Almir está
na batalha

Foram mais de 30 mensagens trocadas. Vinte ligações para o celular, que sempre caíam na caixa postal. A negociação da entrevista levou quase um mês. Enfim, Almir, 47 anos, ex-atacante de Grêmio, Inter, Santos, Palmeiras, São Paulo e Seleção Brasileira, aceitou falar.

– Estava resolvendo um problema com a minha mãe. Ela tem 95 anos, tem de dar carinho, cuidar de perto – disse, explicando-se pela demora no encontro.

Mas essa não foi a única razão que fez Almir bloquear na hora de combinar o bate-papo. Após cinco minutos de conversa, ele admite:

– Não gosto de dar entrevista. Sou um cara discreto, simples.

A simplicidade e a discrição são marcas de Almir hoje. Nada de glamour, carrões, relógios do tamanho de uma cebola, roupas de grife e festas banhadas a champanha. Isso tudo ficou no passado, quando desfilou seu futebol de dribles rápidos nos anos 1990, auge de sua carreira. Almir alcançou a glória. Viu o dinheiro entrar farto na conta bancária. A fama, ele ainda mantém. A grana evaporou. A história dele é a mesma de muitos jogadores que, por motivos diversos, não construíram fortuna com o futebol.

– Não sou hipócrita para dizer que dinheiro não falta, vivemos em uma sociedade capitalista. Mas não podemos ser escravo dele – afirmou o ex-atacante no começo da tarde ventosa no último dia 6 de outubro, na Escolinha do Grêmio, na Avenida Diário de Notícias, na zona sul da Capital.

Seu último clube como profissional foi o Porto Alegre, de Assis Moreira, em 2006. Depois disso, tentou a sorte como técnico. Atuou como auxiliar no América de São José do Rio Preto, em São Paulo, e no Operário de Ponta Grossa, no Paraná. Foi treinador do Santo Ângelo em 2013. Desde então, está na batalha.

– As pessoas me perguntam se guardei dinheiro. Sim. Mas a gente gasta, tenho muita gente que depende de mim.

Um cacho de gente. Almir tem seis filhos. Respira fundo e se concentra para lembrar as idades de Bruno, 26 anos, Guilherme, 25, Gabriel, 21, Rodrigo, 18, Gabrielli, 16, e Camylle, 14. Alguns deles tentaram ser jogadores profissionais. O mais velho fez testes no Santos, mas não construiu carreira nos gramados.

– Tenho poucos filhos – Almir ensaia um sorriso. – Meus pais (Consuelo e Miguel) tiveram 13, eu sou o caçula. Família grande, passamos fome. Dureza para sustentar esse pessoal todo – diz, recordando os tempos em que residia com os irmãos no bairro Belém Velho, na zona sul de Porto Alegre.

“Não sou hipócrita para dizer que dinheiro não falta, vivemos
em uma sociedade capitalista. Mas não podemos ser escravos dele. Dinheiro é felicidade momentânea.”

Almir de Souza Fraga divide-se entre duas casas atualmente: em Belém Velho, onde tem passado o maior tempo cuidando de sua mãe, e na Medianeira, onde moram seus filhos. Essa residência, aliás, é um dos poucos patrimônios que tem. Foi comprada com a grana dos 15% da transação de US$ 3 milhões (segundo ele) que o levou ao Japão. Mesmo titubeante por deixar o país e o Santos, aceitou defender o Shonan Belmare por um polpudo contrato de dois anos (1994-1996). Adaptou-se bem ao país, marcou seus gols, mas a saudade bateu forte. Já em 1996, retornou ao Brasil trazido pelo São Paulo.

Cigano dos gramados, Almir precisou buscar os nomes dos clubes no cantinho da memória. Então, enumera devagar: Grêmio, Santos, Belmare-JAP, São Paulo, Vasco, Atlético-MG, Guarani, Palmeiras, Inter, Gaziantep Sport-TUR, Sport, Paraná, São Caetano, La Piedad, Atlas, Lobos (esses três do México), Ulbra-RS e Porto Alegre-RS. Considera a passagem pelo Inter em 1999 – estava no jogo contra o Palmeiras no qual o time fugiu do rebaixamento – como uma das mais marcantes da sua trajetória:

– Foi uma epopeia, uma grande responsabilidade. Ainda bem que conseguimos.

É o Santos que ocupa o coração de Almir. Na Vila, onde jogou de 1990 a 1993, viveu o melhor momento na carreira. Nesse período, teve a companhia de ilustres como Serginho Chulapa, Ranieri, Cuca e Edu Marangon.

– Rapaz, acredita que não ganhei nem um título na Vila? Peguei uma época difícil do clube financeiramente. O que marcou minha passagem foi ter me destacado nos clássicos, sempre fazia gols, era o melhor em campo.

Foi do time santista que o ponta chegou à Seleção Brasileira. Fez parte do grupo que disputou a Copa América de 1993, no Equador. A canarinho lhe deu um cartaz ainda maior. E, com a fama, as festas. Participou de muitas. Tudo ficava fácil. Lembra que nesse tempo os “amigos” brotavam de todos os lados:

– Nossa, demais, se eu falar você nem acredita. Mas quando eu parei de jogar ficaram só os amigos de verdade, que te ajudam, te falam a verdade, te mostram os melhores caminhos.

Caminho foi uma das palavras mais repetidas pelo ex-atacante em uma hora e quarenta e cinco minutos de conversa, na laje gelada da arquibancada da escolinha do Grêmio. Após a aposentaria, com 37 anos, Almir demorou a encontrar um rumo. Foi um período de incertezas e de fugas. A fé, diz, o salvou. Ao ser convidado a frequentar a Igreja Evangélica, deu uma guinada na vida:

– O vazio estava grande. Me encontrei. Hoje não bebo, nem vinho, não fumo, não faço festa, estou sossegado. Aprendi novos valores. Sei que tudo acontecerá no momento certo.

Com a cabeça mais tranquila, Almir faz planos. O projeto agora é montar uma escolinha voltada a ensinar fundamentos aos meninos: chutes, passes, cabeçadas. É preciso investimento, dinheiro e confiança. Mas ele mostra-se otimista.

– Tem um campo na Cavalhada que está bem encaminhado. Vai dar certo – conta, para emendar a seguir: – Dinheiro é felicidade momentânea. A gente não precisa de muito para ser feliz.