REPRODUÇÃO
A LUTA DAS MULHERES

Cláudia Laitano

claudia.laitano@zerohora.com.br

Surge uma novíssima geração de feministas

N o início de 2016, não era preciso ser excessivamente otimista ou visionário para imaginar que o ano entraria para a história como aquele em que a primeira mulher chegaria à Casa Branca. O que quase ninguém seria capaz de prever, em janeiro, era o tamanho da reviravolta que já insinuava seu topete laranja no horizonte. Com a derrota de Hillary Clinton, foi adiado o sonho de ver uma mulher no cargo político mais importante do planeta, mas muito pior do que isso foi a sensação, global, de que a eleição de Donald Trump fez o século 21 pular duas casas para trás. A vitória de um candidato escancaradamente misógino nas eleições americanas representa uma ameaça concreta de retrocesso com relação aos direitos das mulheres – os já conquistados inclusive. Em compensação, estamos assistindo ao surgimento de uma novíssima geração de feministas (algumas mal saídas da infância) com energia renovada e aparentemente inesgotável para lutar por direitos e oportunidades iguais em todas as frentes – nas ruas, nas redes sociais, dentro de casa, na escola. Em Porto Alegre, algumas dessas meninas se uniram, em fevereiro, para exigir o mesmo tratamento dispensado aos garotos com relação ao figurino permitido na escola. A hashtag “vai ter shortinho, sim” nasceu da mobilização de alunas do Colégio Anchieta. A carta-manifesto redigida por elas teve repercussão no Brasil inteiro: “Exigimos que a instituição deixe no passado o machismo, a objetificação e sexualização dos corpos das alunas; exigimos que deixe no passado a mentalidade de que cabe às mulheres a prevenção de assédios, abusos e estupros; exigimos que, ao invés de ditar o que as meninas podem vestir, ditem o respeito”. Dois meses depois, em abril, uma reportagem da revista Veja também teria repercussão imediata e daria origem a sua própria hashtag – movida, porém, por humor involuntário. A então “quase primeira-dama” Marcela Temer foi descrita como uma jovem “bela, recatada e do lar” – expressão que uma saraivada de memes tratou de ironizar nos dias seguintes. Com Michel Temer já na Presidência, Marcela não se esforçou para desmentir os memes: investiu nos figurinos angelicais e reforçou a imagem de primeira-dama de efeito meramente decorativo. Se as criadoras da Escola de Princesas, outra revelação de 2016, precisassem de uma modelo de carne e osso para inspirar suas pequenas alunas, poucas se encaixariam tão bem no perfil desejado quanto a nossa primeira-dama. (Falando em primeiras-damas, nunca é demais repetir: Fica, Michelle Obama!) No começo de 2016, os jovens que haviam terminado o Ensino Médio no ano anterior ainda comentavam o polêmico tema da redação do Enem: “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”. No fim de maio, a pertinência do tema ganhou uma ilustração terrível: no Rio de Janeiro, uma jovem de 16 anos foi vítima de um estupro coletivo. A tragédia ganhou repercussão nacional porque um dos agressores, certamente convencido do direito à impunidade, postou um vídeo nas redes sociais gabando-se do crime. Não por acaso: no ano em que a Lei Maria da Penha completou uma década, a impunidade dos crimes de estupro ainda é a regra, e o Brasil continua a registrar índices vergonhosos de violência doméstica – drama que atinge pobres e ricas, anônimas e famosas (como a ex-modelo Luiza Brunet). A boa notícia é que nunca antes tantas (e tantos) de nós falamos a respeito. Em 2017, não conte com o nosso silêncio.
EPISÓDIOS MARCANTES VAI TER SHORTINHO, SIM Em fevereiro, um abaixo-assinado de alunas do Colégio Anchieta entre 13 e 17 anos pede que a instituição mude suas regras de vestuário e permita o uso de shorts curtos. O documento atinge 4 mil assinaturas, causa intenso debate e afirma que a escola tem de deixar “no passado a mentalidade de que cabe às mulheres a prevenção de assédios, abusos e estupros; exigimos que, ao invés de ditar o que as meninas podem vestir, ditem o respeito”. BELA, RECATADA E DO LAR A revista Veja publica em abril uma reportagem sobre Marcela Temer, prestes a se tornar primeira-dama em meio ao processo de impeachment de Dilma. A reação nas redes sociais é carregada de críticas irônicas, com imagens e relatos de mulheres que subvertem o estereótipo encarnado por Marcela. MINISTÉRIO SEM MULHERES No dia 12 de maio, Michel Temer, ainda presidente interino, anuncia um ministério sem nenhuma mulher. O último grupo de ministros formado apenas por homens era do governo Geisel, nos anos 1970. ESTUPRO COLETIVO Ainda em maio, uma menina de 16 anos é estuprada por vários homens, e um vídeo do crime é publicado na internet. O delegado responsável é afastado das investigações por sugerir, ao interrogar a vítima, que ela teria parcela de responsabilidade. Nas redes sociais, mulheres se mobilizam em postagens com a hashtag EstuproNãoéCulpadaVítima. MC BIEL Em junho, uma repórter do portal IG registra ocorrência de assédio sexual na Delegacia da Mulher, em São Paulo, após entrevista com o cantor MC Biel, que a chamou de “gostosinha” e disse que a “quebraria no meio”.