Balalo vive de
bicos e da várzea

Essa é a história de um jogador com o talento de milhares de dólares e com uma sorte de centavos de real. Luís Carlos da Silva Maciel poderia ter sido um dos grandes jogadores do Inter nos anos 1980. Mas algo se perdeu pelo caminho de Balalo.

Em 1985, o meia-atacante e “falso ponta-esquerda” embarcou com o seu colega de time júnior do Inter, o goleiro Taffarel, para a então União Soviética. Desembarcaram em Tbilisi (hoje capital da Geórgia, após a fragmentação da URSS) para disputar, pela seleção brasileira, o Mundial sub-20. No período de treino, ainda no Brasil, perderam um atacante vascaíno chamado Romário, um baixinho goleador, cortado por indisciplina. Naquele grupo comandado por Gilson Nunes estavam ainda os são-paulinos Müller e Silas, mais o atacante Gérson – então do Guarani, e que anos mais tarde seria campeão da Copa do Brasil pelo Inter –, além dos zagueiros Henrique e Luis Carlos, do volante João Antônio, do goleiro Chico e do atacante Cléber, todos do Grêmio.

A seleção foi batendo todos os adversários (sim, houve um tempo em que o Brasil ganhava de todos) e cruzando a URSS até chegar a Moscou para a final contra a Espanha. Balalo e Gérson já eram os goleadores do torneio, três gols cada. Na final, Henrique fez o gol do título. Silas foi eleito o craque do Mundial, e muitos dos campeões foram cogitados para a Seleção Brasileira de Telê Santana na Copa do Mundo do México, em 1986. Entre eles, Balalo.

Tudo corria às maravilhas na vida do guri de Uruguaiana nascido Luís Carlos, apelidado na primeira infância de Lalo e que, por causa das travessuras comuns aos pirralhos, virou Balalo.

– Minhas tias diziam “bah, Lalo”, cada vez que eu aprontava. Acho que aprontei muito quando guri porque, de repente, o meu apelido já era Balalo – conta o ex-jogador do Inter, hoje um jovem avô de 51 anos que leva uma vida simples em Caxias do Sul.

Naquele segundo semestre de 1985, enquanto aguardava pacientemente pela convocação definitiva de Telê, Balalo recebeu uma oferta da Udinese. O clube italiano estava revendendo Zico ao Flamengo e buscava um jovem talento no Brasil. À época, o jogador tinha direito a 15% da transação. Ainda novo, com 20 anos, ele já sonhava com o contrato que mudaria a sua vida:

– Eles me ofereceram US$ 30 mil por mês mais um apartamento mobiliado, com uma BMW na garagem. Aquilo era uma fortuna. É claro que eu quis ir.

O Inter, porém, não vendeu o campeão mundial de juniores. Mas também não deu chances a Balalo naquela temporada. E o aumento salarial ficou apenas na promessa.

– Tive altos e baixos a partir de então. Aquilo me abalou. E a convocação para o México não veio, apenas Müller e Silas foram chamados para a Copa – recorda o homem que um dia foi apelidado de Maradoninha.

Retraído, Balalo se encaramujava em casa nesses momentos de derrotas. Nos anos 1980, os clubes não contavam com o suporte de hoje – de assistentes sociais a motivadores de atletas. E o Inter da época era um caos – ainda mais em um período de frequentes tropeços para o rival, que chegou a emendar seis títulos seguidos a partir de 1985.

– Mas não abaixei a cabeça, comecei a jogar como titular do Inter e fui goleador do Gauchão de 1986, com 14 gols. Só que, talvez por ser prata da casa, não fui valorizado. Os salários atrasavam a toda hora e, por ser tímido, acabei sofrendo por não ter com quem conversar.

Então veio 1987, e os 20 maiores clubes resolveram peitar a CBF. Em vez do Brasileirão, a Copa União (que até hoje não é reconhecida pela CBF). Com Renato Portaluppi, Zico e Bebeto, o Flamengo sagrou-se campeão sobre o Inter treinado por Ênio Andrade: 1 a 1 no Beira-Rio e 1 a 0 para o time carioca no Maracanã. No jogo de ida, Balalo foi escolhido o melhor jogador em campo.

– Ganhei um Motoradio (um rádio a pilhas, sucesso nos anos 1980) e quatro pneus – conta.

Os pneus presenteados por uma emissora de rádio foram parar no seu Escort, o carrão esporte de 1987. Mas por pouco tempo.

– Não demorou e o Inter voltou a atrasar salários. Havia comprado o carro a prestações e não pude mais pagar. Guardei-o na garagem e passei a ir aos treinos de carona. Até que um dia apareceu um oficial de Justiça na porta de casa. Já sabia do que se tratava. Saí de casa com a chave do carro na mão e disse a ele: “Pode levar”. A história do carro vazou na imprensa e, logo na primeira partida no Interior, um torcedor se agarrou ao alambrado e gritou: “Vai pagar o carro, caloteiro!”. Passei quase um ano ouvindo aquilo – diverte-se.

Balalo começou a perder espaço no Beira-Rio. Luis Carlos Martins, um talentoso meia que havia jogador no Grêmio, foi contratado para ser o novo articulador do time. No segundo semestre de 1988, o Maradoninha foi emprestado para o Sport. Depois passou por Caxias e Novo Hamburgo (com um breve retorno ao Inter em 1990). O Novo Hamburgo, então, comprou-o por alguns trocados. Dias depois, ele foi revendido ao futebol turco. Enfim, a Europa.

– O Gaziantepspor era uma espécie de Goiás. O futebol turco estava crescendo, pensei que pudesse ganhar algum dinheiro lá, de repente conseguir ir para um grande centro em alguns anos. Acabei ficando por três temporadas. Meu filho nasceu na Turquia. Ganhei uns trocos, mas ficaram me devendo cerca de US$ 25 mil. Peguei minhas coisas e voltei ao Brasil. Fiquei um ano sem poder jogar porque o meu passe estava preso com eles – diz Balalo.

De volta a Caxias, onde havia constituído família e moradia nos tempos de Estádio Centenário, passou a viver das economias e de jogar em torneios amadores. Aos 29 anos, pensava em abandonar a carreira. Foi quando Casemiro Mior, seu ex-colega de Inter, então treinador do 15 de Novembro de Campo Bom (que ingressava no futebol profissional em 1994), o convidou para uma visita. Entrou em um amistoso, quase ao final da partida, cruzou para dois gols e saiu de campo empregado. O vínculo com os turcos já havia expirado, e Balalo só precisava entrar em forma de novo. De Campo Bom, o camisa 10 ainda conseguiu dois bons contratos com Ituano e Inter de Limeira (apenas no papel, ele afirma: também ficaram devendo), Guarany de Garibaldi, uma vez mais no 15 e, por fim, no Novo Hamburgo, em 2000.

– Depois, joguei no amador até 2005. Ainda recebi propostas em 2008, quando apenas disputava torneios locais e os Jogos do Sesi (quando já trabalha em uma indústria metalúrgica de Caxias). Mas, aí, a parte física já não suportava mais a rotina de treinos.

Balalo tem um olhar por vezes triste, mas jamais se nega a contar sua história. Sabe que, se jogasse hoje, estaria rico. Conseguia acertar mais de cinco passes seguidos em uma partida e também fazia gols, como aquele do Gre-Nal do Dia Das Mães de 1987, no Olímpico, quando deu a vitória ao Inter.

Divorciado, com um casal de filhos e um netinho de seis anos, vive de fazer pequenos serviços. Ora num estacionamento, ora num restaurante, e sempre em um campo de futebol, em peleados e remunerados torneios de várzea. Cada jogo no final de semana rende R$ 250, seguido de churrascada e uma cervejinha. O aluguel de sua casa custa R$ 400 ao mês. Quando as contas apertam, surge um amigo a estender a mão.

O neto, Luis Eduardo, é seu xodó:

– Ele é bom de bola, joga futsal na AABB, aqui de Caxias. Mas quero mesmo é que ele siga nos estudos, sabe? Lamento não ter conseguido conciliar futebol aos estudos. Parei cedo para jogar bola. Hoje, sou conhecido apenas como boleiro. Não tenho dinheiro, mas tenho amigos. Talvez agora pudesse ser um profissional de educação física. Não quero que meu neto se iluda com a bola. Se estudando já é ruim de achar emprego, imagina sem estudo?

“Lamento não ter conseguido conciliar futebol aos estudos. Não quero que meu neto se iluda com a bola. Se estudando já é ruim de achar emprego, imagina sem estudo?”

Adolfo Alves, bd

"Joguei no amador até 2005. Ainda recebi propostas em 2008, quando apenas disputava torneios locais e os Jogos do Sesi. Mas, aí, a parte física já não suportava mais a rotina de treinos."