Publicado em 06 de MAIO de 2016

Por cinco vezes, Cristine Soares ficou grávida. Dois filhos não chegaram a nascer. Dois ela teve de sepultar. Em pleno luto, descobriu que esperava Luísa, hoje com 10 meses. Sua missão na vida, diz, é ser mãe

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Larissa Roso

larissa.roso@zerohora.com.br

FOTOS

Mateus Bruxel

mateus.bruxel@diariogaucho.com.br

Edição

Ticiano Osório

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Diogo Perin

Cabem em uma caixa de papelão branca, decorada com a impressão a tinta de mãos e pés infantis, todos os pertences da breve história estudantil: a agenda com as anotações da rotina diária, escova e creme dental, uma bandeirola do Brasil, uma coroa em miniatura, o desenho de um coelho rabiscado de azul, uma máscara com lantejoulas, o gargalo de uma garrafa pet simulando o tatu-bola Fuleco, mascote da Copa de 2014.

“Na rodinha, sua música preferida era Borboletinha”, lê-se no registro da professora. Um cartão de identificação exibe uma foto tamanho 3x4 e o nome da aluna: Nathália. Com a súbita interrupção do ano letivo de 2014, a escola Cavalinho de Pau entregou todo o material à família – os alunos do Maternal 2 confeccionaram coraçõezinhos de papel em homenagem à colega que não compareceria mais às aulas.

Na sala de casa, em Canoas, a empresária Cristine revisita as lembranças escolares de sua filha Nathália, morta aos três anos

Nathália Soares Nahon Marinho era filha de Cristine Soares, 35 anos, que abre a caixa de recordações sobre o tapete felpudo da sala de casa, em uma manhã do final de abril, durante uma sessão de fotos para esta reportagem.

O que melhor qualifica a empresária de Canoas é sua condição mais transitória e também mais permanente: Cristine é mãe. De um total de cinco gestações, restou-lhe uma filha. A primeira perda foi Nathan, que sobreviveu por menos de 24 horas após o parto. Dois bebês morreram ainda no ventre, em estágios iniciais da gravidez. Nathália, três anos, não resistiu aos ferimentos sofridos em um acidente de carro, ocorrido quando a mãe já gestava, sem saber, Luísa, a filha que completa 11 meses no dia 15. Em dois encontros, num depoimento vívido que se estendeu por mais de seis horas, Cristine falou do passado com tranquilidade, sem interromper a narrativa nas diversas vezes em que chorou:

– Eu gosto de falar dos meus filhos. Minha missão nessa vida é ser mãe.

Cristine engravidou pela primeira vez aos 24 anos. Nathan foi festejado, mesmo chegando sem planejamento – até então, a jovem julgava ser estéril devido a uma doença no aparelho reprodutor. A gestação parecia correr sem sobressaltos, até que um exame alterado forçou uma internação para averiguações. Suspeitava-se de algum problema, mas não se obteve um diagnóstico. Prematuro, o menino nasceu com 34 semanas, às 20h14min de 28 de dezembro de 2004. A mãe nem viu o filho – os médicos constataram de imediato que algo não ia bem e o encaminharam para a UTI neonatal. Sem informações, Cristine antecipava o pior. Do lado de fora, familiares também ansiavam por notícias. Sequer sabiam que Nathan já havia nascido – a equipe esquecera de chamar o pai da criança, máquina fotográfica em punho, para acompanhar.

– Cadê o meu filho? – questionava a mãe aos funcionários. – Pelo amor de Deus, alguém vai atrás para saber o que que houve!

Inconformada com as evasivas, ameaçou se levantar. Eram 4h quando uma pediatra surgiu com pouco a dizer. Cristine, levada de cadeira de rodas até a incubadora, conheceu o primogênito. Com quase três quilos, apesar da fragilidade comprovada por fios e aparelhos, ele aparentava ser perfeito. Sofria de uma cardiopatia que passara despercebida no pré-natal.

– Posso pegar? – pediu Cristine.

Uma enfermeira a desencorajou. A mãe acariciou a orelha do menino e disse:

– Tem um monte de coisa para ti em casa. Fica bem logo.

A paciente se preparava para sair da UTI quando uma médica interveio, autorizando-a a segurar o filho. Indecisa entre os dois pareceres opostos, hesitou. “Vai que eu desligo alguma coisa e prejudico ele...”, pensou. Julgou que seria melhor não removê-lo dali. “Ainda tenho a vida inteira para pegá-lo no colo.” Resolveu deixar o local. Olhou para trás, voltou. Enrolado em uma coberta, o recém-nascido foi aconchegado nos braços de Cristine, que sentia um misto de felicidade e apreensão.

A suspeita de que a situação era grave se fortaleceu quando um padre adentrou a unidade e se dirigiu diretamente a Nathan. Terminada a prece, o religioso saiu, sem se deter diante de qualquer um dos outros bebês.

– Ele vem aqui toda hora dar uma bênção – despistou alguém.

Cristine foi conduzida de volta ao quarto. No leito ao lado, uma adolescente ignorava os apelos da enfermeira e rejeitava qualquer contato com os gêmeos que acabara de dar à luz. Depois de duas horas, Cristine foi levada à UTI neonatal outra vez. Cogitava uma possível melhora do quadro quando avistou um pano cobrindo o corpo do filho. Não permitiu que a funcionária que caminhava em sua direção falasse.

– Eu não quero escutar! – protestou, tentando manobrar a cadeira de rodas para fugir.

Nathan morreu às 14h30min de 29 de dezembro. A mãe recebeu um medicamento para cessar a produção de leite, que ainda brotaria espontaneamente por dias, no banho, no contato da água morna com os seios. Após a alta, ela seguiu direto para a capela onde se realizaria o velório. Transtornava-a a mudança brusca do roteiro: não haveria um bebê nos braços, a recepção calorosa da família, as fotos. No caixão azul diminuto, Nathan vestia a roupinha que a mãe escolhera para o momento em que ambos iriam para casa. Por medo de esquecer o rosto do filho, Cristine insistiu em fixar o olhar na cena.

Sobrou aos pais apenas uma fotografia de Nathan. Mais tarde, o celular que continha a imagem captada durante a internação acabou sendo roubado.

Memórias de Nathan: um chaveiro, a rosa guardada do velório e a ecografia que ilustrou o convite do chá de fraldas

Quando ela voltou para casa, dias depois, o quarto de Nathan já estava vazio. Fraldas e pomadas foram encaminhadas a uma igreja, para doação, e a mãe guardou alguns brinquedos como recordação. O enxoval ficou escondido dentro de uma mala por um ano e meio, até que ela somasse a coragem necessária para abri-la. Entre a profunda tristeza pela morte e o desejo por outro filho, o primeiro casamento não resistiu.

Em 2007, Cristine conheceu o militar Luís Carlos Nahon Marinho. Apaixonados, casaram-se em cinco dias. Ela desistiu de um emprego como comissária de bordo e se transferiu para Minas Gerais. Em um pedaço de papel, eles escreveram o nome dos filhos que um dia teriam: Felipe e Nathália. Cristine resolveu aguardar até que a vontade se tornasse maior do que o medo. O casal morava em São Paulo quando ela engravidou pela segunda vez. Confundiram-se no mesmo momento a surpresa e a frustração: ela descobriu a gestação ao sofrer um aborto espontâneo. A terceira gravidez se confirmou meses depois. Receosa de outras adversidades, a gestante esperou para divulgar a boa-nova e dar início às compras do enxoval.

Na 12ª semana, uma dor intensa a levou ao hospital. Era mais uma interrupção.

– Não vou ser mãe – temia.

Na tentativa de se desprender do sofrimento, Cristine decidiu procurar um emprego. Começou a trabalhar como vendedora de automóveis. Celebrava um ótimo desempenho na concessionária, em 2011, quando descobriu a quarta gravidez. Pediu demissão para se dedicar integralmente à maternidade. O casal acreditava estar à espera de Felipe: o quarto exibia a decoração de zoológico, e um dos chás de fralda foi inspirado no personagem Mickey. Aos seis meses, uma nova ultrassonografia corrigiu o equívoco. A mãe, desestabilizada pela notícia, não conseguia parar de rir. Luís emudeceu. Repaginado, o quarto ganhou tons de verde e rosa e borboletas para receber Nathália. A cada mês completado, um suspiro de alívio. Cristine tinha medo de amar demais, perder, sofrer.

– Só acredito que tenho um filho quando essa menina nascer viva e eu puder trazê-la para casa – repetia.

Nathália nasceu em 17 de agosto de 2011, de parto natural. Na tentativa de aplacar o próprio nervosismo, Luís pedia calma à mulher. Apertou mais forte a mão da companheira a cada esforço para expulsar o bebê, como se pudesse ajudá-la na tarefa. Nathália logo virou alvo do gracejo dos pais: carequinha no topo da cabeça e com uma faixa de cabelo em volta, ganhou o apelido de José Serra, em alusão ao político do PSDB.

– Olha o que Deus me deu – emocionou-se a mãe.

Uma icterícia adiou a alta da menina. Cristine chegou a pernoitar dentro do carro, no estacionamento do hospital, preocupada com a evolução. Quando a pequena paciente foi enfim liberada, o trajeto para casa ganhou farto registro em fotos, vontade que Cristine não havia podido satisfazer com Nathan.

– O porta-joias agora está completo – comentou ao pousar a filha no berço.

Nathália cresceu rodeada de cuidados. Cristine aproveitava tudo da maternidade – frequentava o fraldário do shopping até sem necessidade, pela satisfação de evidenciar que era mãe, que carregava um bebê. Inscreveu Nathália em um concurso fotográfico, fez campanha pedindo votos, criou um perfil para ela no Facebook. A garota de cabelos cacheados gostava de cantar, simular passos de balé e cuidar de um gato imaginário. Ao matricular a filha na escola infantil, a mãe mimou a professora com presentes e bilhetes. Relatou o histórico de infortúnios e pediu para ser avisada a respeito de qualquer ocorrência incomum.

– Me liga em qualquer lugar, a qualquer hora, faz sinal de fumaça. Essa guria é tudo para mim – frisou.

Memórias de Nathália: menina gostava de cantar, dançar, de borboletas e de cuidar de um gato imaginário

Em outubro de 2014, depois de passar por São Paulo e Rio de Janeiro, a família se estabeleceu em Bagé. Cristine viajava a Porto Alegre com certa frequência, envolvida com atividades da Confraria Divas de Luxo, projeto de networking com caráter beneficente que mantém até hoje. A previsão era de chuva para a manhã do dia 16. Às 7h30min, a empresária se preparava para ir mais uma vez à Capital, na companhia da mãe, Carlinda, e da filha.

– Por que você não vai amanhã? – questionou Luís, apreensivo com a possibilidade de mau tempo.

– Não posso, tenho compromisso.

O marido insistiu:

– Pensa bem. Não é bom dirigir com chuva.

Sabendo que a manutenção do carro estava em dia, ela justificou:

– Estou acostumada a dirigir. Não tenho como dar para trás.

Despediram-se. Passados 15 minutos, Luís ligou:

– Toma muito cuidado. Não esquece, você está com a nossa maior preciosidade.

Quando o aguaceiro teve início, a empresária resolveu fazer uma pausa em uma lancheria. O trio pediu pastéis enquanto aguardava a tempestade abrandar. De volta à estrada, chovia forte de novo quando Nathália solicitou outra pausa:

– Mamãe, xixi!

Com a insistência da criança para usar o banheiro e nenhum posto de gasolina ou comércio à vista, a mãe ficou tensa.

– Mamãe já vai parar – avisou.

Acomodada em uma cadeirinha no banco de trás, Nathália passava a mão no vidro. A chuva insistente que enervava a mãe encantava a filha.

– Eu adoro a chuvinha – disse pouco antes de adormecer.

Cristine se tranquilizou com o sono da menina, pensando que ganharia tempo até localizar um ponto para parar. Próximo a Arroio dos Ratos, teve a impressão de que a água se avolumava na pista da BR-290. A motorista perdeu o controle do carro após a passagem de dois caminhões. Pressionou as mãos no volante, fazendo força, mas o Polo aquaplanou, chocando-se contra o guard-rail. Carlinda gritava, e Cristine já não tinha qualquer interferência sobre a trajetória errática do automóvel quando, após a pancada, o veículo foi impulsionado para o outro lado da pista, parando apenas ao colidir contra árvores.

Atordoada, a empresária virou a cabeça para a direita e viu Carlinda com um corte na cabeça, chorando. Ao olhar para o assento traseiro, percebeu Nathália ferida também na cabeça, inconsciente, o sangue brotando. Teve de se esforçar para desvencilhar as pernas das ferragens. Mesmo machucada, conseguiu chutar a porta empenada e sair. Soltou a filha do cinto de segurança e a puxou pelo vidro quebrado da janela. Com a menina nos braços, correu para a estrada em busca de socorro. Acenava para os carros que passavam. Mirou o céu encoberto e pediu:

– Não acredito que eu vou te entregar mais um filho. Não leva a minha filha, não leva a minha filha! Ela é tudo que eu tenho.

Como se já antevisse o pior desfecho, completou a súplica:

– Se for para ela ir agora, não deixa me faltarem forças para eu continuar vivendo.

Motoristas começaram a parar no acostamento para acudir.

– Bota ela no chão, não sabemos o que aconteceu! – orientou alguém.

Pessoas estacionavam de qualquer jeito e desciam apressadas, ajustando os celulares para fotografar e gravar vídeos da garota desacordada e da mãe em desespero. Crianças também assistiam à balbúrdia. Naquela hora de desatino, como seria percebido mais tarde, objetos foram furtados do carro destruído: bolsa, carteira, notebook, sapatos.

– Chamem uma ambulância, chamem uma ambulância! – implorava a mãe.

Um casal se prontificou a transportar Nathália e a avó até o hospital mais próximo. Cristine, encharcada, ficou ali, observada pela plateia de curiosos, muitos portando guarda-chuvas sem lhe oferecer abrigo. Quando a unidade de atendimento de urgência apareceu, a empresária indagou:

– Minha filha chegou ao hospital?

A enfermeira assentiu.

– Como ela está? – perguntou a mãe.

– O médico vai falar contigo.

– Olha nos meus olhos – exigiu. – Minha filha está morta, né?

Semanas depois do acidente que matara Nathália por traumatismo craniano, aos três anos e dois meses de idade, Cristine a enxergou com nitidez em um sonho. Sentiu o cheiro e a textura da pele da criança, tocou-lhe os cabelos. Abraçaram-se.

– Mamãe, vai ver o bebê – disse a menina.

A mãe levantou da cama chorando ao despertar. Lembrou-se de um episódio ocorrido havia pouco: em um centro espírita onde o casal fora buscar amparo, Cristine tachou de louco um médium que garantira que ela estaria grávida. Resolveu então convidar a irmã para acompanhá-la até um posto de saúde próximo. Comoveu a equipe assistencial com o relato da tragédia. O sonho premonitório parecia loucura da mãe enlutada, mas o exame de sangue foi autorizado mesmo assim. Em minutos, a atendente mostrou o resultado.

– Você está grávida – anunciou, em lágrimas.

Outra situação também passou a fazer sentido para Cristine. Dias antes da morte, Nathália, que vinha insistindo para ter um maninho, surgira com uma conversa descabida. A vontade existia também entre os pais, mas Cristine estava certa de que não seria mais possível engravidar, devido às já conhecidas complicações de saúde.

– Cadê a minha irmãzinha? – indagou Nathália a Luís.

– Mas que irmãzinha? – estranhou ele.

– A minha irmãzinha que vai chegar – insistiu ela, resoluta.

Com o teste positivo no posto, Cristine seguiu para a ultrassonografia que permitiu estabelecer a idade gestacional. Não havia margem para dúvidas: o bebê fora concebido na véspera da fatalidade que levara Nathália.

Morando em Canoas, perto da família, a gestante determinou que não se permitiria ficar triste, tentando preservar o quinto filho. Esforçou-se para ter bons pensamentos: imaginava um parto tranquilo, um futuro feliz, um desenvolvimento saudável. Mas a inquietude a assaltava durante o sono – em um pesadelo recorrente, aparecia parindo um gato ou uma anomalia, metade felina, metade humana. Procurou serenar os dias se ocupando com voluntariado, orações, o projeto de um livro. Vítima e testemunha do acidente, Carlinda, técnica em enfermagem, torturava-se com a culpa de não ter podido usar os conhecimentos profissionais para salvar a neta. Tentava não chorar na frente de Cristine, saía para o pátio, mas quando retornava o rosto denunciava o pranto. Luís teve de se afastar do trabalho no quartel. As maneiras distintas de enfrentar o luto, entre outras desavenças, provocaram um forte abalo no casamento.

O quadrinho que decora a porta do quarto da filha

Luísa chegou com 36 semanas, às 20h04min de 15 de junho de 2015, em um parto de cócoras. “Meu sol nasceu! Meu milagre!”, postou a empresária no Facebook, junto de uma foto da recém-nascida deitada em seu peito. A semelhança entre as duas irmãs impressionou os pais desde o contato inicial. É fácil se confundir diante das fotos de uma e de outra, e eles se emocionam nas brincadeiras de adivinhação que propõem um ao outro:

– Essa é a Naná ou a Luli?

Hoje com quase 11 meses, Luísa é ativa, arteira, ruidosa. Consegue se firmar de pé, ensaiando os primeiros passos sem apoio, habilidade fundamental para cumprir com o êxito o objetivo de derrubar um vidro de aromatizador de ambientes e se banhar com o perfume enquanto a mãe está concentrada na entrevista. Cristine admite estar atrasada no planejamento para a festa de um ano. A empolgação de meses atrás arrefeceu gradativamente. O salão que reunirá até 150 amigos e parentes está reservado, mas ainda há muito a ser feito. Mãe e filha devem usar vestidos idênticos. Nas comemorações organizadas para Nathália, os pais costumavam cuidar de tudo – talentoso nos doces, Luís preparava cupcakes e cake pops (bolinhos servidos no palito, como pirulitos).

– Fico muito feliz que ela esteja fazendo um ano, mas tenho medo dessa data – confessa a mãe.

Cristine sente um receio já provado antes: tem dificuldade para imaginar Luísa superando os três anos de idade alcançados por Nathália, da mesma forma que não conseguia vislumbrar Nathália ultrapassando as poucas horas de vida de Nathan.

– Quando eu era moça, pensava que nada era definitivo, só um filho. Até agora, nada foi definitivo para mim. Em vários momentos, me passa pela cabeça o que eu faria se ela não existisse mais. Penso que tenho que estar preparada para qualquer coisa.

Fica para o final do segundo encontro com a reportagem o tópico mais delicado.

– Você sente culpa pelo que aconteceu? – questiono.

Pela primeira vez, ela reflete antes de responder.

– Essa é a pergunta mais difícil que você me fez.

O esforço para que Luísa não absorvesse a dor do luto, explica Cristine, ajudou-a a afastar essa sombra. Questionava-se com repetidos “e se?”: e se não tivesse viajado naquela manhã de outubro? E se tivesse feito algo diferente? A empresária aplacou a aflição com a crença de que é impossível ter domínio sobre o destino, as coisas acontecem quando têm de acontecer. Tenta se confortar com a convicção de que a filha, por estar dormindo, não sofreu.

Da sala se pode ouvir que Luísa acaba de acordar do cochilo da manhã. De pé no berço, sorri, aguardando. A mãe percebe que há três porta-retratos sem fotos no quarto e se recrimina pelo descuido. “Meu mondonguinho”, repete ao erguer a menina roliça de tip-top, deliciando-se com beijos e apertões prolongados. Cristine não consegue definir em apenas uma palavra o que a caçula representa e recorre a uma lista: bálsamo, luz, bênção, esperança, fé, amor.

– Ela é o meu amanhã.

Cristine e Luís com Nathália (à esquerda) e com Luísa (à direita)

Luísa brinca com a mãe, que tatuou no antebraço o nome de Nathália quando a filha ainda estava viva