A crise no RS
Lauro Alves, bd
Em 21 de novembro, Sartori lançou pacote para frear a crise econômica
D

Rosane de Oliveira

rosane.oliveira@zerohora.com.br

O Estado chegou

ao fundo

do poço

e degrau em degrau, o setor público do Rio Grande do Sul desceu ao fundo do poço em 2016 e termina o ano sem que se saiba, com certeza, se já chegou à rocha. O déficit estimado é de cerca de R$ 2,5 bilhões. Os atrasos no pagamento dos funcionários públicos, que estão com os salários congelados, viraram rotina, a qualidade dos serviços prestados caiu, a insegurança cresceu e os investimentos esperados não se concretizaram. Com escassas obras de infraestrutura, o Estado viu, de novo, a vizinha Santa Catarina atrair empresas e conquistar posições que no passado foram suas, a começar pelos resultados nos índices de educação. O ano ficará marcado como aquele em que o governo de José Ivo Sartori conseguiu o aval da Assembleia Legislativa para sua reforma administrativa, com a extinção de nove fundações, entre elas a Piratini (TVE e FM Cultura), a Zoobotânica e a de Economia e Estatística. No mesmo pacote, batizado de “Um novo Estado, um novo futuro”, reduziu o número de secretarias, acabou com a Corag e com a Superintendência de Portos e Hidrovias, mas não conseguiu autorização para privatizar a CEEE, a Sulgás e a Companhia Riograndense de Mineração sem precisar fazer o plebiscito previsto na Constituição. Como o pacote ficou pela metade, uma nova convocação extraordinária da Assembleia está prevista para o final de janeiro para votar projetos remanescentes e outros que estão na incubadora do Palácio Piratini. A venda, principalmente da Sulgás, era a esperança de fazer dinheiro em 2017 e 2018, para colocar as contas em dia e garantir algum investimento. O governo também fracassou na tentativa de mudar o sistema de cálculo do duodécimo para os outros poderes, que significaria um alívio para o Executivo, obrigado a repassar o valor orçado, mesmo que a arrecadação fique abaixo do previsto. Foi uma das poucas derrotas impostas a Sartori pela Assembleia, que em 2015 aprovou a Lei de Responsabilidade Estadual e o sistema de previdência complementar, acabando com a aposentadoria integral para os servidores nomeados a partir de 2016.
Com salários e fornecedores atrasados, o governo bateu recordes de impopularidade e fechou dezembro anunciando o parcelamento do 13º salário dos servidores do Executivo em 12 vezes, uma medida extrema que nenhum dos antecessores sequer cogitou.
Quando 2016 começou, havia expectativa de reduzir o déficit pelo aumento da receita decorrente da elevação do ICMS, mas a crise econômica anulou os ganhos da arrecadação. Sartori terminou seu segundo ano de governo com o Estado em situação ainda mais crítica, apesar de ter conseguido a suspensão temporária do pagamento da dívida com a União, que consumia 13% da receita corrente líquida, o aumento do ICMS e a venda da folha de pagamento para o Banrisul (que rendeu R$ 1,5 bilhão). A fim de obter socorro federal, o governador decretou estado de calamidade financeira. Para piorar, o presidente Michel Temer vetou a renegociação da dívida com a União – que permitiria um fôlego de mais 36 meses, R$ 8,7 bilhões a menos de desembolso até 2019. Um novo projeto de lei será enviado ao Congresso, desta vez, prevendo contrapartidas dos Estados. Com salários e fornecedores atrasados, o governo bateu recordes de impopularidade e fechou dezembro anunciando o parcelamento do 13º salário dos servidores do Executivo em 12 vezes, uma medida extrema que nenhum dos antecessores sequer cogitou. A frase “vou fazer o que precisa ser feito” virou o mantra de Sartori, que terminou o ano sem lançar sequer um edital de concessão para obras de infraestrutura que o Estado não tem como fazer. Tampouco conseguiu vender os imóveis que não utiliza ou que estão alugados a preço vil.
H

Marta Sfredo

marta.sfredo@zerohora.com.br

De modelo a toda

terra a espantalho do Brasil

avia sinais em 2015, mas foi em 2016 que o Rio Grande do Sul, no passado considerado a parte extrema – não só no sentido geográfico – do “Sul Maravilha”, mudou de posição no mapa econômico. De “modelo a toda terra”, como canta seu hino, tornou-se uma espécie de espantalho para afugentar irresponsabilidade fiscal no Brasil. A economista Monica de Bolle, que publica artigos quinzenais em Zero Hora, escreveu para a Folha de S.Paulo em agosto de 2015: “O estado das contas públicas do Rio Grande do Sul é prenúncio para lá de ominoso sobre o que pode ocorrer com o Brasil em alguns anos se os problemas fiscais estruturais que enfrentamos não forem abordados”. Era o início da construção de um boneco suficientemente assustador para desestimular o acúmulo de equívocos que levou ao esgotamento das finanças públicas. Mais de um ano depois, o alerta foi repetido, em entrevista à coluna +Economia, por outro economista, Samuel Pessôa: “Se nada for feito, o que o RS vive hoje o Brasil viverá em três anos”. E ecoado a cada conversa com especialistas em contas públicas: sem ajuste, o Brasil de amanhã se tornará o Rio Grande do Sul de hoje. Tornar-se mais visível para quem vive fora do Rio Grande do Sul do que para parte dos gaúchos foi um dos aspectos mais bizarros do efeito espantalho. Não é pequena a parcela da população que decidiu não acreditar que os cofres estão vazios e o Estado sobrevive, como se diz popularmente, da mão para a boca. Embora existam ilhas de prosperidade, o clima de depressão nas finanças públicas acentuou o efeito da crise nacional no setor privado. Foi um ano em que voltamos a falar em desgauchização da economia local, com a venda da Vonpar à mexicana Femsa e da Tumelero à francesa Saint-Gobain, dona da rede TelhaNorte. E, em um dos capítulos mais tristes do ano, às vésperas do Natal 3,2 mil trabalhadores do Estaleiro Rio Grande foram demitidos, uma espécie de apito de alerta de que o sonho dos polos navais pode zarpar do horizonte dos gaúchos.
Em vez de travar um debate maduro e produtivo, até para corrigir distorções, o final de ano deu aos gaúchos mais uma mostra da antológica grenalização, com um agravo: o Legislativo aprovou a extinção de fundações, mas travou frente a um agressivo lobby do Judiciário.
Como no restante do país, indústria, comércio e serviços chegaram a sonhar com a “despiora”, até a metade do ano, mas enfrentaram a “repiora” dos indicadores de confiança e dos que medem vendas. Levantamento da Federasul com seus associados mostrou que 61% dos entrevistados relacionam crise à situação do Rio Grande do Sul e ao parcelamento aos servidores do Estado. O atraso no pagamento dos salários exacerbou a corrente da inadimplência no país que sofre de “síndrome do calote”. Admitir que o Estado quebrou – aqui visto como um ente público, não unidade geográfica – não significa concordar com todas as medidas propostas pelo Piratini para estancar a sangria. Em vez de travar um debate maduro e produtivo, até para corrigir distorções, o final de ano deu aos gaúchos mais uma mostra da antológica grenalização, com um agravo: o Legislativo aprovou a extinção de fundações, mas travou frente a um agressivo lobby do Judiciário. O resultado, no fechamento do ano, é um espantalho ainda mais assustador, que não relativiza cortes a setores com menor poder de barganha, mas cede diante de ameaças. Para 2017, convém lembrar do famoso trecho suprimido do hino rio-grandense durante a ditadura militar – “sejamos gregos na glória e, na virtude, romanos” – se não quisermos confirmar um vaticínio ao contrário: tornarmo-nos gregos na tragédia financeira atual e romanos na queda.
EPISÓDIOS MARCANTES
LAURO ALVES, BD
A CRISE NO RS

Resane de Oliveira

rosane.oliveira@zerohora.com.br

O Estado chegou

ao fundo do poço

D e degrau em degrau, o setor público do Rio Grande do Sul desceu ao fundo do poço em 2016 e termina o ano sem que se saiba, com certeza, se já chegou à rocha. O déficit estimado é de cerca de R$ 2,5 bilhões. Os atrasos no pagamento dos funcionários públicos, que estão com os salários congelados, viraram rotina, a qualidade dos serviços prestados caiu, a insegurança cresceu e os investimentos esperados não se concretizaram. Com escassas obras de infraestrutura, o Estado viu, de novo, a vizinha Santa Catarina atrair empresas e conquistar posições que no passado foram suas, a começar pelos resultados nos índices de educação. O ano ficará marcado como aquele em que o governo de José Ivo Sartori conseguiu o aval da Assembleia Legislativa para sua reforma administrativa, com a extinção de nove fundações, entre elas a Piratini (TVE e FM Cultura), a Zoobotânica e a de Economia e Estatística. No mesmo pacote, batizado de “Um novo Estado, um novo futuro”, reduziu o número de secretarias, acabou com a Corag e com a Superintendência de Portos e Hidrovias, mas não conseguiu autorização para privatizar a CEEE, a Sulgás e a Companhia Riograndense de Mineração sem precisar fazer o plebiscito previsto na Constituição. Como o pacote ficou pela metade, uma nova convocação extraordinária da Assembleia está prevista para o final de janeiro para votar projetos remanescentes e outros que estão na incubadora do Palácio Piratini. A venda, principalmente da Sulgás, era a esperança de fazer dinheiro em 2017 e 2018, para colocar as contas em dia e garantir algum investimento. O governo também fracassou na tentativa de mudar o sistema de cálculo do duodécimo para os outros poderes, que significaria um alívio para o Executivo, obrigado a repassar o valor orçado, mesmo que a arrecadação fique abaixo do previsto. Foi uma das poucas derrotas impostas a Sartori pela Assembleia, que em 2015 aprovou a Lei de Responsabilidade Estadual e o sistema de previdência complementar, acabando com a aposentadoria integral para os servidores nomeados a partir de 2016. Quando 2016 começou, havia expectativa de reduzir o déficit pelo aumento da receita decorrente da elevação do ICMS, mas a crise econômica anulou os ganhos da arrecadação. Sartori terminou seu segundo ano de governo com o Estado em situação ainda mais crítica, apesar de ter conseguido a suspensão temporária do pagamento da dívida com a União, que consumia 13% da receita corrente líquida, o aumento do ICMS e a venda da folha de pagamento para o Banrisul (que rendeu R$ 1,5 bilhão). A fim de obter socorro federal, o governador decretou estado de calamidade financeira. Para piorar, o presidente Michel Temer vetou a renegociação da dívida com a União – que permitiria um fôlego de mais 36 meses, R$ 8,7 bilhões a menos de desembolso até 2019. Um novo projeto de lei será enviado ao Congresso, desta vez, prevendo contrapartidas dos Estados. Com salários e fornecedores atrasados, o governo bateu recordes de impopularidade e fechou dezembro anunciando o parcelamento do 13º salário dos servidores do Executivo em 12 vezes, uma medida extrema que nenhum dos antecessores sequer cogitou. A frase “vou fazer o que precisa ser feito” virou o mantra de Sartori, que terminou o ano sem lançar sequer um edital de concessão para obras de infraestrutura que o Estado não tem como fazer. Tampouco conseguiu vender os imóveis que não utiliza ou que estão alugados a preço vil.

Marta Sfredo

marta.sfredo@zerohora.com.br

De modelo a toda terra a espantalho

do Brasil

H avia sinais em 2015, mas foi em 2016 que o Rio Grande do Sul, no passado considerado a parte extrema – não só no sentido geográfico – do “Sul Maravilha”, mudou de posição no mapa econômico. De “modelo a toda terra”, como canta seu hino, tornou-se uma espécie de espantalho para afugentar irresponsabilidade fiscal no Brasil. A economista Monica de Bolle, que publica artigos quinzenais em Zero Hora, escreveu para a Folha de S.Paulo em agosto de 2015: “O estado das contas públicas do Rio Grande do Sul é prenúncio para lá de ominoso sobre o que pode ocorrer com o Brasil em alguns anos se os problemas fiscais estruturais que enfrentamos não forem abordados”. Era o início da construção de um boneco suficientemente assustador para desestimular o acúmulo de equívocos que levou ao esgotamento das finanças públicas. Mais de um ano depois, o alerta foi repetido, em entrevista à coluna +Economia, por outro economista, Samuel Pessôa: “Se nada for feito, o que o RS vive hoje o Brasil viverá em três anos”. E ecoado a cada conversa com especialistas em contas públicas: sem ajuste, o Brasil de amanhã se tornará o Rio Grande do Sul de hoje. Tornar-se mais visível para quem vive fora do Rio Grande do Sul do que para parte dos gaúchos foi um dos aspectos mais bizarros do efeito espantalho. Não é pequena a parcela da população que decidiu não acreditar que os cofres estão vazios e o Estado sobrevive, como se diz popularmente, da mão para a boca. Embora existam ilhas de prosperidade, o clima de depressão nas finanças públicas acentuou o efeito da crise nacional no setor privado. Foi um ano em que voltamos a falar em desgauchização da economia local, com a venda da Vonpar à mexicana Femsa e da Tumelero à francesa Saint-Gobain, dona da rede TelhaNorte. E, em um dos capítulos mais tristes do ano, às vésperas do Natal 3,2 mil trabalhadores do Estaleiro Rio Grande foram demitidos, uma espécie de apito de alerta de que o sonho dos polos navais pode zarpar do horizonte dos gaúchos. Como no restante do país, indústria, comércio e serviços chegaram a sonhar com a “despiora”, até a metade do ano, mas enfrentaram a “repiora” dos indicadores de confiança e dos que medem vendas. Levantamento da Federasul com seus associados mostrou que 61% dos entrevistados relacionam crise à situação do Rio Grande do Sul e ao parcelamento aos servidores do Estado. O atraso no pagamento dos salários exacerbou a corrente da inadimplência no país que sofre de “síndrome do calote”. Admitir que o Estado quebrou – aqui visto como um ente público, não unidade geográfica – não significa concordar com todas as medidas propostas pelo Piratini para estancar a sangria. Em vez de travar um debate maduro e produtivo, até para corrigir distorções, o final de ano deu aos gaúchos mais uma mostra da antológica grenalização, com um agravo: o Legislativo aprovou a extinção de fundações, mas travou frente a um agressivo lobby do Judiciário. O resultado, no fechamento do ano, é um espantalho ainda mais assustador, que não relativiza cortes a setores com menor poder de barganha, mas cede diante de ameaças. Para 2017, convém lembrar do famoso trecho suprimido do hino rio-grandense durante a ditadura militar – “sejamos gregos na glória e, na virtude, romanos” – se não quisermos confirmar um vaticínio ao contrário: tornarmo-nos gregos na tragédia financeira atual e romanos na queda.
EPISÓDIOS MARCANTES PIADA Em entrevista à TVE, em janeiro, Sartori faz brincadeira com o parcelamento dos salários dos servidores, citando o Gre-Nal em que o Grêmio goleou por 5 a 0: – Deu aquele Gre-Nal fatídico, lá. O cidadão chegou e disse o seguinte: ‘Bah, foi cinco porque o Sartori parcelou. Se não, seria 10”. SEM CONCURSOS Sartori renova decreto que suspende nomeações e concursos públicos no Estado. NOMEAÇÕES Pressionado, Sartori anuncia nomeação de professores e PMs. TESOURADA Em abril, governo do Estado publica decreto determinando corte de despesas próximo de R$ 4 bilhões. DESGASTE COM O JUDICIÁRIO Em maio, logo após a Assembleia aprovar aumento para servidores do Legislativo e Judiciário, Sartori avisa, em seu perfil no Twitter, que vetará o projeto. O presidente do Conselho de Comunicação do Tribunal de Justiça, desembargador Túlio Martins, classifica como “bizarra” a comunicação de uma decisão importante através da rede social. PARCELAMENTO No mesmo mês, um seguidor no Facebook provoca Sartori, sugerindo que seu salário não é parcelado, o que motiva o governador a publicar seu extrato bancário para provar que a polêmica medida também o atinge. ATRASADO Governo do Estado paga, no final de junho, o 13º salário de 2015. DERROTA Depois de Sartori vetar o reajuste aos servidores do Judiciário, em julho a Assembleia volta a aprovar o aumento. Governo do Estado recorre à Justiça, mas STF indefere pedido para suspender o reajuste de 8,13% para servidores de Judiciário, Assembleia Legislativa, Defensoria Pública, Ministério Público (MP) e Tribunal de Contas do Estado (TCE). CRISE NA SEGURANÇA Em agosto, crimes como o assassinato de uma mãe que esperava o filho sair da escola pressionam Sartori. Wantuir Jacini pede exoneração da Secretaria de Segurança, e o governador pede ajuda da Força Nacional de Segurança. SCHIRMER NA SEGURANÇA Em setembro, a escolha do novo secretário de Segurança, o ex-prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer, gera críticas por conta do desgaste político que ele sofreu na tragédia da Boate Kiss. “MELHOR RECEBER” Em entrevista à Rádio Gaúcha, em outubro, Sartori afirma: – Eu devo dizer, tranquilamente, que é melhor receber parcelado do que não receber. E inclusive manter o próprio emprego. PACOTE POLÊMICO Em novembro, Sartori anuncia pacote de medidas que inclui extinção de fundações e mudanças na contribuição previdenciária. Governo prevê economizar R$ 6,7 bilhões. Manifestações de servidores das fundações e grupos contrários aos cortes se intensificam. FELTES E O CAIXA 2 Em encontro com empresários de Carlos Barbosa, em dezembro, o secretário da Fazenda, Giovani Feltes, sugere que o caixa 2 é comum em campanhas e afirma que “anjo não se elege nem vereador”. APROVAÇÃO PELA METADE Às vésperas do Natal, o pacote de medidas é votado na Assembleia, após sessões conturbadas e com confrontos entre BM e manifestantes na Praça da Matriz. São aprovadas as extinções de nove fundações. Mas a PEC dos Poderes, que diminuiria gastos, é rejeitada. ALÍVIO VETADO Projeto de lei de repactuação da dívida dos Estados com a União passa no Congresso. Mas, no fim do ano, presidente Michel Temer anuncia veto.