O consumo por streaming afirmado, o sertanejo no topo das paradas, boas novas no âmbito instrumental e regional: na música, 2016 deu continuidade ao que se viu nos anos anteriores. Mas algumas notas chamaram a atenção – da afirmação de novos projetos e palcos em Porto Alegre, como Sgt. Peppers e Café Fon Fon, à criação de um dos maiores festivais do mundo, o Desert Trip. Confira um resumo do ano musical neste segundo capítulo da retrospectiva cultural da temporada.

RETROSPECTIVA

2016

MÚSICA

RENOVAÇÃO INSTRUMENTAL

Segue impressionando o crescimento da música instrumental feita no Rio Grande do Sul. Desde o início dos anos 2010 que o cenário avança em quantidade e qualidade. E em 2016 não foi diferente, começando com o 2º Festival Porto-Alegrense de Bandas Instrumentais, que reuniu 10 formações durante o primeiro final de semana de abril. Foi também o ano de grandes lançamentos, como o novo disco do Quartchêto e a estreia do Instrumental Picumã. Em comum, bandas formadas por músicos tarimbados do Rio Grande do Sul que primam pela mistura de sons regionais com influências latino-americanas para além do óbvio.

TROPIX, de Céu

 

REMONTA, de Liniker e os Caramelows

 

LEMONADE, de Beyoncé

 

A MOON SHAPED POOL, de Radiohead

 

BLACKSTAR, de David Bowie

 

BLUE & LONESOME, de Rolling Stones

 

LAPSO, de Trem Fantasma

 

OUTRA ESFERA, de Tássia Reis

 

THIS IS ACTING, de Sia

 

MELHOR DO QUE PARECE, de O Terno

GRAMMY CHANCELA NOVA GERAÇÃO DOS RAMIL

É como dizem: a fruta nunca cai longe da árvore. Com a família Ramil, esse ditado faz ainda mais sentido. Depois de Vitor e de Kleiton e Kledir, a segunda geração dos Ramil se consolida no cenário musical – e com direito a Grammy Latino. Com dois belos álbuns, Ian, filho de Vitor, e seu primo, Thiago Ramil, concorreram em três categorias do prêmio: Derivacivilização, segundo disco de Ian, disputou como melhor álbum de rock em português e como artista revelação, enquanto Leve embora, o debut de Thiago, tentou um troféu como melhor álbum pop em português. Deu para Ian, que dividiu o prêmio de melhor álbum de rock em português com a banda Scalene.

O MAIOR MORROSTOCK

Espaço cativo para a música alternativa, o Morrostock apresentou neste ano sua maior e mais bem acabada edição. Em novo endereço, na região rural de Santa Maria, o festival montou dois palcos para receber artistas locais (Apanhador Só, Pata de Elefante, Wander Wildner, Julio Reny, Identidade, Cartolas, Bloco da Laje), nacionais (Liniker, Boogarins, Ava Rocha) e internacionais (Cuatro Pesos de Propina, Sonido Satanas, Proyecto Gomez Casa). Foram três dias ininterruptos de música e convivência, com forte conexão com a natureza e celebração da liberdade.

HISTÓRIA DOCUMENTADA

Duas das principais bandas de rock do Rio Grande do Sul tiveram suas histórias contadas em livro neste ano. Escrito pelo jornalista do Segundo Caderno Alexandre Lucchese, Infinita highway – Uma carona com os Engenheiros do Hawaii (Belas Letras, 328 páginas) narra dos primeiros ensaios e shows até o período de maior exposição e sucesso comercial do grupo porto-alegrense, focando no núcleo composto por Humberto Gessinger, Augusto Licks e Carlos Maltz. Com assinatura do jornalista Marcelo Ferla, que também trabalhou no Segundo Caderno, Nenhum de Nós – A obra inteira de uma vida (Belas Letras, 224 páginas) é mais abrangente, chegando até os dias de hoje do grupo formado por Thedy Corrêa, Carlos Stein, Sady Hömrich, Veco Marques e João Vicenti.

O SERTANEJO FEMININO E FEMINISTA

Historicamente um meio dominado por homens, o sertanejo foi tomado pelas mulheres em 2016. Se antes elas frequentavam apenas o imaginário dos compositores (e quase sempre tratadas como objeto de desejo ou desgraça), agora ocupam a linha de frente do gênero, compondo, tocando e cantando – e dominando as paradas de sucesso. Nos serviços de streaming, nomes como Maiara & Maraisa, Marília Mendonça e Simone & Simaria brigam de igual para igual com divas do pop internacional, como Rihanna, Ariana Grande e Beyoncé. Mas, ao contrário de suas predecessoras, como Paula Fernandes ou mesmo Roberta Miranda, a atual safra se destaca por uma postura feminista, com letras em que celebram o empoderamento das mulheres, como Infiel, 50 reais e Regime fechado.

GUNS, O RETORNO

O Guns N’ Roses foi, talvez, o maior representante da última época de excessos do rock. Excesso de dinheiro, de fama, de abusos químicos e de genialidade. Com menos de 10 anos e cinco discos de estúdio, a formação original se desfez, mas permaneceu com tanta força no imaginário popular que uma reunião parecia questão de tempo. Demorou 25 anos, mas Axl Rose, Slash e Duff McKagan voltaram a tocar no mesmo palco, na sarcasticamente intitulada turnê Not in this lifetime...

A excursão, uma da mais lucrativas do ano, rodou o mundo e passou por Porto Alegre em novembro. Sem nenhuma surpresa, a banda continuará a tilintar sua caixa registradora em 2017.

REDUTOS DA BOA MÚSICA

Espaços de médio e pequeno porte movimentaram o cenário da música autoral em Porto Alegre ao longo de 2016, servindo de vitrine e fomentando talentos de todo tipo. O Sgt. Peppers deu tratamento de luxo aos clássicos com o projeto Noites Especiais, do músico Antonio Villeroy, que trouxe Ivan Lins, Jards Macalé, Ed Motta e outros gigantes da música brasileira. Meme Santo de Casa e Café Fon Fon apostaram pesado em artistas nacionais e internacionais de música popular, abrindo seus palcos para encontros e lançamentos de discos. Já o London Pub manteve seu microfone aberto para performances da velha guarda e da nova geração do jazz no Rio Grande do Sul. Vida longa a todos!

A ASCENSÃO DE TIAGO IORC

Ele foi onipresente em 2016. Fruto do sucesso de Troco likes, a ascensão de Tiago Iorc transformou o brasiliense de pais gaúchos em fenômeno de popularidade e presença recorrente nas listas de mais tocados do ano. Não é à toa que o mais recente show do músico em Porto Alegre, sexta-feira passada, bateu recorde de audiência: Iorc registrou o maior público do Auditório Araújo Vianna, que tem capacidade total de 3,6 mil pessoas, desde sua reabertura, em 2012. Isso que ele já havia pisado em terras gaúchas em setembro – e foi confimado no Planeta Atlântida 2017, em fevereiro. Sucessos como Amei te ver, Chega pra cá e Bang (cover de Anitta) fazem o artista acumular milhões de visualizações no YouTube e emplacar trilhas de novela – a mais recente, Me espera, parceria com Sandy, foi incluída em Love story, que vai ao ar na RBS TV.

PERDAS IRREPARÁVEIS

2016 será marcado como o ano da morte de pelo menos três gênios da música moderna. No dia 10 de janeiro, David Bowie partiu em definitivo, apenas dois dias após o lançamento de seu disco-testamento, Black Star. Um dos artistas mais completos da história, dono de um legado irretocável, o britânico estava com 69 anos e lutava contra um câncer no fígado. Depois foi a vez de Prince, morto aos 57 anos no dia 21 de abril. Um dos maiores artífices da música pop, vossa excelência púrpura está entre os que mais contribuíram para a dissolução das fronteiras musicais, deixando uma herança de dezenas de grandes canções.

E, por fim, no dia 7 de novembro o mundo ficou menos elegante com a morte de Leonard Cohen. O canadense de 82 anos faleceu três semanas depois de lançar You want it darker, um discaço de poesia crua e sentimental para as novas gerações.

PERSPECTIVA 2017

Na esfera da música popular brasileira, nada deverá deter o avanço do sertanejo, que (salvo um meteoro colidir contra a Terra) continuará seu domínio nas listas de mais ouvidos em 2017, com um sem-número de duplas pipocando por todos os lugares. Mas o ano que vem terá também lançamentos interessantes, como o terceiro álbum do Boogarins (que já está gravado) e o novo de Karol Conka, sucessor de Batuk freak (2013). A Nação Zumbi já adiantou que irá apresentar não um, mas dois trabalhos em 2017, assim como Mallu Magalhães. Quem já tem até título para os novos álbuns e está só esperando o ano virar são Sepultura (Machine messiah), Flaming Lips (Oczy mlody) e The XX (I see you). Nomes consagrados que há muito estão afastados dos estúdios também devem retornar em 2017, como Arcade Fire, Depeche Mode e Gorillaz.

CLÁSSICOS NO DESERTO

Esqueça os festivais focados nas últimas novidades da semana, cheios de músicos cheirando a leite e tomados por hipsters. O grande acontecimento do ano, na música, foi o Desert Trip, festival que reuniu, durante dois finais de semana de outubro, um lineup composto “apenas” por Bob Dylan, Rolling Stones, The Who, Roger Waters, Neil Young e Paul McCartney (os dois últimos na foto acima). Cerca de 150 mil pessoas compareceram ao Empire Polo Grounds, na cidade de Indio, na Califórnia (EUA), para prestigiar alguns dos maiores revolucionários da música popular mundial. Deu tão obviamente certo que uma nova edição já foi anunciada, ainda sem data e local para ocorrer, em 2017.

DISCOS DO ANO

10

Atualizado em 28 de dezembro de 2016

textos

Gustavo Brigatti

Gustavo Foster

DESIGN

Thais Longaray