BUZINADINHAS E REGGAETON

Antes de atravessar a imigração rumo a Punta del Diablo, no Uruguai, primeiro trajeto da viagem, eu só conseguia pensar nos possíveis problemas que encontraria, muitos deles recorrentes no meu dia a dia como ciclista em Porto Alegre: cansaço, calor, asfalto mal conservado, motoristas dirigindo perigosamente.

 

Mas, no dia 4 de janeiro, ao chegar do lado uruguaio, diante da Rota 9 Coronel Leonardo Oliveira, nada disso importava mais. Eu só tinha atenção para a estrada: plana, lisa e pedindo para acelerarmos. Com um acostamento relativamente conservado, a trip não poderia ter começado melhor. De brinde, recebemos várias buzinadinhas de incentivo dos motoristas que passavam pela gente.

Após uns 20 minutos de pedalada, encontramos o primeiro ciclista no caminho, que seguia em direção ao Chuí. O professor de artes Guillermo Meirelles, 33 anos, se encontrava próximo de seu destino, onde reencontraria um tio. O uruguaio estava prestes a completar 154 quilômetros percorridos em dois dias, desde La Paloma, praia na qual decidiu dar um descanso para a cabeça após um final de ano estressante no trabalho. Guillermo confirma o que eu sentia nas minhas primeiras pedaladas.

 

– No Uruguai, as pessoas estão bastante acostumadas a ver ciclistas viajando. Na rota, te dão estímulo, buzinam para ti e fazem sinal com o polegar – conta o professor, que vive em Guichón, no oeste do país, e está acostumado a viajar com os amigos pelos arredores de sua cidade. – É estranha a sensação de viajar sozinho. Se observa a paisagem, e a mente se fixa na ideia de chegar ao destino.

Após mais um pouco de pedalada, quando a rota que empolgava pela facilidade de percorrê-la começava a ficar monótona, somos surpreendidos por um cemitério no km 316 da Rota 9, uma opção para quem deseja ir ao banheiro ou passar uma água no rosto. Mas, se não for muito a sua praia visitar esse tipo de lugar, logo na sequência há um posto no qual dá para se hidratar ou comer um alfajor.

 

Imperdível mesmo é dar um pulo na Fortaleza de Santa Teresa, um imponente forte construído em 1762 localizado mais a frente. O local, que foi palco de batalhas, representa uma parte muito importante na história do Uruguai. O acesso está a apenas 500 metros da Rota 9. Não dá para entrar no local de bike, mas é possível deixá-la estacionada com segurança próximo à bilheteria.

 

Ficamos por ali durante quase duas horas, relaxando e curtindo o visual. Após o descanso, retomamos a viagem e finalmente entramos no Boulevard Santa Teresa, estrada que leva à praia de Punta del Diablo. Eis que começamos a ouvir o reggaeton de Maluma. Não restavam dúvidas, havíamos chegado ao nosso destino.

92,2km

percorridos

05h19

pedalando

2º dia

de viagem

ALEGRIA E PINTURAS CORPORAIS

Após tomarmos café da manhã no dia 5, quinta-feira, antes de partir de volta ao Chuí, decidimos dar uma volta pela encantadora Punta del Diablo, com sua arquitetura marcada por casinhas coloridas. A vontade era de ficar pela praia, lotada no final da manhã.

 

Na beira-mar, encontramos três argentinos que haviam deixado o Chuí, assim como a gente, no dia 2 de janeiro.

 

– Eu havia combinado a viagem com um amigo que não veio. Mas consegui outro par de vítimas – brinca a arquiteta Sara Ibañez, 32 anos, que vive em Salta, na Argentina.

 

Treinando desde julho do ano passado para a jornada, ela se juntou ao militar Marcelo Cardoso, 37 anos, e sua mulher, a também arquiteta Magdalena Sylvester, 27, moradores de Buenos Aires. O trio pedalou 432 quilômetros pelo Uruguai, passando por La Paloma, Punta del Este e balneário de Costa Azul, até finalmente chegar a Montevidéu.

 

– Tive problemas com os mosquitos, me assassinaram durante toda a viagem – diverte-se Sara. – Mas nada se compara à pedalada. Não é um viagem tranquila que se possa fazer sem muito treinamento. Foi um experiência tão linda.

 

– Foi tudo muito bom. Mas, pela aventura, creio que o melhor foi ter cruzado a Lagoa de Rocha de bote com as bicicletas – acrescenta Marcelo.

Após nos despedirmos da praia, pegamos de novo a estrada com o objetivo de explorar dois lugares pelos quais passamos reto na ida: a parte mais ao sul do Parque Nacional de Santa Teresa e o Mirante de Aves.

 

Na reserva, entramos pelo Caminho Principal e fomos até um dos locais onde é possível se observar baleias. Não nos demoramos, pois já havíamos conhecido no dia anterior a fortaleza, que também fica naquele parque. Vale reforçar: é um local a ser desbravado em outra ocasião, com mais calma.

É possível acampar na reserva, como fez o trio de argentinos que encontramos no caminho.

 

– Ficamos duas noites em Santa Teresa. Foi do que a gente mais gostou. Ambiente lindo para qualquer grupo: de amigos, casais, famílias – elogia Sara. – A visita ao forte foi espetacular. Faltou um guia turístico para saber mais sobre a história do local, a informação dos painéis não aprofunda muito. Mas o lugar é incrível.

Nossa próxima parada seria o – para nós – misterioso Mirante de Aves. A placa que mostrava a distância até o local nos chamou atenção no caminho rumo a Punta del Diablo. Optamos por conhecê-lo na volta. No percurso, encontramos um grupo de seis jovens, três brasileiras e três uruguaios, que pedalavam em direção à praia que havíamos deixado mais cedo. Pintadas com tinta extraída de urucum e jenipapo, as gurias vinham de Florianópolis, pedindo carona, vindo de ônibus, pedalando. Como dava. O trio, que encontrou os amigos em La Coronilla, dizia fazer parte do Bicirco, o circo das bicicletas. Entre as atrações da trupe estavam “acrobacias, alegria e pinturas corporais”.

 

Animação não faltava para elas, que não estavam nem aí para as condições de suas bicicletas e as roupas que usavam – nos pés, chinelos; vestido e biquíni completavam os looks. Os capacetes se encontravam pendurados na bicicleta. Elas abriam mão das principais medidas de segurança recomendadas para quem viaja de bike. O importante era se divertir e se manifestar, tirando uma onda com seus versos: “Com licença, minha gente, no que eu tenho pra falar / É pro cabra abobado que meu verso vai soar / Nós somos da estrada e não queremos só cantada / Cantada somente a música, eu canto pra sua cantada”, cantarolavam.

 

– Estamos na estrada fazendo arte – resume uma das garotas.

 

Após o encontro com o grupo, fomos, enfim, em direção ao Mirante de Aves. Já estávamos cansados e tínhamos dúvidas se valeria a pena pedalar 28 quilômetros – 14 para ir e mais 14 para voltar –, como anunciava a placa na Rota 9. Decidimos encarar o desconhecido. Foi nosso primeiro momento de dificuldade.

 

O asfalto deu lugar à estrada de chão batido, com subidas e descidas. Quase nenhum carro e muitos bois e vacas. Era preciso se concentrar no exercício para atingir nosso destino, que parecia nunca chegar. Para piorar a situação, a água havia acabado.

 

No mirante, poucas aves para se observar naquele fim de tarde. Aproveitamos para deitar na grama e recobrar as energias para a volta. Só mais tarde fomos descobrir, por meio do GPS do celular, que os 28 quilômetros anunciados na placa da estrada eram na verdade 40 – não estávamos preparados para esse desafio. A volta foi mais complexa ainda para mim, que pedalei com minha Caloi 10, uma speed (mais indicada para o asfalto), diferentemente do Jefferson, que viajou com uma mountain bike, ideal para trilhas em terrenos acidentados e estradas de terra.

 

Respirar. Pedalar. Concentrar-se. Tentar sentir o ar puro e seguir em frente. Assim conseguimos retornar à estrada principal, chegar até um posto de gasolina e comprar algum alimento que nos fornecesse energia para retornar ao Chuí.

 

No segundo dia da trip, já batíamos o nosso recorde de quilômetros pedalados em um dia: mais de 92.

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55,2km

percorridos

03h52

pedalando

1º dia

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