O IMPEACHMENT
Roberto Stuckert Filho, Presidência da República, bd, 31/08/2016
Dilma e seus aliados após o impeachment ser confirmado pelo Senado, em agosto
N

L. F. Verissimo

verissimo@zerohora.com.br

Tem cara

de golpe, penteado de golpe e jeito de golpe

inguém menos PT do que o Joaquim Barbosa disse em entrevista para a Folha de S.Paulo que o impeachment de Dilma Rousseff foi uma encenação. Barbosa já não estava no Supremo Tribunal Federal durante o processo do impeachment, mas, como ex-ministro do STF, pode falar com autoridade sobre o que acontecia nos bastidores. E ele diz que o impeachment foi como um véu para tapar interesses espúrios e manobras políticas. Não quis entrar na discussão semântica sobre se foi golpe ou não foi golpe, mas o que ele descreve tem cara de golpe, penteado de golpe e jeito de golpe. Como escreveu o Shakespeare, que importância tem um nome? Uma porcaria com qualquer outro nome cheiraria o mesmo. Se foi encenação, tratemo-la, como diria o Temer, como teatro. Não faltaram vilões na trama, começando com o Eduardo Cunha, que pôs em movimento o processo que culminaria meses depois com o afastamento da presidente e movia-se em cena como um conspirador florentino. Tivemos a cena apoteótica dos deputados votando pelo prosseguimento do processo, talvez o mais desconcertante espetáculo de mediocridade política na nossa história. – Pelo Brasil, pela família e pela nossa cachorrinha Frufru, voto “sim”! Não sei se as estatísticas mostram isso, mas depois da exposição dos deputados àquele ridículo deve ter aumentado o número de emigrantes deixando o país, envergonhados.
Tivemos a cena apoteótica dos deputados votando pelo prosseguimento do processo, talvez o mais desconcertante espetáculo de mediocridade política na nossa história.
Tivemos o enfático Miguel Reale Júnior e a superenfática Janaína Paschoal fazendo a acusação à presidente com competência, mas não menos competência do que Cardozo e outros em sua defesa. Uma das observações feitas por Barbosa na sua entrevista é a do absoluto descaso pelos argumentos, perfeitamente cabíveis, da defesa. As principais causas que justificariam o impeachment não foram provadas, o que não influiu no resultado da votação, já conhecida, segundo Barbosa, muito antes. E entra em cena Michel Temer. Seu papel na peça, baseado no seu tipo físico, deveria ser de mordomo, mas ele entra como principal beneficiário da trama sinistra. Numa carta escrita a Dilma quando esta ainda era presidente, Temer se queixava de ser um vice decorativo. Nunca se viu uma carreira política tão fulminante: de decoração a presidente em poucas semanas. No fim da nossa peça, a cachorrinha Frufru passa correndo pelo palco, para delícia da plateia.
O

David Coimbra

david.coimbra@zerohora.com.br

Foi como tirar uma bigorna de cima do peito dos brasileiros

impeachment de Dilma Rousseff não foi recebido com festa; foi recebido com um uníssono suspiro de alívio, como se uma bigorna tivesse sido tirada de cima do peito de brasileiros das margens do Rio Amazonas às areias da praia do Cassino. Estava chegando ao fim um governo populista e excludente, que promoveu a divisão do país entre malvados e bonzinhos, um governo apodrecido pelo maior e mais complexo sistema de corrupção dos 500 anos de política corrupta do Brasil. O impeachment representou também a morte de uma ilusão. Nos anos 1980, os brasileiros estavam convencidos de que todos os seus problemas seriam resolvidos pelo voto. Bastava permitir que o povo escolhesse seus representantes livremente para que a máquina benfazeja da democracia entrasse em funcionamento e começasse a corrigir os defeitos do país, ao mesmo tempo em que autocorrigia os seus próprios defeitos. Não foi bem assim que aconteceu. Não é bem assim que funciona. A democracia é mais do que o ato de votar. Embora o voto livre seja indispensável, há de vir acompanhado de sólidas noções de respeito à lei e ao próximo para que o sistema tenha razoável desempenho. Assim, a nova democracia brasileira sofreu duro golpe já com seu primeiro presidente eleito depois da ditadura militar. Collor foi removido do cargo no meio do mandato. Olhando daqui, do fim de 2016, os motivos de seu impeachment, comparados aos de Dilma, parecem caso para o tribunal de pequenas causas. Tanto que Collor foi absolvido pelo STF. No entanto, ele não tinha a penetração que o PT tem na sociedade. Inoculado em universidades, sindicatos, ONGs e redações de jornal, o PT conseguiu o milagre de relativizar a análise de um governo acusado de irregularidades em praticamente todas as suas áreas de atuação.
Nesse esforço para salvar o que podia do desastre, o PT alcançou a façanha de não apenas preservar certa dignidade a Dilma, mas também de transformar aquele ponto final do impeachment em vírgula. A tensão política foi retomada.
Há graves suspeitas de corrupção ou corrupção comprovada na Petrobras, no BNDES, na Eletrobras, nos Correios, nos fundos de pensão, no Bolsa Família, no Incra e em quase todos os ministérios de Dilma; há provas de irregularidades nas campanhas de Dilma e Lula; três tesoureiros do PT foram presos; o principal líder do partido, José Dirceu, está na cadeia; o líder do partido no Senado foi preso; o ex-presidente Lula favoreceu ditaduras e governos aliados com empréstimos escusos e está respondendo a três processos. Ainda assim, Collor saiu como o grande vilão e Dilma apenas como uma incompetente traída por sua inocência. Nesse esforço para salvar o que podia do desastre, o PT alcançou a façanha de não apenas preservar certa dignidade a Dilma, mas também de transformar aquele ponto final do impeachment em vírgula. A tensão política foi retomada. Verdade que não com a mesma intensidade dos tempos do processo de impeachment, mas ainda assim inquietante e, o mais grave, paralisante. O Brasil não anda. O Brasil continua dividido e belicoso, a população continua sem saber para onde o país vai. Mas, porque o impeachment foi exatamente obra sua, da população mobilizada, pelo menos ficou demonstrado qual é o tamanho da força das ruas. E ficou demonstrado, também, que o populismo organizado, na verdade, é inimigo do povo organizado.
EPISÓDIOS MARCANTES
 
MATEUS BRUXEL, BD, 31/08/2016 O IMPEACHMENT

L. F. Verissimo

verissimo@zerohora.com.br

Tem cara de golpe, penteado de golpe e jeito de golpe

N inguém menos PT do que o Joaquim Barbosa disse em entrevista para a Folha de S.Paulo que o impeachment de Dilma Rousseff foi uma encenação. Barbosa já não estava no Supremo Tribunal Federal durante o processo do impeachment, mas, como ex-ministro do STF, pode falar com autoridade sobre o que acontecia nos bastidores. E ele diz que o impeachment foi como um véu para tapar interesses espúrios e manobras políticas. Não quis entrar na discussão semântica sobre se foi golpe ou não foi golpe, mas o que ele descreve tem cara de golpe, penteado de golpe e jeito de golpe. Como escreveu o Shakespeare, que importância tem um nome? Uma porcaria com qualquer outro nome cheiraria o mesmo. Se foi encenação, tratemo-la, como diria o Temer, como teatro. Não faltaram vilões na trama, começando com o Eduardo Cunha, que pôs em movimento o processo que culminaria meses depois com o afastamento da presidente e movia-se em cena como um conspirador florentino. Tivemos a cena apoteótica dos deputados votando pelo prosseguimento do processo, talvez o mais desconcertante espetáculo de mediocridade política na nossa história. – Pelo Brasil, pela família e pela nossa cachorrinha Frufru, voto “sim”! Não sei se as estatísticas mostram isso, mas depois da exposição dos deputados àquele ridículo deve ter aumentado o número de emigrantes deixando o país, envergonhados. Tivemos e enfático Miguel Reale Junior e a superenfática Janaína Paschoal fazendo a acusação à presidente com competência, mas não menos competência do que Cardozo e outros em sua defesa. Uma das observações feitas por Barbosa na sua entrevista é a do absoluto descaso pelos argumentos, perfeitamente cabíveis, da defesa. As principais causas que justificariam o impeachment não foram provadas, o que não influiu no resultado da votação, já conhecida, segundo Barbosa, muito antes. E entra em cena Michel Temer. Seu papel na peça, baseado no seu tipo físico, deveria ser de mordomo, mas ele entra como principal beneficiário da trama sinistra. Numa carta escrita a Dilma quando esta ainda era presidente, Temer se queixava de ser um vice decorativo. Nunca se viu uma carreira política tão fulminante: de decoração a presidente em poucas semanas. No fim da nossa peça, a cachorrinha Frufru passa correndo pelo palco, para delícia da plateia.

 

David Coimbra

david.coimbra@zerohora.com.br

Foi como tirar uma bigorna de cima do peito dos brasileiros

O impeachment de Dilma Rousseff não foi recebido com festa; foi recebido com um uníssono suspiro de alívio, como se uma bigorna tivesse sido tirada de cima do peito de brasileiros das margens do Rio Amazonas às areias da praia do Cassino. Estava chegando ao fim um governo populista e excludente, que promoveu a divisão do país entre malvados e bonzinhos, um governo apodrecido pelo maior e mais complexo sistema de corrupção dos 500 anos de política corrupta do Brasil. O impeachment representou também a morte de uma ilusão. Nos anos 1980, os brasileiros estavam convencidos de que todos os seus problemas seriam resolvidos pelo voto. Bastava permitir que o povo escolhesse seus representantes livremente para que a máquina benfazeja da democracia entrasse em funcionamento e começasse a corrigir os defeitos do país, ao mesmo tempo em que autocorrigia os seus próprios defeitos. Não foi bem assim que aconteceu. Não é bem assim que funciona. A democracia é mais do que o ato de votar. Embora o voto livre seja indispensável, há de vir acompanhado de sólidas noções de respeito à lei e ao próximo para que o sistema tenha razoável desempenho. Assim, a nova democracia brasileira sofreu duro golpe já com seu primeiro presidente eleito depois da ditadura militar. Collor foi removido do cargo no meio do mandato. Olhando daqui, do fim de 2016, os motivos de seu impeachment, comparados aos de Dilma, parecem caso para o tribunal de pequenas causas. Tanto que Collor foi absolvido pelo STF. No entanto, ele não tinha a penetração que o PT tem na sociedade. Inoculado em universidades, sindicatos, ONGs e redações de jornal, o PT conseguiu o milagre de relativizar a análise de um governo acusado de irregularidades em praticamente todas as suas áreas de atuação. Há graves suspeitas de corrupção ou corrupção comprovada na Petrobras, no BNDES, na Eletrobras, nos Correios, nos fundos de pensão, no Bolsa Família, no Incra e em quase todos os ministérios de Dilma; há provas de irregularidades nas campanhas de Dilma e Lula; três tesoureiros do PT foram presos; o principal líder do partido, José Dirceu, está na cadeia; o líder do partido no Senado foi preso; o ex-presidente Lula favoreceu ditaduras e governos aliados com empréstimos escusos e está respondendo a três processos. Ainda assim, Collor saiu como o grande vilão e Dilma apenas como uma incompetente traída por sua inocência. Nesse esforço para salvar o que podia do desastre, o PT alcançou a façanha de não apenas preservar certa dignidade a Dilma, mas também de transformar aquele ponto final do impeachment em vírgula. A tensão política foi retomada. Verdade que não com a mesma intensidade dos tempos do processo de impeachment, mas ainda assim inquietante e, o mais grave, paralisante. O Brasil não anda. O Brasil continua dividido e belicoso, a população continua sem saber para onde o país vai. Mas, porque o impeachment foi exatamente obra sua, da população mobilizada, pelo menos ficou demonstrado qual é o tamanho da força das ruas. E ficou demonstrado, também, que o populismo organizado, na verdade, é inimigo do povo organizado.
EPISÓDIOS MARCANTES NAS RUAS E NA CÂMARA No dia 13 de março, manifestações favoráveis ao impeachment em 239 cidades aumentam pressão sobre o governo Dilma Rousseff. Em uma sessão tumultuada, com provocações dos dois lados, a Câmara dos Deputados elege a comissão especial, com 65 parlamentares, que tratará do impeachment da presidente. PARECER APROVADO O relator Jovair Arantes (PTB-GO) apresenta, no dia 6 de abril, parecer favorável à destituição de Dilma. Cinco dias depois, o parecer é aprovado pela comissão especial. SESSÃO HISTÓRICA No dia 17 de abril, após uma longa sessão recheada de manifestações polêmicas, a Câmara dos Deputados aprova a admissibilidade do processo de impeachment de Dilma, e o documento é passado das mãos de Eduardo Cunha, presidente da Câmara, para o presidente do Senado, Renan Calheiros. NO SENADO No fim de abril, a comissão especial que tratará do impeachment no Senado é eleita, com 21 parlamentares. Apenas cinco deles são da base de apoio da presidente. Em maio, o senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), relator da comissão especial, apresenta parecer favorável ao impeachment. O relatório é aprovado. IDAS E VINDAS Em 9 de maio, o país é surpreendido com uma nota do presidente substituto da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão, que substituíra Eduardo Cunha após seu afastamento. Maranhão anula a votação na Câmara no dia 17, alegando incorreções na sessão. Renan Calheiros, porém, afirma que o rito irá continuar. Na noite do mesmo dia, Maranhão volta atrás e desiste da anulação da votação na Câmara. AFASTAMENTO Em 12 de maio, o plenário do Senado autoriza, com 55 votos favoráveis, a abertura do processo de impeachment contra Dilma, que é afastada por 180 dias. Michel Temer assume a presidência interinamente. O JULGAMENTO No dia 25 de agosto, começa a sessão de julgamento de Dilma, sob comando do presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski. No plenário, a presidente volta a classificar o processo como um "golpe". No dia 31, os senadores decidem pelo afastamento definitivo de Dilma, mas não caçam sua elegibilidade para cargos públicos. Michel Temer toma posse no mesmo dia, 31, em sessão solene no Congresso.