Só acontece com

o Guri Teimoso

riograndense

E m 2009, visando angariar fundos para os clubes de Rio Grande, um grupo de desportistas liderado pelo médico Flávio Cardone decidiu organizar um campeonato citadino entre São Paulo, Rio Grande e Riograndense, este último sem atividades profissionais havia pelo menos quatro anos. Para a surpresa de todos, uma multidão de colorados (o apelido dos fãs) tomou seu espaço no Estádio Aldo Dapuzzo e empurrou o time a um empate histórico em 3 a 3 com o Rio Grande, depois de estar perdendo por 3 a 0 até os 20 minutos do segundo tempo.

Além de espantar pelo tamanho de sua torcida – dizem que há torcedores mirins que nunca viram o time jogar –, o jogo teve toda a cara de Riograndense. É verdade que todos os clubes clamam para si o “só acontece comigo” e o “para mim, tudo é mais difícil”. Só que eles roubaram do Guri Teimoso. Parece que cada vez que o time entrou em campo, algo inusitado aconteceu, para o bem ou para o mal.

Por exemplo: a partida mais fantástica não foi alguma da decisão do Estadual de 1939, a maior conquista. E olha que uma delas foi empate em

4 a 4 após o time estar perdendo por 4 a 0. Houve algo mais fantástico: a semifinal do Gauchão B de 1965, entre Riograndense e Gaúcho. Na ida, 3 a 1 para o time de Passo Fundo. Na volta, o Riograndense fez 1 a 0, mas levou a virada ainda antes do intervalo. O técnico Ney Amado Costa tentava empolgar os atletas, mas aos 20 do segundo tempo, os visitantes ampliam: 3 a 1. O gol desanima a torcida, que vai embora do Estádio Torquato Pontes, caminhando pela Avenida Buarque de Macedo. Então, em menos de 20 minutos, o Riograndense chega a 5 a 3. A esta altura, as arquibancadas estão tomadas de novo. Diz-se que saíram 5 mil, mas voltaram 10 mil colorados.

Ex-atacante Nico recusou propostas de clubes grandes para ficar no Riograndense

Tem mais. O resultado leva a partida para a prorrogação, e o Gaúcho faz um gol. No finalzinho, novo empate e pênaltis. Na época, o mesmo jogador cobrava cinco pênaltis. Pelo Gaúcho, Gitinho bate cinco e faz os cinco. A pressão estava toda em Antônio Azambuja Nunes, o Nico (guardem esse nome). O goleador também acerta suas cinco tentativas. Nova série. Gitinho bate três e perde um. Nico converte os três. Com 10 gols (oito nos pênaltis e dois no tempo normal), Nico é idolatrado.

– Nunca quis sair. Precisava dar assistência aos meus pais e me sentia bem no clube. Jogar no Riograndense era diferente. E olha que nem sou eu quem está dizendo, é o Garrincha – diz Nico enquanto segura uma revista Placar e mostra a reportagem de Divino Fonseca intitulada “Amor com amor se paga”, contando a história do goleador do Gauchão de 1967 que nunca quis sair de casa, mesmo com propostas de Inter, Santos, Cruzeiro e San Lorenzo.

Garrincha, a quem Nico se refere, é o próprio Mané. Sim, Mané Garrincha jogou no Riograndense. Em 1969, já sofrendo os estragos dos excessos de sua vida, o histórico ponta fazia partida de exibições em troca de cachê. Em Rio Grande, enfrentou o Brasil-Pel por 45 minutos, um empate em 1 a 1.

Pelé também conheceu o Riograndense. Mas como rival. Em 1957, o Rei era reserva de Jair da Rosa Pinto e jogou alguns minutos na vitória santista por 5 a 3.

Foi um amigo de Pelé o maior destaque do Riograndense. Nico é o grande ídolo, mas o craque foi Sidney Colônia Cunha. Chinesinho (que ganhou esse apelido por ser filho de Chinês, atacante campeão de 1939) destacou-se e foi contratado pelo Inter para formar o time que ficou conhecido como Rolinho, com Larry e Bodinho. Outros astros jogaram lá. Citemos dois, que vestiram a camisa da Seleção: o zagueiro Luiz Carlos Scala e o meia Neca. Como, então, um clube deste tamanho definhou a ponto de não ter mais equipe profissional há uma década?

– Quando viemos para o Trevo, perdemos nossa identidade – responde Nico.

No meio dos anos 1980, Riograndense e Rio Grande venderam seus estádios na Buarque de Macedo, centro da cidade, para uma construtora, em troca de novas sedes localizadas no trevo entre as rodovias que ligam o balneário Cassino e a vizinha Pelotas. São pouco mais de 10 quilômetros de distância, mas na época, o deslocamento era difícil. Isso, somado a más administrações e ao acúmulo de dívidas, liquidou o clube.

A atual direção, presidida por Adílson Marandini, tenta recuperar ao menos financeiramente.

A renda chega pelo aluguel de uma área usada para uma antena de telecomunicação. Uma parceria com equipes amadoras mantém um mínimo de conservação da parte interna do Torquato Pontes. Por fora, porém, a cena é desoladora. Há bastante trabalho para ressuscitar o Guri Teimoso.