o futuro da água

O equilíbrio hídrico do planeta é uma balança sensível que está suportando peso demais. Nas próximas décadas, o aumento da população mundial e o uso insustentável que fazemos da água constituirão um dos maiores desafios para a humanidade. A água é finita, e nenhum de nós poderá viver sem ela.

se um dia, daqui a várias décadas, um humano olhar

a Terra do espaço e se espantar com a vastidão do azul, não significará que estaremos salvos.

 

 

A água cria, mas também destrói. No mundo em que

748 milhões de pessoas – 10% da humanidade – não têm acesso seguro a água potável, mudanças climáticas devem tornar mais frequentes desastres naturais e podem elevar o nível dos oceanos a patamares diluvianos. Planejadores buscam formas de tornar as cidades mais resilientes a secas e enchentes, ao mesmo tempo em que reaprendem a lidar com os recursos hídricos.

 

Líderes de 196 países participarão, em dezembro, da Conferência do Clima, em Paris. A meta é firmar um acordo que encaminhe a humanidade para chegar a 2100 com a temperatura média do planeta dois graus Celsius acima dos registros pré-industriais, entre os séculos 18 e 19. Atualmente, rumamos para um aumento de cinco graus.

 

– No Brasil, vamos sentir os impactos da mudança do clima pela água, seja pelo excesso, seja pela falta – afirma a urbanista Marussia Whately, ambientalista e uma das lideranças do Aliança pela Água, coalizão de 30 ONGs, que busca apresentar propostas e cobrar soluções para a crise hídrica em São Paulo.

 

Navegando para 2050, encalhamos no presente. O Brasil tem 12% da água doce do mundo, mas tem de aprender a gerir seu uso.

 

– Nossa chuva anual é o dobro do que chove na Europa. Seria deboche dizer que falta água. O que temos é desperdício de qualidade e de quantidade – afirma o diretor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS, André Luiz Lopes da Silveira.

 

O bom de momentos como o que enfrenta São Paulo, dizem os pesquisadores, são as lições de uso racional que se é obrigado a tirar. Marussia acredita que a saída para a crise hídrica passa, obrigatoriamente, pela construção de uma nova cultura de uso da água, que desperdice menos e cuide e reaproveite mais.

 

– Na história da humanidade, a forma como civilizações lidaram com a água foi determinante para seu sucesso ou fracasso. Há autores que falam do século 20 como o século dourado da água, construímos grandes barragens e hidrelétricas, começamos a captar água de lencóis superprofundos etc. O século 21 aponta para a escassez. O desafio vai ser usar bem, com menos disponível. Alguns lugares estão fazendo isso de forma exemplar e inspiradora – afirma a urbanista.

 

Esta quinta edição de Rumo explora velhos problemas e novas soluções para a água. Aprenderemos, com águas passadas,

a lidar com águas futuras.

 

 

EM TERMOS

 

estresse hídrico

Situação em que a recarga dos reservatórios não dá conta da demanda por água. Deve atingir metade da humanidade até 2050.

 

dessalinização

Países como Israel e Arábia Saudita já têm métodos para tornar potável a água salgada – 97,5% da água na Terra.

 

água de reúso

As antigas cisternas em que se colhia água da chuva estão voltando. Deixaremos de lavar calçada e dar descarga com água potável.

:: DE TRÁS PRA FRENTE

1989

1989

1965

1941

1901

 

A humanidade sempre perseguiu o líquido da vida: nossa ocupação no globo confunde-se com a disponibilidade do recurso, cuja falta sempre foi fator de preocupação e adaptação. Aprendemos da pior forma que a água, ao contrário dos humanos, não se multiplica.

A crise da água foi um dos temas de 1989 no Brasil, com a maioria das capitais brasileiras enfrentando problemas de abastecimento. No Rio Grande do Sul, Bagé tornou-se símbolo da estiagem. À época, já se sabia: a tendência era de agravamento da situação ao longo das próximas décadas. O órgão responsável pela água em Porto Alegre disse que a situação na Capital era tranquila: o problema (já) era o esgoto lançado no Guaíba.

No fim da década de 1980, reportagem em ZH alertou que a indústria do couro tinha um custo social muito elevado. A “morte lenta” dos rios Taquari, Gravataí, Sinos e Guaíba, o comprometimento da qualidade da água e o fim da pesca simbolizariam “a despreocupação com o futuro, condenado pela mistura de metais pesados e esgoto domésticos, com reflexos letais, em que a impunidade e a crise de autoridade não têm similar”.

A ficção científica – sempre ela – detectou a escassez de água e imaginou futuros catastróficos. No romance que virou filme Duna (1965), de Frank Herbert, o povo Fremen era conservacionista em um mundo sem chuva. Espremia até a última gota de H2O do cadáver dos oponentes mortos. A franquia Mad Max é outra que imaginou o mundo virado em um grande deserto, em que um déspota controla o estoque de água potável.

Em 1941, o centro de Porto Alegre foi tomado pelas águas do Guaíba. O lago ficou 3,75 metros acima do nível normal. O episódio motivou a construção do Muro da Mauá e a canalização do
Arroio Dilúvio.

A seca faz parte do folclore e da constituição da Austrália: na virada do século 20, uma severa estiagem levou à recessão econômica que resultou na união de seis colônias britânicas em uma única federação, em 1901.

Na década de 1840, o Rio de Janeiro instituiu um grupo de trabalho para resgatar a Floresta da Tijuca depois de anos de desmatamento e exploração agrícola comprometerem o Rio Carioca, um dos principais mananciais que serviam à população. “Que se providencie, quanto antes, a conservação das matas, tanto das Paineiras, como da Tijuca, em toda a extensão das cabeceiras e vertentes dos rios Carioca e Maracanã”, propunha o relatório.

MAIS NESTA EDIÇÃO:

texto

Fernando Corrêa

 

 

design

Leonardo Azevedo

Henrique Tramontina

1840