NA ERA MENEM,

RECONCILIAÇÃO,

 NEGÓCIOS ESCUSOS

E ESCÂNDALOS

A chegada ao poder do peronista Carlos Menem, em 1989, alterou radicalmente o cenário do caso Born e o destino dos seus personagens. Disposto a entrar para a história como um conciliador, Menem decretou indulto a militares e guerrilheiros, libertando Videla (o general voltou a ser preso em 2010 e morreu na cadeia, em 2013) e Firmenich, gerando revolta no país. Depois, Menem viajou a São Paulo atrás de Jorge, então no comando da Bunge & Born havia dois anos. O presidente argentino queria-o para ministro da Economia, mas aceitou nomear Nestor Rapanelli, número 2 da companhia.

Rodolfo Galimberti (à esquerda) e Jorge Born (ao centro), ao lado do sócio de ambos Jorge Rodríguez: mais de vinte anos depois do caso, sequestrador e sequestrado tornaram-se parceiros em empreendimento que terminou mal

Perdoado pelo canetaço de Menem e rancoroso com aliados do passado, Galimberti saiu das sombras para virar agente da Secretaria de Inteligência, garantindo que poderia ajudar Jorge a recuperar a fortuna roubada pelos montoneros. Menem adorou a proposta. Acreditava que a reconciliação amenizaria o impacto negativo dos indultos.

Obcecado em recuperar os dólares, Jorge voltou para Buenos Aires. Estava convicto de que a extorsão imposta à família fragilizou a saúde do pai, morto quatro anos após o fim do sequestro. Reaver o dinheiro constituía questão de honra à memória do pai, homem de personalidade forte, que suportou até os horrores da I Guerra Mundial, mas abriu mão de princípios ao dar o braço a torcer aos guerrilheiros.

 

"O pai foi educado pelas regras da religião protestante, valorizando o trabalho duro, apesar de privilégios que o rodeavam. Aos 18 anos, foi estudar na Bélgica. Logo depois, o país foi invadido por tropas alemãs. Ele se uniu à resistência e ficou quase um ano preso em condições tão precárias que, por pouco, não morreu de pneumonia" , escreveu Maria O'Donnell no livro Born (lançado em 2015 pela Sudamericana).

 

Em uma reconciliação orquestrada por Menem, sequestrado e sequestrador se encontraram no Hotel Lancaster, em outubro de 1989. Galimberti se disse arrependido, pediu desculpas a Jorge e prometeu empenho em localizar o butim. Com carta branca do governo, saiu atrás de ex-montoneros, oferecendo recompensa a quem estivesse disposto a revelar pistas do dinheiro.

Firmenich em nada ajudou. Em depoimento, desconversou sobre Cuba, fez as malas e se mudou para a Espanha com a mulher, que também estivera presa. A anistia aos guerrilheiros após a repressão militar causou súbita "amnésia" no governo cubano. Fidel Castro afirmava que a história das malas de dólares se tratava de fantasia.

Colocar as mãos no dinheiro se tornou missão impossível para as autoridades argentinas. Oficiais cubanos responsáveis pela movimentação das malas a essa altura estavam presos ou mortos, fuzilados sob acusação de traição à pátria. Sem possibilidade de reaver um centavo em Cuba, o alvo se voltou contra a família Graiver. Jorge havia ingressado com um processo reivindicando parte do resgate, já que o banqueiro ficara com US$ 12 milhões oriundos do sequestro. Advogados das duas partes se reuniram e firmaram um acordo extrajudicial. Jorge foi ressarcido, mas guardou segredo dos valores.

Galimberti também cumpriu sua promessa. Ele entregou ao menos uma mala que estava na Suíça. Jorge admitiu ter recebido entre US$ 6 milhões e US$ 7 milhões e repartido com o irmão Juan. Teria sido bem mais. Por conivência, Galimberti silenciou. Recebeu sua parte pelos serviços prestados e ainda pagou comissão a integrantes do governo Menem.

Os novos ventos que sopravam na Argentina varreram ressentimentos da mente de Jorge. Ele e Galimberti viraram amigos. Bom de papo e bonachão, o ex-guerrilheiro ensinou Jorge a atirar e a caçar. Certo dia, dirigindo um Porsche, Galimberti surpreendeu o empresário com um presente: um Rolex, mais bonito, mais caro e mais moderno do que aquele roubado pelos montoneros.

Em outubro de 1996, 22 anos depois do sequestro, ambos tornaram-se sócios em um negócio de milhões de dólares: um sistema de sorteios por meio de telefonemas ao programa de variedades de grande audiência na TV argentina Hola Suzana, estrelado por Suzana Giménez, apresentadora semelhante ao que foi Hebe Camargo no Brasil.

A parceria envolvia o noivo de Suzana, Jorge Rodríguez, e os três abriram a Hard Communication. Por lei, parte da renda deveria ir para uma entidade filantrópica. A escolhida foi a Fundação Felices Los Niños para crianças desassistidas, dirigida pelo padre Julio César Grassi. O negócio começou em grande estilo e terminou em um enorme escândalo. O padre foi acusado de desviar recursos e de abuso sexual. Jorge, de novo, teve de bancar a conta. Pagou US$ 600 mil em dívidas, a empresa fechou, e o padre foi preso, condenado a 15 anos de cadeia.

Aos 80 anos, Juan hoje vive na Argentina. Galimberti morreu por causa de problemas cardíacos, em 2002. Firmenich é professor universitário em Barcelona.

Jorge Born, hoje com 81 anos, pagou um preço alto pelas desventuras. Afora o abalo à imagem, nenhum dólar relativo ao sequestro retornou para o caixa da empresa. Em junho de 1991, uma assembleia de diretores o destituiu da presidência, forçando-o a se aposentar aos 57 anos. Por decisão da maioria dos acionistas, a companhia passou a se chamar apenas Bunge, perdendo o nome Born. Em 1993, a partir de reestruturações e vendas de unidades industriais, a empresa se dividiu. No país, virou Bunge Brasil. Em 1999, sob a nomenclatura de Bunge Internacional, transferiu a sede de São Paulo para Nova York. Também vivendo na Argentina, Jorge avaliou de modo melancólico o resultado da experiência em depoimento ao livro de Maria O'Donnell:

 

"Me deixei tentar por Menem e isso me custou muito caro. Fui recriminado ao ponto de perder amigos".