Artefato com símbolo associado à supremacia ariana apreendido em Caxias . Foto: Ricardo Wolffenbüttel, BD FOCOS DE RADICALISMO
RACIAL EM CAXIAS DO SUL

Desde a década de 1990, movimentos de extrema-direita são registrados na Serra Gaúcha, contribuindo para a região ser vista como um terreno propício a focos neonazistas. O primeiro grupo conhecido pelas autoridades foi fundado por Leandro Maurício Patino Braun, o Bitter, um skinhead-nazista que teve de deixar Caxias do Sul depois de ser ameaçado de morte por ex-companheiros.

Em 2009, o grupo de Bitter foi desmantelado por dissidentes, que formaram uma célula da Neuland, uma organização violenta integrada por jovens de classe média e alta que pregavam a morte de judeus e homossexuais e pretendiam separar os Estados do Sul do resto do país.

Em 2016, Caxias voltou a figurar como foco de radicalismo racial a partir das conexões de M.T. e S.R. com o italiano Francesco Fontana e a Misanthropic Division, organização ultranacionalista que surgiu na Ucrânia. O flerte caxiense com o extremismo vai ainda mais longe, garante a escritora e historiadora da UCS Loraine Slomp Giron. Na sua tese de doutorado, Loraine pesquisou os motivos da grande adesão da burguesia local ao fascismo às vésperas da

II Guerra Mundial. Segundo ela, o município foi fortemente influenciado por Benito Mussolini nas décadas de 1920 e 1930 por causa da Igreja Católica, que incutiu na sociedade ideais fascistas que se refletem até hoje em momentos de crises econômicas e sociais:

– A Igreja defendia (o fascismo) no púlpito. A região, sempre muito católica, absorveu isso com grande facilidade. Nos anos 1970, uma pesquisa do filósofo e pensador Luís Alberto de Boni revelou que Mussolini era uma das principais figuras lembradas aqui.

O presidente da ONG Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Jair Krischke, recorda que, quando Getúlio Vargas declarou guerra ao Eixo, em 1942, os idiomas alemão e italiano foram proibidos no Rio Grande do Sul. Junto a isso, houve perseguição a descendentes na Serra:

– Gente da colônia foi torturada e presa. As famílias ficaram chocadas. Várias, até hoje, odeiam esse período e acham que aqueles ideais eram os corretos.

O ufanismo nacionalista atingiu o coração da cidade e os descendentes de imigrantes europeus passaram a sofrer represálias: a Praça Dante Alighieri, escritor italiano autor de Divina Comédia, passou a ser chamada de Praça Rui Barbosa. A mudança de nome ocorreu no dia 22 de maio de 1942 e durou até 1990, 45 anos depois do fim do conflito.

Outro fator apontado por especialistas para a manutenção da ideologia na região é uma identidade imaginada, como explica o doutor em História pela UFRGS Odilon Caldeira Neto:

– É a crença da preponderância do elemento europeu para essa identidade, que passa a ser vista como fator de diferenciação entre “nós” e os “outros”. Assim, determinadas partes do Sul estariam “naturalmente” propensas ao maior desenvolvimento devido ao elemento europeu, retirando, portanto, a imensa contribuição de povos africanos e indígenas à identidade nacional.

A trajetória do neonazismo em Caxias mostra que, ao longo dos anos, a ideologia vem recrudescendo. Na época de Bitter, as ações ocorriam quase sempre contra punks.

O extremista chegou a ser recolhido ao Presídio Central de Porto Alegre e será julgado por formação de quadrilha e tentativa de homicídio por participar de agressão contra três judeus – dois esfaqueados – na Capital, em 2005, na Cidade Baixa. Em outro episódio recente, em 2012, ele quase foi assassinado em Curitiba (PR) numa briga. No auge, o grupo dele contava com 30 membros, que frequentavam pontos tradicionais de Caxias, como a Estação Férrea, no bairro São Pelegrino. Com a ascensão da Neuland, as ações se tornaram mais violentas e o próprio Bitter passou a correr risco de vida. O plano era matá-lo e, para isso, seus antigos comparsas o convidariam para um churrasco numa casa do bairro de Galópolis, onde havia um quartel-general (QG) do movimento. No local, chegaram a ocorrer pelo menos seis festas neonazistas, uma em comemoração ao aniversário póstumo de Adolf Hitler. Em entrevista concedida à época ao jornal Pioneiro, Bitter disse que estava se livrando de um “vírus” e que sua vida tinha se tornado um inferno. Ele saiu de cena, e a organização agiu rápido para cometer pelo menos sete ataques contra homossexuais e negros em Caxias em poucos meses. Num dos casos, três travestis foram apedrejados na Rua Ernesto Alves, centro da cidade. Os autores agiam sempre em bando e circulavam com soqueiras, pedaços de pau, facas e armas de fogo.

O líder nacional da Neuland, o paulista Ricardo Barollo, foi preso em 2009 pelo duplo assassinato de Renata Waechter Ferreira, 21 anos, e Bernardo Dayrell Pedroso, 24 anos, em Quatro Barras (PR), em uma disputa de poder dentro da facção. Em dois anos, Barollo esteve diversas vezes em Caxias para manter contatos secretos com simpatizantes. Ele arrebanhou pelo menos 10 jovens para a causa. Por meio de líderes regionais, o paulista repassou armas, vindas da Argentina, aos seguidores.

Para o coordenador do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Caxias do Sul (UCS) Roberto Radünz, a expressiva presença de imigrantes negros em Caxias é um dos principais riscos no desenrolar da nova onda de extrema-direita:

– Esses grupos (extremistas) têm algumas pautas, como, por exemplo, xenofobia em relação aos imigrantes, sobretudo africanos. Ela se estende também a populações pobres. Ideologia significa, numa definição primária, um conjunto de ideias que explicam a realidade. No caso da extrema-direita, compõem esse conjunto de ideias a exaltação da violência e crenças de superioridade.

ESCALADA VIOLENTA

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