DIEGO VARA, BD, 08/08/2016
A OLIMPÍADA

André Baibich

andre.baibich@zerohora.com.br

Rio reconciliou

o brasileiro

com a pátria

F oi com certo distanciamento crítico que me acomodei na área de imprensa do Maracanã na noite de 5 de agosto. Realizava, ali, um sonho, entusiasta do movimento olímpico que sempre fui. Era uma das testemunhas da cerimônia de abertura, mas o orgulho misturava-se ao temor. Tomado pelo pessimismo que cercou os Jogos até pouco antes do início, receava que o evento fosse manchado por uma organização caótica. Nas duas semanas olímpicas, eu e o país jogamos fora qualquer traço do famigerado complexo de vira-lata. A abertura mal chegara à metade e eu já havia enxugado as lágrimas três vezes. Fernando Meirelles, diretor da cerimônia, reapresentava o Brasil, mas não aquele de cenário apocalíptico com que nos acostumamos nos últimos anos. Era o país de cultura rica e diversidade, da receptividade e alegria do povo. E, também, da competência capaz de entregar uma cerimônia e um grande evento sem maiores reparos. Como não amar esse Brasil? A Olimpíada do Rio reconciliou o brasileiro com sua pátria. O sorriso, item raro em tempos de bolsos vazios e revolta com a corrupção, parecia obrigatório nos rostos de quem percorria as alamedas do Parque Olímpico ou de quem gritava das arquibancadas em apoio aos atletas do país. Contagiados pelo otimismo e preparados com a ajuda de polpudos recursos, eles fizeram um resultado histórico: 19 medalhas, com sete ouros, seis pratas e seis bronzes. Terminaram em 13º lugar no número de pódios. Até o futebol, responsável pela terrível decepção do 7 a 1 na Copa do Mundo, redimiu-se com o primeiro ouro no masculino. A seleção começou claudicante, bem ao ritmo do público ainda desconfiado, que vaiou empates contra África do Sul e Iraque. Depois, engrenou ao comando de um Neymar cercado de coadjuvantes de luxo como Luan, Gabriel Jesus, Gabigol e Walace. A redenção se completou em um Maracanã lotado e com elementos hollywoodianos: em final diante da algoz Alemanha, nos pênaltis e com Neymar, alvo de duras críticas no início da campanha, convertendo a última cobrança. O grande legado olímpico, porém, não está no desempenho em pistas, quadras e campos. A improvável lua de mel do povo com o país, ainda que induzida pela euforia do grande evento, fornece pistas sobre a complexa psique brasileira. Vamos da catástrofe ao júbilo sem escalas pelo caminho. Não temos nada a aprender com essa montanha-russa? Em um dia, esbravejamos contra nossa desorganização, que deixa edifícios da Vila Olímpica incompletos e recebe pauladas de australianos insatisfeitos. Nossa irritação se aprofunda com a emenda, pior do que o soneto, do prefeito carioca. É ele que diz que só falta colocar cangurus nos alojamentos para deixar os australianos mais à vontade. Pouco depois, já estamos na trincheira, rilhando os dentes para defender a Nação do ataque de um nadador americano. Transformamos Ryan Lochte – diga-se que com justiça pela estupidez de seus atos – em um vilão do calibre de Dick Vigarista. Passados alguns meses, o noticiário esportivo já mostra denúncias de irregularidades em confederações, dirigentes afastados e suspeitas de má gestão e superfaturamento na desmontagem de arenas temporárias. Já voltamos a maldizer o Rio 2016, a culpá-lo por tirar dinheiro da saúde e da educação, a apontá-lo como mais uma mostra de nossa incompetência e desonestidade. O verdadeiro Brasil flutua no meio do caminho entre essa bagunça obscena e o país vibrante que Meirelles fez desfilar pelo Maracanã. Um dos legados olímpicos foi esse, o do otimismo em meio à crise – o que já é uma conquista grande demais para ser ignorada.
EPISÓDIOS MARCANTES CINTO APERTADO Em janeiro, Comitê Organizador anuncia um pacote de cortes para equilibrar as contas da Olimpíada. Em junho, governo do Rio decreta estado de calamidade pública, o que permite captar recursos junto à União para finalizar a linha 4 do metrô. A POLÊMICA DO CANGURU Logo após a abertura da Vila Olímpica, em julho, a delegação australiana se retira, reclamando de problemas nos alojamentos. Após ajustes de última hora, a Austrália retorna à Vila. ORGULHO BRASILEIRO Em agosto, a Olimpíada emociona desde a cerimônia de abertura até o ouro da seleção masculina de vôlei, no último dia. No meio do caminho, o país vibra com personagens como a judoca Rafaela Silva, Thiago Braz, que na final do salto com vara vence duelo com francês Renaud Lavillenie (que reclama das vaias do público), Michael Phelps (que encerra sua participação em Olimpíadas com mais cinco ouros e uma prata no Rio, totalizando 28 medalhas na carreira) e Usain Bolt (tri nos 100m rasos, nos 200m e no 4x100m). O FALSO ASSALTO O nadador americano Ryan Lochte diz ter sido vítima de um assalto ao voltar de uma festa no Rio. Quatro dias depois, a polícia conclui que o nadador mentiu – os atletas depredaram um banheiro em um posto de gasolina e quiseram deixar o local sem pagar os prejuízos. BRILHO PARAOLÍMPICO Em setembro, a Paraolimpíada emociona espectadores com exemplos de superação e excelência esportiva. RECONHECIMENTO Em dezembro, Mark Adams, porta-voz do Comitê Olímpico Internacional (COI), classifica Rio 2016 como “os Jogos imperfeitos mais perfeitos”.