Com a Fundação Iberê Camargo e a Bienal do Mercosul em crise, as exposições de artistas locais reafirmaram a força da arte visual gaúcha e projetos como a Noite dos Museus apontaram novos caminhos a serem percorridos. Confira um resumo do ano na área.

RETROSPECTIVA

2016

ARTES VISUAIS

MEMÓRIA ILUSTRADA

O lançamento do livro A modernidade impressa: Artistas ilustradores da Livraria do Globo – Porto Alegre, acompanhado por exposição homônima no Margs, resgatou a riqueza de um período inovador na arte do Rio Grande do Sul, entre os anos 1920 e 50. Resultado de 15 anos de pesquisa da historiadora Paula Ramos, a obra conta a história da Livraria e Editora Globo a partir das belas ilustrações de livros e revistas assinadas por artistas como João Fahrion, Sotero Cosme, Nelson Faedrich e Edgar Koetz. Com quase 700 páginas, a publicação virou referência no tema e foi reconhecida como livro do ano no Açorianos de Literatura. Já no Açorianos de Artes Plásticas, foi escolhido como destaque em textos, catálogos e livros publicados. A exposição, por sua vez, rendeu o prêmio de destaque em curadoria para Paula Ramos. Em cartaz entre 25 de junho e 21 de agosto, a mostra recebeu um total de 19 mil visitantes.

EXPOSIÇÕES PÓSTUMAS

Donas de trabalhos delicados, três artistas que morreram em 2015 tiveram sua obra revisitada. Cláudia Barbisan, que transitou entre o rock, a pintura e a ilustração, foi homenageada com a mostra F E S T I V A F E T I V A, que ocupou os dois andares da Galeria Mamute, de abril a setembro. Destaques da chamada geração 80, Maria Lúcia Cattani e Gisela Waetge também foram lembradas. Na Pinacoteca Barão de Santo Ângelo, Gestos e repetições trouxe a precisão gráfica de Maria Lúcia, que ensinou gravura no Instituto de Artes da UFRGS, com trabalhos –

da gravura à videoarte – que não eram expostos há mais de 20 anos. Gisela ganhou uma mostra com a curadoria da filha, Luisa Kiefer, e de Eduardo Veras, com obras que podem ser vistas até 31 de março no Instituto Ling.

MODERNIDADE IMPRESSA: ARTISTAS ILUSTRADORES DA LIVRARIA DO GLOBO, com curadoria de Paula Ramos, no Margs

 

SENHOR DA VÁRZEA, DA ARGILA E DO FOGO, de Francisco Brennand, com curadoria de Emanoel Araujo, no Santander Cultural

 

PAISAGEM MORALIZADA, de Nara Amélia, na Bolsa de Arte

 

A ESCULTURA EM TRAÇO, de Vasco Prado, com curadoria de Paulo Amaral, no Santander Cultural

 

DORALICE COLLECION +5!!, de Carlos Pasquetti, na Pinacoteca Ruben Berta

 

STILLE BEWEGUNGEN. MOVIMENTOS SILENCIOSOS, no Margs, e mostra de vídeos, no Instituto Goethe, ambas de Marcel Odenbach, com curadoria de Vanessa Müller

 

A FOTOGRAFIA COMO CORPO PERFOMATIZADO: A AUTORIDADE DA IMAGEM CONSTRUÍDA, coletiva com curadoria da Niura Ribeiro, na ESPM-Sul

 

GESTOS E REPETIÇÕES, de Maria Lucia Cattani, com curadoria de Maristela Salvatori e Paulo Silveira, no Instituto de Artes da UFRGS

 

PODER. AMAR., de David Ceccon, na Fotogaleria Virgilio Calegari

 

LUZ E MATÉRIA, de Sergio Camargo, com curadoria de Paulo Sergio Duarte e Cauê Alves, na Fundação Iberê Camargo

MOSTRAS PARA COMEMORAR

O ano foi de celebração de longevas carreiras na arte. Comemorando 60 anos de trajetória, Clara Pechansky

recebeu a homenagem Rememórias, no Margs. Zoravia Bettiol marcou seus 60 anos de produção com a exposição Pressão/libertação – O eterno confronto, em seu ateliê na zona sul da Capital. Já Marília Fayh foi objeto da mostra Esculturas e gravuras, no Margs, que ganhou um livro de mesmo nome, marcando seus 30 anos de atividade.

BIENAL POLÍTICA

As bienais são sempre políticas, mas a 32ª Bienal de São Paulo alcançou outro patamar. Um dia antes da abertura oficial, a exposição foi notícia por conta de um protesto de artistas vestidos de preto e portando faixas com a inscrição “Fora Temer”. Não faltou engajamento político à mostra em si, que convidava a uma ecológica reflexão sobre a relação do homem com o planeta a partir do tema Incerteza Viva. Também foi política a opção do curador Jochen Volz por tornar a participação feminina maioritária – 47 nomes da lista de 81 artistas e coletivos de

33 países eram de mulheres. Apesar de receber críticas pesadas, o evento foi um sucesso de público, atraindo 900 mil visitantes em quatro meses.

A política certamente estará presente na próxima Bienal de São Paulo, mas o novo presidente já sinalizou que deseja um evento “mais poético”.

OCUPAÇÃO NOTURNA

Foram cenas emocionantes: de repente, a mesma Porto Alegre intimidada pela violência lotava a Praça da Alfândega na noite de 21 de maio, com filas transbordando do Museu de Arte do Rio Grande do Sul e do Memorial do Rio Grande do Sul. E o motivo era a cultura.

O mesmo ocorria perto da Fundação Iberê Camargo, do MAC-RS, do Museu da UFRGS, do Museu Joaquim Felizardo, da Pinacoteca Ruben Berta e do Planetário. Deu muito certo a primeira edição porto-alegrense da Noite dos Museus, inspirada no evento Lange Nacht Der Museen (“A longa noite dos museus”), já tradicional em Berlim, Alemanha. Milhares de pessoas circularam por oito instituições culturais que mantiveram as portas abertas das 19h à meia-noite e até mesmo superaram a previsão de público. Dentro dos prédios, 30 atrações se revezavam oferecendo música ao vivo como trilha sonora para as exposições. Ao final, restou a lição da experiência bem-sucedida de levar multidões para museus. Os organizadores planejam nova edição em 2017.

FUNDAÇÃO IBERÊ EM CRISE

Depois de duas grandes exposições neste ano, a Fundação Iberê Camargo (FIC) não conseguiu nos oferecer a terceira, sobre a história do espaço Torreão. O edifício abriga agora apenas a mostra Iberê Camargo: Diálogos no tempo, em cartaz no segundo andar, e a fachada encardida (foto abaixo) é um efeito visível da redução dos serviços de manutenção do prédio. Ao longo do ano, vimos o agravamento de uma crise que em 2015 já havia interrompido os programas Artista Convidado e Bolsa Iberê Camargo. Em agosto, a instituição demitiu vários funcionários, anunciou a redução do seu horário de visitação de seis dias por semana para apenas dois (sextas e sábados) e confirmou a suspensão do projeto de catalogação da obra completa de Iberê. Em dezembro, a Fundação lançou uma campanha para receber doações de Imposto de Renda do público. O novo presidente, Justo Werlang, não dá garantia do que virá em 2017, mas o plano de captação que prevê a volta à normalidade já foi enviado ao Ministério da Cultura. Certo é que a FIC está revendo o seu modelo e tudo indica que não sairá a mesma da crise.

BIENAL ADIADA

Depois de uma conturbada edição em 2015, com orçamento reduzido em comparação a anos anteriores, veio o anúncio, em julho, de que a Bienal do Mercosul passaria por “profundo processo de crítica e reinvenção institucional”. O ápice dessa reestruturação veio em dezembro, com a confirmação de que a mostra pularia um ano, sendo realizada em 2018, entre 5 de abril e 4 de junho. Em entrevista coletiva, o novo presidente do conselho da Fundação Bienal do Mercosul, Gilberto Schwartsmann, confirmou o crítico de arte alemão Alfons Hug como curador e confirmou as dificuldades financeiras – o orçamento-base para a mostra de 2018 será de R$ 3 milhões. O presidente também salientou que a escolha da temática da Bienal 2018, chamada de O Triângulo do Atlântico, formado por Europa, América e África, é resultado de um encontro dele com Hug.

ATELIER  LIVRE EM APUROS

A situação do Atelier Livre Xico Stockinger, da prefeitura de Porto Alegre, agravou-se tanto que um grupo de artistas e professores lançou um manifesto denunciando sua possível desativação. Grandes nomes gaúchos passaram pela escola de arte criada há 55 anos que hoje sofre com falta de professores e equipamentos. Outra iniciativa para preservar instituições municipais resultou na criação da Associação de Amigos das Pinacotecas de Porto Alegre.

AS PERDAS DE 2016

Entre as perdas importantes no campo das artes visuais está a do gaúcho Antonio Soriano (ao lado). Frequentemente apontado como sucessor de Ado Malagoli, ele era conhecido por suas pinturas de paisagens regionais e bucólicas. Morreu vítima de câncer, aos 72 anos. Pioneiro da tapeçaria no Estado, o artista e professor Yeddo Titze (ao centro) morreu aos 81 anos, correndo o risco de ser enterrado como indigente, pois não possuía parentes próximos que liberassem seu corpo do IML. Foi sepultado depois de mais de 10 dias. No âmbito nacional, a morte de Tunga (na sequência), também vítima de câncer, despertou comoção no país e no Exterior. Ele tinha 64 anos e havia alcançado grande projeção internacional, com esculturas e instalações disputadas por colecionadores e museus do porte do MoMA e do Reina Sofia.

PERSPECTIVA 2017

O ano começa sem a expectativa de Bienal do Mercosul, adiada para 2018.

A agenda da Fundação Iberê Camargo, com cinco mostras previstas, depende de captação de recursos. Também sem patrocínio está a promissora exposição que o Margs pretende fazer em julho sobre o gravador e pintor alemão Albrecht Dürer. Outra aposta do Museu de Arte do RS é Os cem anos de arte Contemporânea, com curadoria de José Francisco Alves, em março. O Santander Cultural abrirá sua programação

em 14 de março com o projeto

RS Contemporâneo, agora focado em novos curadores – André Venzon apresentará a Coleção Justo Werlang. Maio trará três exposições dos artistas Albano Afonso, Barrão e Luiz Zerbini, e agosto terá uma grande mostra sobre a diversidade na arte: Queermuseu, com curadoria de Gaudêncio Fidelis. Já o Museu do Trabalho vai expor, em abril, o projeto realizado pelo grupo Atelier D43 durante residência artística na França. Haverá ainda a quarta edição de Pintura e desenho – A novíssima geração, voltada a jovens artistas. Em setembro, Porto Alegre ganhará seu primeiro Simpósio Internacional de Esculturas.

40 ANOS DE UMA REVOLUÇÃO

A Fundação Vera Chaves Barcellos deu a largada para as comemorações dos 40 anos do Nervo Óptico com uma exposição no Centro Cultural São Paulo. A curadora Ana Albani de Carvalho reuniu trabalhos de Carlos Asp, Carlos Pasquetti, Clóvis Dariano, Mara Alvares, Vera Chaves Barcellos e Telmo Lanes, além de documentos do grupo que revolucionou o circuito artístico de Porto Alegre entre 1976 e 1978, apostando no uso experimental da fotografia e em proposições conceituais. Nervo Óptico: 40 anos pode ser visitada na capital paulista até 12 de março.

MELHORES DO ANO

10

Atualizado em 28 de dezembro de 2016

textos

Luiza Piffero

Fernanda Grabauska

Roger Lerina

DESIGN

Thais Longaray