PARA O ALTO E AVANTE

O ar salgado e o surfe nas ondas de Tramandaí haviam marcado as bicicletas com um tom alaranjado de ferrugem, principalmente nas correias e catracas. Após passarmos óleo lubrificante, já sentimos a diferença na rodagem. Silenciosas e macias, as bikes estavam prontas para encarar um desafio de 400 metros de altura: o Morro da Borússia.

 

Pegamos a rodovia Manuel Luís Osório na direção Sul. No caminho, motoristas, principalmente caminhoneiros, buzinavam em incentivo. Apesar da boa intenção, uma buzinada de caminhão pode chegar a 100 decibéis nos tímpanos de um ciclista desprotegido. Pouco menos que o dobro dos 55 decibéis que a Organização Mundial de Saúde considera aceitável aos ouvidos.

 

No sopé do Morro da Borússia, paramos as bikes e miramos o topo do desafio. Senti que teria mais trabalho do que o Botega, porque estava numa bicicleta fixa, sem marchas e com apenas o freio dianteiro de emergência para encarar a descida. A estrada é sinalizada como região propícia para o tráfego de bicicletas. Então, em todo o percurso, placas alertavam para o intervalo regulamentar de 1,5m para ultrapassagem de carros a ciclistas, previsto no artigo 201 do código de trânsito. Não raro, uma bicicleta descia frenética. A velocidade recorde registrada em uma descida de bike no Morro da Borússia, até esta publicação, foi de insanos 80 km/h.

Encaramos os primeiros três quilômetros de subida suando sem parar. Sem marchas, tinha de fazer um esforço colossal a cada metro. Não aguentei. Joguei a bike numa zona de refúgio e me deitei totalmente esbaforido. Por 15 minutos, fiquei ali, pensando que faltava mais da metade da jornada até o topo. Até que comecei a sentir um formigamento nas costas – literalmente. Havia deitado, sem olhar, em cima de um formigueiro.

 

Nos outros cinco quilômetros, oscilei entre pedalar e o “método Jaiminho” – personagem do Chaves, um carteiro que, por não saber andar de bicicleta, tinha de carregar a sacola de cartas e ainda empurrar a magrela no caminho. Sentia minha lombar quase explodindo com tamanho esforço.

 

– O ciclismo usa a coluna de uma maneira que ela não foi projetada para atuar, produzindo uma retificação da lordose lombar, aumentando a tensão do complexo ligamentar posterior e alterando a transmissão da pressão sobre os discos intervertebrais. E ainda assim, é um dos melhores esportes para a saúde da coluna – explica Renata Azevedo Gomes, fisioterapeuta.

 

Já o Botega encarou o desafio ferozmente, o tempo todo em cima de sua mountain bike com 21 marchas. Quando chegamos no cume do Morro da Borússia, ele parecia ter escalado o Everest.

 

– Eu vou voar! – disse ele

 

Os turistas que faziam suas selfies na rampa esbugalharam os olhos, achando que ele, de fato, ia se jogar morro abaixo, já que estava aparentemente em definhamento vital.

A vista do Morro da Borússia é excepcional. Um dos mais belos  panoramas do Litoral Norte. No alto de seus 400 metros, é possível reverenciar a beleza e a diversidade geográfica da região, formada por serra, lagoas, praias e também pelos “moinhos”. Abraçados, dois jovens recém casados contemplavam o cenário.

 

– Por diversas vezes pensamos em visitar o Morro da Borússia. Já tinha visto fotos no Facebook e as placas pela BR-101 me alertavam sobre o lugar. É uma visão fantástica. Deveria ter pedido minha esposa em casamento aqui mesmo – disse Eduardo Dadall, 27 anos, engenheiro civil.

 

Antes de o sol cair, decidimos descer o morro. Uma das sensações mais radicais que ambos tivemos na vida. Atingimos quase 70 km/h. Parecíamos motos morro abaixo. Um pouco depois da metade do percurso, minha fita firma-pé, que ajudava a controlar o freio, estourou. Freei o que podia, coloquei o solado do tênis direito no chão enquanto com a ponta do peito do pé esquerdo encostava no pneu traseiro tentando fazer um freio de emergência. Sobrevivi. Sem queda.

 

Quando descemos o morro por completo, os discos dos freios da bicicleta do Jefferson Botega estavam tão quentes que era possível fritar um ovo neles. E ali estava eu pensando em comida novamente.

55km

percorridos

2h48

pedalando

2º dia

de viagem

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