca de 30 pessoas que passam a noite ali. Em 2014, o problema não existia.

O que a gente vê é que tem muita expulsão de pessoas de seus territórios, por questões relacionadas à violência urbana. Famílias sendo expulsas de seus locais, ameaçadas. Não necessariamente a pessoa na rua está ligada ao tráfico, mas o tráfico e a violência no território expulsam as pessoas. Estou falando em geral, mas daquele local eu não saberia dizer.

 

Qual é o objetivo das abordagens no local?

É estabelecer com as pessoas um vínculo, identificar quais as situações, que necessidade imediata essa pessoa tem, eventualmente cuidados de outras políticas, de saúde, de documentos. E construir com essa pessoa a possibilidade de saída da rua, uma alternativa de vida.

 

O fato de o viaduto ser um símbolo da cidade e um atrativo turístico faz com que a abordagem da Fasc seja diferenciada? É uma prioridade?

Eu diria que não. O local onde as pessoas estão situadas só tem mais visibilidade, mas é tão sério e tão relevante como outros. Nossa prioridade são as pessoas. À medida que há um agrupamento maior, torna mais complexo de lidar com aquele lugar, mas o fato de ser um local histórico não é em si o que aciona (a Fasc).

 

Em que solução vocês estão trabalhando?

 Não tem como enfrentar isso de uma forma que não seja intersetorial. Há ali pessoas que têm necessidade de saúde, de saúde mental. Não é atribuição da nossa política. A gente tenta fazer o meio de campo, mas a saúde tem lá suas limitações. Algumas pessoas estão ali por problemas de segurança dos territórios. A segurança precisaria ser acionada. Na nossa esfera, o que a gente tenta fazer é integrar ao máximo as informações do caso, garantir que aquilo que diz respeito ao cuidado da assistência social seja oferecido. Às vezes, todas as questões sociais estão sendo trabalhadas, mas a pessoa precisa de habitação. E aí a gente tem as limitações do Departamento Municipal de Habitação.

 

O albergue é uma solução?

Temos três albergues (municipais) na cidade e eles quase sempre estão com as vagas plenamente utilizadas. A solução não é só albergue. Até porque no albergue tem de entrar às 19h. Na nossa organização de vida, eu não conseguiria entrar às 19h.

 

Por que há essa exigência? Os próprios moradores de rua reclamam disso.

Tem tanta demanda que os que chegaram no horário já ocupam.

 

Mas se não estiver 100% ocupado, quem chegar mais tarde entra?

Eventualmente, mas dificilmente terá vaga. O Albergue Municipal inclusive faz busca ativa. Se alguém telefona, pode ir às 22h e abordar aquela pessoa. Tem pessoas que trabalham, por exemplo, e chegam depois das 22h. Quando há um acompanhamento da rede de assistência social, a pessoa está trabalhando, vai ficar aquele mês no albergue, depois ela vai ter um salário e poderá alugar uma peça. Isso é acordado, e como parte do acompanhamento pode entrar em horário diferente.

 

Por que a regra é não sair em qualquer horário?

A saída, o que vai significar? Uso de substância? A pessoa volta em outra condição? E tem a própria dificuldade de organizar um espaço. Tem de ter uma rotina para que aquele espaço funcione.