AFP, BD
LONDON EYE

Fernanda Zaffari

londoneye@zerohora.com.br

Seis meses depois, Brexit ainda é uma incógnita

E m 2016, ficou comprovado algo que me surpreendeu: político inglês em campanha mente como se faz no Brasil – apenas com mais fleuma. Na madrugada de 24 de junho, às 4h40min, o âncora da BBC confirmou que eleitores no Reino Unido haviam decidido deixar a União Europeia. Quase duas horas depois, entrevistado em um dos principais telejornais matinais, Nigel Farage, então líder do partido ultranacionalista Ukip, negava, na maior caradura, uma das principais bandeiras da campanha. Em anúncios e até pintado no ônibus que carregava pelo país os líderes do movimento, foi prometido que 350 milhões de libras semanais de contribuição à União Europeia seriam direcionados para o NHS – o serviço público de saúde, o SUS inglês. Às 6h31min, Farage desmentia tudo em rede nacional. – Não posso garantir – disse, complementando que a promessa havia sido um erro e que ele era contrário. A campanha pelo “sair” foi confusa e rasa, enquanto a do “ficar” apostou na ameaça, baseada nas incertezas que a mudança traria. O fato mais importante da história recente do Reino Unido é também o mais dramático politicamente desde a II Guerra Mundial. Com a divulgação do resultado, o primeiro-ministro David Cameron renunciou naquele mesmo dia. Amigos e ex-colegas de Cameron, Boris Johnson e Michael Gove, a dupla que liderou o Brexit, concederam uma coletiva da vitória com cara de funeral – com cara de “a gente não esperava ganhar”. Em menos de uma semana, Boris, que era o substituto natural de Cameron, foi apunhalado pelas costas. Michael Gove pulou à frente e se lançou ao posto de líder do Partido Conservador. A jogada política virou gíria: doing a Gove (“dando um Gove”). De derrotado, Boris se reinventou e virou ministro. Theresa May, ministra de Cameron, elegantemente correu por fora – apoiou a campanha pela permanência no bloco sem muita paixão. Faturou o cargo de primeira-ministra e passou a defender o Brexit. A convocação de um referendo foi uma jogada de David Cameron para acalmar os eurocéticos de seu partido e se manter no poder. Jogou alto, perdeu feio. Ele nunca esperou o resultado. E, pelo que se tem visto, muito menos os que defenderam a causa. Não se sabia nada de muito concreto sobre como seria o Reino no dia seguinte ao referendo. Hoje, seis meses depois, sabe-se muito pouco. Theresa May, desde a posse, tem lançado frases de efeito. Assumiu afirmando que “Brexit significa Brexit”. A sequência foi um mês de blá-blá-blá sobre um “Brexit linha dura” e que foi imediatamente substituído, devido às reações negativas, pelo “Brexit linha leve”. Recentemente, sob forte pressão, ela lançou novo slogan: – Devemos buscar um Brexit vermelho, branco e azul (referindo-se às cores da bandeira). May anunciou que invocaria o artigo 50 do Tratado de Lisboa até o fim de março – ato que inicia oficialmente a saída e dá prazo de dois anos para as negociações. Mas a saída virou uma disputa jurídica que, ironicamente, pode até terminar no Tribunal Europeu. A Alta Corte da Inglaterra decidiu que o Parlamento inglês deve opinar sobre o início do Brexit. O governo recorreu, e a decisão final sairá entre os dias 5 e 15 de janeiro. Do outro lado do Canal da Mancha, o continente se divide entre os líderes europeus que querem se ver livres do Reino Unido o quanto antes e aqueles que querem dificultar ao máximo, dando exemplo para evitar mais debandadas.
OUTROS PERSONAGENS Mas o Reino viveu mais do que o referendo em 2016. Londres elegeu o trabalhista Sadiq Kahn como prefeito, o muçulmano que ocupa o mais alto cargo político na Europa. Andy Murray foi bicampeão do torneio de Wimbledon, ganhou o ATP Finals e fechou o ano como número 1 do ranking. A Tate Modern inaugurou um grandioso anexo. No futebol, o Leicester City mostrou que os pequenos podem derrubar os grandes – o time de segunda linha faturou o título da Premier League. Nestes tempos de incerteza, pelo menos a mais tradicional das instituições se manteve firme: a rainha Elizabeth foi incansavelmente homenageada pelos seus 90 anos. A nota triste foi na música: o ano começou e terminou com a morte de um astro – David Bowie, em 10 de janeiro, e George Michael, em 25 de dezembro.