Entre poluição da água, zika, decreto de calamidade pública e dúvidas sobre a conclusão do novo metrô, não tem sido a mais calma das preparações olímpicas. Ainda assim, o Rio de Janeiro chega à marca de um mês para os Jogos com as instalações quase prontas e, mesmo que aos trancos e barrancos, com a principal obra de mobilidade do evento a caminho de ser finalizada. Daqui até 5 de agosto, data da cerimônia de abertura, os trabalhos devem ser intensos para deixar tudo pronto e eliminar as dúvidas que pairam sobre a preparação - tanto esportiva quanto da infra-estrutura. ZH lista 10 perguntas e respostas sobre os temas olímpicos mais latentes.
REPORTAGEM
André Baibich
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Vinicius Vaccaro
Design E DESENVOLVIMENTO
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Prefeitura do Rio de Janeiro
A um mês da Olimpíada, as dúvidas que ainda pairam sobre o Rio
1) A nova linha do metrô vai funcionar?
Quem tiver ingressos ou credenciais para os Jogos Olímpicos deve utilizar a linha 4 do metrô, que liga a zona sul do Rio de Janeiro à Barra da Tijuca, onde está o Parque Olímpico que recebe a maior parte das competições.
Na última quinta-feira, em entrevista ao portal G1, o secretário de transportes do Rio de Janeiro, Rodrigo Vieira, afirmou que 97% das obras da nova linha estão concluídas. Falta, segundo o governo do estado, finalizar o entorno das estações. Os trabalhos que permitem a passagem dos trens estariam encerrados.
Ainda assim, o público só poderá utilizá-los a partir do dia 1º de agosto, quando apenas profissionais credenciados a trabalhar nos Jogos circularão na nova opção de transporte. No dia 5 de agosto, data da cerimônia de abertura, o acesso será estendido aos portadores de ingressos.
O metrô só será aberto à população quase um mês após o fim da Olimpíada, no dia 19 de setembro. A obra teve custo total estimado em R$ 9,77 bilhões e é apontada como a mais cara da Olimpíada. O valor foi elevado várias vezes durante os trabalhos.
2) Os russos do atletismo poderão competir?
A suspensão do atletismo da Rússia deve deixar nomes de peso de fora dos Jogos Olímpicos. Devido a um suposto esquema generalizado de doping no país, a Associação das Federações Internacionais de Atletismo (IAAF, na sigla em inglês) suspendeu a Federação Russa das competições. A IAAF afirmou, porém, que atletas que comprovarem ter passado por rigorosos controles de doping podem pedir para competir nos Jogos sob a bandeira olímpica - ou seja, sem representar a Rússia.
É o caso de Yelena Isinbayeva, medalha de ouro em Pequim-2008 e recordista mundial do salto com vara. Além dos pedidos individuais, há também um recurso da Federação Russa, que pede a liberação, junto à Corte Arbitral do Esporte (CAS), de 68 atletas. A decisão sairá no dia 21 de julho. O gerente de atletismo do Comitê Olímpico do Brasil, Marcelo Freitas, explica que competir sem representar um país é uma medida tomada em situações extraordinárias:
- Se houver a participação dos russos pela bandeira olímpica, será uma abertura de precedente. Isto normalmente ocorre por questões humanitárias, como, por exemplo, com atletas de países que estão em conflito.
3) Quem vai disputar o torneio de golfe?
O temor acerca do zika vírus afetou uma modalidade em especial: o golfe, que retorna ao programa olímpico após 112 anos. Oito golfistas já anunciaram que não virão ao Rio de Janeiro por conta da ameaça da doença, incluindo o número 1 do mundo, o australiano Jason Day. Mas por que só o golfe tem múltiplos exemplos de desistência?
Não há como saber com certeza, mas é possível especular alguns motivos. Os jogadores podem se sentir um pouco mais ameaçados por disputarem uma modalidade ao ar livre, em que cada dia de competição é extenso - ou seja, haveria uma exposição maior ao mosquito. Pode ocorrer, também, um efeito dominó: um golfista desiste, conversa com outro jogador, explica os motivos e o convence.
Seria ingênuo descartar, como terceiro fator, um provável desinteresse. O torneio olímpico não contará pontos para o ranking - além da medalha, o campeão garante vaga nos campeonatos mais importantes do circuito mundial -, nem distribui premiação. O principal atrativo é a honra de passar à história como um medalhista olímpico, algo que, talvez, alguns golfistas não entendam como importante.
- Mesmo com essas desistências, teremos grandes nomes aqui, jogadores com currículo considerável, que atraem o público - garante o presidente da Confederação Brasileira de Golfe, Paulo Pacheco.
No mês passado, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou que o risco de propagação do zika durante o inverno brasileiro é "muito baixo". O Comitê Rio 2016 lembrou que realizou 44 eventos-teste, a maior parte no verão - quando o risco de proliferação é maior - e não houve registro de contaminação.
4) Como será o controle de doping se o laboratório brasileiro está suspenso?
Desde 24 de junho, o Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem (LBCD) está suspenso pela Agência Mundial Antidoping (Wada, na sigla em inglês). Se a suspensão for mantida até os Jogos Olímpicos, não haverá grande prejuízo no controle dos atletas: os exames serão remetidos ao Exterior, como ocorreu na Copa do Mundo, quando foram realizados em Lausanne, na Suíça.
- Trabalhei nos jogos em Porto Alegre. Assim que terminávamos a coleta, já havia um funcionário de uma transportadora pronto para enviá-las. Demora um pouco mais para vir o resultado, mas não muito - conta Ivan Pacheco, membro da Agência Brasileira de Controle de Dopagem.
Pacheco acredita que o LBCD será liberado até a Olimpíada. O governo federal investiu R$ 188 milhões para reformá-lo, aparelhando-o com equipamentos de última geração. A suspensão vale por seis meses, mas é possível recorrer à Corte Arbitral do Esporte (CAS) para revertê-la.
Ao justificar a decisão, a Wada não entrou em detalhes sobre os motivos, apenas citou a "não conformidade com o padrão internacional de laboratórios". Há uma série de procedimentos que precisam ser cumpridos para que um laboratório receba o aval da entidade.
Estima-se que, dos 15 mil atletas esperados na Olimpíada e Paraolimpíada, cerca de 5 mil sejam testados. A taxa de exames positivos costuma ser de cerca de 5%.
- Esse número tende a cair. Como estamos fazendo testes surpresa, realizados fora das competições, a incidência de exames positivos durante os eventos não é tão grande - analisa Pacheco.
5) Como o estado de calamidade pública, decretado pelo governo do estado do Rio de Janeiro, impacta a Olimpíada?
Por mais que a imagem dos Jogos tenha sofrido com o decreto do governador Francisco Dornelles, a medida mais ajuda do que atrapalha a organização.
Com dívida estimada em R$ 19 bilhões, o governo do estado não teria condições, por exemplo, de finalizar a obra do metrô. A partir do decreto, o governo federal publicou medida provisória liberando verba de R$ 2,9 bilhões, sem necessidade de aprovação do legislativo. O valor deve ser direcionado à finalização do metrô e para bancar a segurança da Olimpíada. Com isso, parte do orçamento do Estado deve ser remanejada para colocar em dia os salários dos servidores, incluindo os de policiais, que têm protagonizado protestos por conta de atrasos nos pagamentos. A Secretaria da Saúde, que ameaça paralisar serviços devido à situação financeira, também espera receber recursos a partir da ajuda da União.
6) O Brasil vai ficar entre os 10 países com mais medalhas nos Jogos?
Não será tarefa fácil cumprir o objetivo traçado pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB). Os atletas brasileiros terão de superar uma briga ferrenha por duas vagas no Top 10 dos Jogos, ainda que superar o melhor desempenho da história do país (em Londres, foram 17 medalhas) seja quase uma certeza.
Há oito países considerados como inalcançáveis pelo Brasil. Estados Unidos, China e Rússia costumam ser os três primeiros. Do quarto ao oitavo lugar, ficam Grã-Bretanha, Austrália, Alemanha, Japão e França. O 9º e o 10º devem ficar entre um grupo de 12 a 13 países, que, além do Brasil, tem Itália, Ucrânia, Canadá, Cuba, Holanda, Coreia do Sul, entre outros.
Na última projeção publicada pela empresa Gracenote, que mantém um "quadro de medalhas virtual" baseado em competições internacionais, o Brasil aparece em 11º lugar, com 20 medalhas (oito de ouro, sete de prata e cinco de bronze). O critério para o objetivo do COB, porém, não é o quadro de medalhas oficial, que leva em conta apenas os ouros e usa pratas e bronzes como desempate. O Brasil quer um lugar entre os 10 países com maior número de pódios. Sob esse aspecto, o "quadro virtual" o coloca em 13º.
Ainda assim, é inegável o crescimento dos atletas no último ciclo, especialmente em modalidades que não têm amplo histórico vitorioso. Esportes como tiro esportivo, tiro com arco, levantamento de peso e canoagem chegarão à Olimpíada com chances reais de pódio.
É impossível desconectar a evolução com os polpudos investimentos durante a preparação. Nos últimos quatro anos, cerca de US$ 600 milhões (R$ 1,92 bi) foram injetados no esporte de alto rendimento.
- O mais importante é que todos os atores embarcaram no mesmo planejamento estratégico. O COB, o Ministério do Esporte, as Confederações e os clubes trabalharam juntos - comemora Marcus Vinicius Freire, superintendente executivo de esportes do COB.
7) Como foi a preparação dos sistemas de segurança?
A preocupação com a possibilidade de ataques terroristas durante os Jogos fez com que o Brasil procurasse a ajuda de outros países na preparação do sistema de segurança. O resultado é o que o Ministério da Justiça chama de maior cooperação internacional da área na história. Serão 55 países trabalhando em conjunto na Olimpíada.
- Essa cooperação já funcionou na Copa das Confederações, depois na Copa do Mundo. Foi sendo ampliada até chegarmos a esse número de 55 países - explica Andrei Rodrigues, secretário extraordinário de segurança para grandes eventos do Ministério da Justiça.
Durante a preparação, policiais brasileiros viajaram para grandes eventos no Exterior, onde observaram as operações para evitar a ação de grupos terroristas. Os profissionais foram capacitados em cursos e perceberam o aumento do nível de alerta após a escalada de violência com os atentados na Europa nos últimos anos.
Além do terrorismo, há a preocupação com a violência urbana, problema mais usual no Brasil. Para combatê-lo, haverá um efetivo de 47 mil policiais operando no Rio de Janeiro, com a ajuda de 30 mil militares.
- O cidadão comum vai observar a presença de policiamento de maneira mais ostensiva, e essa visibilidade já tem um efeito. Teremos uma operação de segurança própria para cada área. Não identificamos apenas os locais de competição, mas também os aeroportos e as regiões de maior apelo turístico - destaca Rodrigues.
8) Qual é a expectativa de público para a Olimpíada?
O Rio de Janeiro se prepara para receber um fluxo intenso de visitantes durante os Jogos. Contatada pela reportagem, a Embratur informou que estima entre 300 mil e 500 mil turistas durante a Olimpíada. O Ministério do Turismo cita a experiência da Copa do Mundo como importante para a recepção do público e comemora a aprovação dos estrangeiros em 2014 - segundo a pasta, 95% disseram querer voltar ao Brasil após o Mundial - como mostra da capacidade brasileira de organizar grandes eventos.
Desde 2009, quando o Rio foi escolhido como sede, a rede hoteleira se transformou. De acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH), o número de apartamentos disponíveis na capital carioca dobrou - de 30 mil para 60 mil. Além dos hotéis, o Comitê Rio 2016 firmou parceria com o Airbnb, plataforma que conecta usuários para aluguel de quartos e apartamentos por temporada.
Os organizadores venderam 70% dos 6 milhões de ingressos. O número de entradas vendidas é menor do que o registrado um mês antes de Londres, mas de acordo com Donovan Ferretti, diretor de ingressos do Comitê Rio 2016, essa diferença já era esperada:
- Tem a ver com a cultura do público. Lá, há o hábito de comprar antecipado, enquanto no Brasil e em toda a América Latina, o espectador costuma buscar o bilhete mais perto do evento. Já vimos um aumento muito grande da procura por ingressos em maio e, em junho, as vendas dobraram em relação a maio.
Ferretti relata que há grande procura de argentinos e chilenos por bilhetes. Fora da América do Sul, americanos, franceses e alemães devem formar as torcidas mais numerosas no Rio.
9) Quando que a Baía de Guanabara será despoluída?
Esqueça a promessa de que 80% da Baía de Guanabara, local das competições de vela, estará despoluída durante os Jogos.
Recentemente, o prefeito Eduardo Paes falou em outro percentual: 60%. Já o secretário de ambiente do governo do estado, André Corrêa, prefere não bancar um número.
- Houve um grande equívoco, que gerou falta de credibilidade. Falamos sobre metas que não tinham apoio financeiro necessário para serem atingidas. Não vou citar porcentagem nenhuma - disse, em entrevista à AFP.
Para Corrêa, "quem disser que a Baía de Guanabara estará limpa em menos de 20, 25 anos é um mentiroso". Há a necessidade de investimento no tratamento de esgotos de 15 municípios nos arredores, cujos dejetos são depositados na Baía. O secretário cita que cerca de R$ 1,2 bilhão já foram desembolsados, mas o valor ainda estaria muito abaixo dos R$ 15 bilhões necessários para concluir o trabalho.
Para a Olimpíada, a preocupação principal está no lixo flutuante, que pode se prender às embarcações da vela. Já são 15 eco-barreiras instaladas para evitar a chegada dos detritos - número que subirá a 17 até os Jogos.
10) Usain Bolt disputará a Olimpíada?
Na sexta-feira, a lesão de uma das maiores estrelas olímpicas da atualidade colocou sua vinda ao Rio em dúvida. Usain Bolt abandonou a final dos 100m rasos da seletiva jamaicana, alegando um problema muscular na coxa esquerda.
Mesmo sem ter participado da prova, Bolt ainda tem chances de ir aos Jogos. As regras da Federação Jamaicana de atletismo preveem exceções para atletas que estejam entre os três melhores do ranking mundial.
"Atletas que estejam ranqueados entre os três melhores do mundo e que estejam lesionados no momento da seletiva ainda podem ser considerados para seleção, desde que provem sua condição no ranking mundial antes da inscrição na competição", diz o regulamento.
Bolt, portanto, terá de correr alguma competição antes da Olimpíada e fazer um tempo condizente com os 9s88 que cravou em uma competição na Jamaica neste ano. O tempo o coloca na segunda colocação do ranking, atrás apenas do francês Jimmy Vicaut, com 9s86.
O plano do velocista é estar pronto para correr a etapa de Londres da Liga Diamante, no dia 22 de julho, para garantir o seu lugar. Ainda resta saber se ele também correrá os 200m, distância em que é o atual bicampeão olímpico e que ainda não disputou em 2016.
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