Material apreendido na casa de S.R. mostra ligação com o grupo Crew 38, que produz e divulga músicas de "poder branco". Ao centro, a caxiense M.T. com camiseta da Misanthropic Division. Fotos: Divulgação OS GAÚCHOS INVESTIGADOS

A 1ª Delegacia de Polícia de Porto Alegre investiga nove jovens gaúchos suspeitos de integrar grupos de neonazistas ou de estar envolvidos com recrutamento para lutar na Ucrânia. Os crimes apurados são apologia ao nazismo (Lei 7716/89, artigo 20 do Código Penal, sobre praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência), que prevê possibilidade de um a três anos de prisão, e organização criminosa (Lei 12850/13, artigo 2º), que prevê de três a oito anos de reclusão. Três suspeitos já depuseram, um de Canoas, outro de Viamão e uma jovem de Caxias do Sul, e um quarto envolvido, também da Serra, vai depor no final de janeiro. Os agentes estão priorizando a análise e a perícia dos materiais apreendidos em dezembro.

 

M.T.

Apontada pela Polícia Civil como a intelectual que teria a missão de recrutar outras mulheres para a criação de uma célula da Misanthropic Division no Brasil, a MD Girls, M.T., 29 anos, é estudante de línguas e mora em Caxias do Sul. Começou a se interessar por ideias ligadas ao neonazismo com a leitura dos livros de Siegfried Ellwanger Castan. O contato com as ideias a levou a conhecer um grupo de extremistas na Serra. De 2013 a 2015, ela namorou um europeu filiado a um partido de extrema-direita.

– É estudiosa, uma visionária que auxilia no trabalho de conscientização da evolução do movimento – afirma o delegado Paulo César Jardim.

A suspeita abastecia um blog, chamado European Culture, com textos sobre povos do Velho Continente. O talento dela chamou a atenção do italiano Francesco Fontana.

Na rede social russa VK (Vkontakte), a gaúcha postou pelo menos uma mensagem polêmica, no mural de um neonazista do Leste Europeu, e criticou as “Brigadas de Terror Arianas (ATB, em inglês)” que lutam entre si: “Nos últimos anos, tentamos manter unido o movimento do orgulho branco entre os irmãos. E suponho que qualquer um que quebrar a regra de não lutar entre si deve ser tão duramente punido como um Zog (Governo de Ocupação Sionista, teoria antissemita que defende que os judeus controlam determinado país, enquanto o governo oficial é um regime fantoche)”.

Bandeiras e camisetas da Misanthropic Division, presentes do italiano Francesco Fontana, revelam a proximidade que M.T. construiu com o grupo.

 

S.R.

Aos 27 anos, S.R., conhecido pelo apelido de G, é envolvido com grupos neonazistas em Caxias do Sul e Região Metropolitana desde os 17. Em 2011, participou de uma briga em um bar da Capital. Ferido, foi parar no Hospital de Pronto-Socorro (HPS), junto com outras três pessoas – um dos detidos na confusão ostentava tatuagem com a inscrição “Mein Kampf”, em alusão ao livro de memórias de Adolf Hitler. Amigo próximo do também investigado B.M., que é apontado pela Polícia Civil gaúcha como um dos mais atuantes neonazistas do Estado, S.R. começou a adotar a ideologia extremista por influência de um dos fundadores do movimento skin-nazista na Serra. Seu histórico descreve um sujeito violento.

Apesar disso, o jovem leva uma vida aparentemente normal. Empregado na indústria, alterna a rotina entre o trabalho e a vizinhança no bairro Fátima, onde cresceu e mora com os familiares. Nas ruas, porém, adquiriu fama por andar com outros adeptos do extremismo. Os principais pontos de encontro deles são a Estação Férrea, reduto da boemia em Caxias, e um bar do bairro São Pelegrino. Entre os alvos, além de punks e antifas (antifascistas, também violentos), estão imigrantes e travestis.

O jovem S.R. foi até São Paulo para encontrar o italiano Francesco Fontana entre outubro e novembro de 2015, e sentou à mesa junto com M.T., outra suspeita de Caxias investigada. Ele ainda viajou para a Europa em novembro de 2016 para encontrar membros do grupo Crew 38, uma espécie de clube, também denominado Hammerskin, cujas principais finalidades são produzir e divulgar música de “poder branco”, intitulada Rock Against Communism (RAC), e discutir ideias relacionadas à supremacia branca. Para fazer parte do Crew 38, os sócios pagam mensalidade. Como S.R. passou a ser monitorado pela polícia, foi descredenciado. A reportagem fez contato com ele, que disse que não iria se manifestar.

 

B.M.

Atuante desde a adolescência, B.M., morador de um bairro de classe média de Viamão, é um dos militantes extremistas com maior número de experiências no currículo. Entre 2007 e 2013, acumulou nove ocorrências policiais, a maioria por lesão corporal, sendo três delas em Caxias do Sul.

Aos 17 anos, foi preso na Redenção, na Capital, durante uma briga com punks – antigos rivais dos neonazistas devido ao seu perfil desleixado e libertário. Na mesma época, respondeu por tentativa de homicídio por ter esfaqueado um homem. Permaneceu internado na Fase por três meses. Atualmente, é réu na Justiça Federal, junto de outros comparsas, pelas acusações de formação de quadrilha, apologia ao nazismo, propaganda de discriminação racial e porte ilegal de munição.

A denúncia do Ministério Público Federal diz que os crimes teriam ocorrido entre 2007 e 2010, período em que B.M. teria se associado ao projeto Neuland (Terra Nova, em alemão). Também participou de diversas brigas coletivas, algumas delas agendadas pela internet para ocorrer em Porto Alegre nas cercanias de bares da Avenida Independência.

Embora apresente perfil violento, também é um estudioso e doutrinador, com dedicação à leitura e formação nacional-socialista.

Ainda na juventude, mergulhou na ideologia como forma de vida e adquiriu conhecimento. Viajou para encontrar extremistas em Minas Gerais, São Paulo, Argentina, Uruguai e Chile. Viveu e trabalhou nesses locais por breves períodos. Entre 2014 e 2015, chegou a planejar uma viagem de “glória” e “honra” à Ucrânia para lutar ao lado dos neonazistas alistados no Batalhão Azov, em oposição às tropas pró-Rússia, mas o desejo acabou não se concretizando.

Entre as diversas tatuagens que exibe, algumas delas são de símbolos como a suástica, a SS e a imagem de Hitler. Na parte frontal do pescoço, abaixo do queixo, cultiva uma águia nazista, acompanhada de números relacionados à doutrina hitlerista.

Atualmente com 26 anos, B.M. trabalha em um mercado de Porto Alegre e faz curso superior. A reportagem conseguiu conversar com um parente dele, em frente à residência da família, em Viamão. O relato foi de que o rapaz, de fato, se envolveu em diversas confusões no passado, incluindo brigas entre torcidas da dupla Gre-Nal. O familiar disse acreditar que, nos últimos meses, B.M. está procurando se afastar da ideologia neonazista. Ele jogou fora os coturnos e deixou de raspar a cabeça, duas características dos skinheads. Foi relatado que o jovem investiu recentemente suas economias na reforma do quarto, onde tem passado parte das horas de folga escutando música gaúcha. O próprio B.M., em depoimento à Polícia Civil, afirmou que se afastou dos antigos companheiros de ideário e de violência. Disse que está procurando dar outro rumo à vida, embora ainda se sinta socialmente alijado em alguns momentos. Dependendo do lugar a ser frequentado, cobre o corpo para esconder tatuagens. Costuma andar ressabiado pelas ruas em razão da quantidade de inimigos acumulados.

 

K.R.

Prestes a completar 27 anos, K.R. esteve na Ucrânia em 2014, usando uma rota de avião pelo Chile, para receber treinamento militar e lutar no Batalhão Azov contra as tropas separatistas. É um dos investigados de perfil violento, também conhecido pelo apelido de Homem-Bomba, devido à habilidade para fabricar artefatos explosivos caseiros, destreza que teria aprimorado na Europa. O jovem serviu na Base Aérea de Canoas, cidade onde reside com a família, e demonstra ter um culto pelo militarismo, fisiculturismo, violência e armas de fogo.

Nas redes sociais, postou fotos com rifle no período em que teria passado na Ucrânia. Em depoimento, ele negou a viagem e disse se tratar de uma montagem para impressionar uma mulher. Na sua residência, foram encontrados restos de materiais utilizados para a montagem de explosivos pela polícia.

K.R. é um sujeito mais solitário, que costuma atuar de forma independente. Não tinha expressão no movimento de nacionais-socialistas do Rio Grande do Sul, mas ganhou envergadura ao se alistar no Batalhão Azov. Estudou engenharia química e desenvolveu habilidades como desenho, construção civil e corte de metais para preparação de facas e machados. No desporto, domina movimentos de ginástica e pratica artes marciais.

A radicalização de K.R. apresenta pontos controversos. Punk no passado, acabou agredido por um dos neonazistas mais antigos, violentos e conhecidos das autoridades gaúchas, de iniciais L.T.. Com o ego ferido e em busca de redenção pessoal, K.R. deixou de ser punk e passou a seguir ideologias mais próximas do nacional-socialismo, a exemplo do seu agressor.

Em uma rede social, o jovem chegou a adotar o sobrenome Berserker, referência a guerreiros nórdicos – eles seriam parte da origem da raça ariana – que ficaram conhecidos na história por sua fúria em combate.

Os seguidores destas ideologias costumam ser conservadores e mais atrelados a ordens religiosas do ocidente. Mas, nos últimos tempos, K.R. se aproximou das doutrinas do islamismo. Serviços de monitoramento informaram que, recentemente, ele passou a manifestar simpatia a grupos extremistas na internet.

A reportagem localizou a residência de K.R. em um bairro de Canoas, que oscila entre as classes média e média-baixa. Uma familiar, breve nos comentários e descontente com a presença de um repórter, apenas disse que o rapaz não se encontrava por aqueles dias. Asseverou que não tinha nada a declarar e que, caso o jovem estivesse no local, a resposta seria a mesma.

 

C.A.M.

Um dos suspeitos investigados por envolvimento com a Misanthropic Division abastecia, desde Cruz Alta, um blog de doutrina nazista com assuntos como os 12 mandamentos dos nacionais-socialistas, a Juventude Hitlerista, o código de conduta do ariano e a cartilha para a criação de um mundo livre de negros, mestiços, homossexuais e outras “aberrações”. C.A.M. foi preso no dia 8 de dezembro com munição ilegal e um vasto material de apologia ao neonazismo, crime que prevê possibilidade de reclusão de um a três anos. O blog, tomado por mensagens de ódio, foi desativado um dia depois, mas a reportagem teve acesso ao conteúdo das postagens. Por vezes contraditórias, elas pregam que o seguidor da ideologia “seja intolerante com aquilo que prejudica, periga e é nocivo para a raça (ariana)” e, ao mesmo tempo, busque “tornar o mundo melhor e mais nobre” e defenda “ideais nobres e humanos da justiça e cortesia”.

– O rapaz é muito inteligente, mas não é de ações, faz apenas divulgação do material deles e pesquisa muito sobre o tema – afirma o delegado Jardim.

A internet, para os neonazistas, é uma arma importante de propaganda ideológica. As postagens deixam claro como a rede deve ser utilizada para evitar o rastreamento dos órgãos de segurança. A Misanthropic Division aconselha a usar um browser no qual “você pode navegar com 100% de anonimato”. Além disso, recomenda que os encontros com simpatizantes ocorram em lugares públicos: “Informe a um irmão de causa e exija que o futuro recruta vá sozinho”.

O blog também trazia “as etapas de restauração da ordem ariana”, conforme a visão da célula da Misanthropic Division no Brasil: militar, lutar, destruir, construir e proteger. Em tom delirante, o blog dizia que “é preciso estruturar muito bem as células para então chegar ao confronto armado, destruindo o Estado, os judeus, os negros e os mestiços”. Em seguida, deve-se assentar a população ariana em locais isolados: “Organize-se com os seus camaradas e comecem a migrar para o campo, compre grandes espaços de terras para a criação de sítios brancos autônomos”. A última etapa, “após alcançado o objetivo de segregação”, é proteger o povo a qualquer custo ante a ameaça de extinção da raça ariana.

 

R.M. e F.M.

Dois irmãos de Passo Fundo são investigados pela polícia. Skinheads, já estiveram envolvidos em várias ações suspeitas. Os dois têm ligação com os investigados de Caxias do Sul e de Viamão. Apesar de vasto material neonazista ter sido apreendido na casa deles no dia da ação policial, não são integrantes da Misanthropic Division e não tiveram contato com o italiano Fontana.

 

S.M.

A garota investigada em Erechim é irmã dos dois suspeitos de Passo Fundo e amiga da jovem investigada em Caxias. É integrante da Misanthropic Division Girls, mas não esteve em reuniões e não manteve contato com Fontana.

 

A.V.S.

O jovem de São Nicolau manteve várias reuniões com os integrantes do MD de Caxias do Sul e é considerado um integrante ligado à ação. A polícia ainda não tem indícios de que ele pretendia ir para a Ucrânia.

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